segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Heatcliffs e as mulheres

Outro dia, vi um anúncio da nova versão cinematográfica de O morro dos ventos uivantes, de Emily Brönte (aliás, li há pouco o livro de Rosa Montero, Nós, mulheres, que fala de diversas mulheres históricas, entre elas as melancólicas e criativas irmãs Brönte). 
Li o livro de Emily Brönte ainda meninota e ele também foi responsável por me fazer acreditar que amores de verdade eram dolorosos. Pelo jeito, a diretora da nova versão em filme, Emerald Fennell, também acredita nisso, ao dizer que se trata "da maior história de amor de todos os tempos". 
Hoje, tantos anos depois, com o distanciamento necessário e em plena semana de organização do Levante Mulheres Vivas, contra a epidemia de feminicídios no Brasil (mulheres espancadas, mutiladas, queimadas, mortas a tiros em diversas cidades), parece irônico que esse tipo de comportamento masculino, totalmente tóxico, abusivo, obsessivo, violento, possa ser considerado amoroso. 
Mesmo com um homem lindo como Jacob Elordi (antes dele, Lawrence Olivier, Ralph Fiennes, Tom Hardy - aliás, todos brancos, bem diferentes da personagem criada por Brönte, que o descreve como cigano, de pele escura) é um desserviço (re)vender essa ficção como modelo de relacionamento (amor além da morte, cruz credo!). Também é um desserviço tirar da história o racismo e o classismo evidentes - o que não justifica, embora explique em parte a violência masculina.
A realidade grita nas ruas algo muito diferente desse modelo de "amor". Nós, mulheres, gritamos em resposta pela nossa liberdade e pelo nosso direito de viver. 

sábado, 29 de novembro de 2025

Here is the rainbow I've been prayin' for

Depois de dias difíceis, veio uma chuva de afetos. Ganhei convite do PPGNEIM para Neojiba, levei Sueli e encontrei colegas; recebi visita de Carlos e Flavio (que eu não via há 12 anos), fomos à Jam no MAM e ao Manga, conversamos incansavelmente; participei do Día de los Muertos no espanhol, testei receita de pan de muerto e ajudei na corrida para confeccionar flores e bandeiras; recebi visita de meu lindo irmão caçula, corremos ao hospital mas também passeamos e recebemos amor de gatinhos e fizemos nossa tradicional terapia familiar; fui com Liu a uma oficina de aquarela e me inspirei a prosseguir treinando; fui ao almoço de ex-sogro e experimentei bolo delícia de chocolate feito com água; fui com Guga prestigiar o filme de Kleber Mendonça com Wagner Moura, O agente secreto, mistura certeira de realismo mágico com horror real e acento deliciosamente nordestino; prestigiei lançamento de livro do talentoso Adriano, cicloviajante apaixonado como eu pelo São Francisco; ganhei concurso de melhor texto no espanhol por pura fofura dos colegas-eleitores; testei o bolo de chocolate no último encontro da pós - comilança com direito a samba da maravilhosa Camila Factum e a amiga-secreta; recebi visita de Taisa, amiga-irmã que não via desde sua visita há oito anos, e fomos provar arroz de polvo do França e a festa no Casa Branca, com direito a assuntos infinitos; levei bolo de aniversário (o mesmo de chocolate, mas com raspas de laranja) para Felipe, do espanhol, em nossa última aula. 
Tudo isso coloca as coisas em perspectiva. É para isso, também, que servem os encontros, os afetos. Sol após a chuva, arco-íris atravessando alegremente o céu. Obrigada pela lição, Jimmy.
 

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Kintsugi, ou o que fazer quando a gente quebra

A arte japonesa do kintsugi consiste em consertar uma cerâmica quebrada, unindo as partes com goma laca e pó de ouro. O sentido por trás disso não é somente o reaproveitamento do objeto, mas principalmente a valorização da resiliência representada pela cicatriz que fica. 
E o que fazer quando o que quebra somos nós? Se alguém me perguntasse, recomendaria terapia. Em casos extremos, ajuda médica. Mas me parece que, na maioria das vezes, como em tantas situações na vida, a pessoa adoecida é a última a saber o que está acontecendo com ela.
As duas últimas semanas foram tão extenuantes, e mesmo assim segui carregando tudo, que minha mente deu um basta e meu corpo não teve como não pedir arrego. Pressão descontrolada, taquicardia: a crise de ansiedade não chegou do nada e varreu o que viu pela frente, lançou projetos para longe. 
Agora colamos os cacos, ainda sem acreditar na força da onda que veio. Parece que foi em outro lugar, parece que foi com outra pessoa, o que é assustador. Não dá para ser sempre o bambu que resiste a tudo. De novo, reaprender a respirar.    

domingo, 28 de setembro de 2025

Cantoria na Lapa

Vivi fez aniversário e fomos comemorar no karaokê da Lapa. Zero glamour, o predinho na Joana Angélica acaba sendo escondido pela feira que vai se desmontando ao anoitecer. Quase não achei, tive de perguntar a um ambulante onde era. 
A fila para cantar é grande, mas funciona. Quatro reais por música, como na saudosa Choperia Cristal. Os organizadores da fila ainda fazem backing vocal, um luxo. E o público, embora tenha de tudo, como convém a um espaço democrático como o karaokê, tem muito profissional, rola muito cantor velha guarda, uma maravilha. As outras mesas participam de tudo, cantam junto, pura diversão. 

Um bolinho para Sueli

Sueli faz parte da minha diretoria do litoral norte. Viramos vizinhas em Salvador. Ela é desterrada como eu, da mesma cidade. Também deixou São Paulo para viver na Bahia em função de um casamento. Ela é uma das pessoas mais naturalmente elegantes que conheço. 
Soube, num dos nossos cafés, de sua angústia por uma questão de saúde na família. Ela comentou também da saudade dos amigos que sempre se reuniam no litoral norte. Daí resolvi chamar todos para um almocinho com bolo de aniversário para ela. Um jeito de emanar amor para ela e sua família querida. Acho que deu certo, pelas notícias que ela compartilhou depois. E a gente também se impregnou desse afeto, como sempre. 

domingo, 21 de setembro de 2025

Ensinando a transgredir no teatro

Quando soube que havia uma peça baseada no primeiro livro que li de bell hooks, Ensinando a transgredir, fiquei toda animada. Logo fui comprar ingresso - achei um pouco caro, mas tudo bem, valeria a pena. Ainda por cima, era relativamente perto, no teatro da Aliança Francesa. 
Lá fui eu numa sexta-feira para a ladeira da Barra. Talvez a perimenopausa me deixe hipersensível ao ruído, então a algazarra ao redor - o público parecia formado por familiares entusiasmados dos atores - me irritou um pouco. Quando entramos na sala, achei tudo desconfortável, precisando de uma reforma urgente (ainda mais depois de ter estado no Cineteatro 2 de julho, lindo, com atrações gratuitas para jovens estudantes de escolas públicas). Havia um rapaz, trepado num nicho, tocando os mesmos dois acordes de guitarra interminavelmente. 
A peça já começa com os jovens atores entrando correndo, contando que invadiram uma sala, bateram nos professores, deram um tiro. Fiquei espantada: o que isso tinha a ver com o livro de bell hooks, que fala da educação como ferramenta de transformação social e da transgressão no sentido de propor visões mais amplas da realidade? Na verdade, a participação de bell hooks se limitava a três leituras de trechos do livro, por uma atriz que fazia as vezes da autora. Como descobri mais tarde, a peça é, na verdade, a encenação ipsis literis (com exceção dessas cortinas com texto de bell hooks) de uma peça, Coro dos maus alunos, de um autor português, Tiago Rodrigues. A peça de Rodrigues, anterior a Merlí, da Netflix, tem a mesma premissa da série: um professor de filosofia transforma a vida de seus alunos, levando-os a questionar as formas tradicionais de pensamento. No caso da peça, isso leva à idolatria do professor e à violência extrema dos alunos ao defenderem o mestre de uma demissão injustiça. 
É difícil eu não gostar de uma peça de teatro. Mesmo abstraindo o amadorismo do grupo, fiquei o tempo todo pensando em como aquela peça poderia levar as pessoas que não conhecem a obra de bell hooks, quase uma pupila de Paulo Freire, a concluírem que o que ela defende é um quebra-quebra quando discordamos de alguém. Nada mais distante dos aprendizados deixados pela autora de Tudo sobre o amor.  

Povo na rua contra bandidagem e anistia para golpistas

Fazia tanto tempo que eu não ia a uma manifestação que fiquei com medo de perder a hora! Não perdi, mas bem na hora em que ia sair começou a chover. Esperei um pouco, peguei sombrinha, chapéu, água e rumei pro Morro do Cristo. 
Quando cheguei na orla, achei que tinha pouca gente, muitas pessoas pareciam as que caminham pela Barra, mas não manifestantes. Aos poucos, fui identificando a galera, com mochilas, garrafas de água, camisetas verde e amarelo ou vermelhas, algumas com cartazes ou bandeiras. Oba, estava no caminho certo! Parecia que muita gente tinha esperado passar a chuva para chegar.
Dali a pouco, dava para ver a multidão crescendo na direção do porto da Barra. Famílias, amigos, movimentos sociais, um ou outro político - todo mundo querendo o mesmo, defender a soberania do Brasil, a democracia e combater os picaretas da política. Como de costume em Salvador, teve trio, com Daniela Mercury e Wagner Moura. Teve dancinha ao som de "sem anistia". Que esse movimento de alegria, esperança e justiça só cresça.  

sábado, 20 de setembro de 2025

Banana bread vegano com mirtilos

Nem sempre encontro mirtilos e menos ainda com preço bom. Um dia desses, encontrei, e acabei comprando duas caixinhas. Mas antes que a segunda estragasse - aqui em casa tenho evitado ao máximo deixar estragar frutas e verduras ou qualquer coisa - tive a ideia de colocar mirtilos no banana bread, mesma receita que fiz para o níver de Flavinha. Depois vi que não é nenhuma novidade, muita gente faz essa mistura. O fato é que fica ótimo!

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Banana bread abrindo os trabalhos

Fiz outra receita de banana bread para um café na pós, para comemorar o aniversário de uma colega querida. Como me foi pedida uma receita vegana, tirei os ovos da receita da Rita Lobo, troquei por leite de coco, ficou lindão e uma delícia, quase não consegui provar! O contexto adoçou ainda mais a mesa bem posta, com a mulherada animada do PPGNEIM. Amo. 

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Reaproveitamento chique: presunto cru

Ainda tinha presunto cru do meu aniversário - delícia, mas haja sódio. De todo jeito, não ia jogar fora, com o preço das coisas! 
Tinha massa de pizza congelada, comprei uma burrata, usei na pizza, parte com pesto, parte com o presunto. O que restou do presunto ainda foi compor uma salada (e eu não sou boa de salada) delícia com cream cheese, tomate, rúcula e pesto. E azeite Verdenso, que comprei na oferta, uma sorte em horinhas de descuido.   

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Livros "de mulher"?

Outro dia, vi que a PUC-RS, onde fiz meu curso de gastronomia lato sensu, estava oferecendo um minicurso do Luiz Antonio Assis Brasil de escrita literária. Oba, pensei, mais um curso para ir afinando ideias, ainda mais de um professor desse quilate, e tal. Também ganhei de Guga o livro do renomado professor, Escrever ficção, para incrementar minhas leituras, junto com Francine Prose, Daniel Pennac, James Wood. Um brasileiro, ora.
Maravilha, comecei o curso, um pouco lento no início (gosto mais do livro, já sei), mas a coisa foi se constituindo. No outro dia, ao prosseguir na plataforma, selecionei uma aula mais à frente, sem querer, e tive um choque com os comentários feitos pelo professor sobre a literatura atual. Ele disse, num tom despeitado, que tudo hoje é sobre gerações de mulheres, histórias de abuso e homens enfraquecidos. Que "está na moda". Epa. 
Interessante é que ele, para dar um exemplo de uma grande obra, tenha citado O tempo e o vento, que, ora vejam, tem gerações de mulheres, histórias de abusos e alguns homens enfraquecidos - embora conte com as presenças dos heróis fundantes do Rio Grande do Sul, reais e imaginários. 
Comentei isso com Guga, e ele disse que só tem visto livros de mulheres, pouco encontrando autores homens. Tenho certeza de que não, de que o que acontece é que ele nunca tinha visto tantas mulheres escrevendo e ganhando destaque. Prova disso é o que a Flip mostrou este ano - muitas mesas com mulheres. E aqui volto ao comentário ranzinza de Assis Brasil.
Algumas das autoras da Flip (que são só uma gota no oceano, claro) realmente falam em seus livros sobre abuso, de vários tipos. Provavelmente, porque não integram somente suas experiências, mas a da maioria das mulheres. Falar de outras gerações é uma ferramenta para entender a sua situação no mundo, o "estado das coisas" - até porque muitas delas se repetem para as mulheres. E quando essa "revisão" acontece, os homens ainda presos ao machismo, reais ou não, perdem força. Como Assis Brasil gosta de repetir, "simples assim". 
Eu já me perguntei se haverá um dia em que as escritoras e os escritores negros possam se livrar da experiência de racismo e deixar de falar dela. Nem todas e todos falam, é claro. Mas um número suficiente o faz, a ponto de chamar a atenção de alguém que não sofre racismo da mesma forma - e isso é fundamental. O mesmo pode ser dito das mulheres de todas as raças e classes - nem todas falam de abuso, mas várias falam, enquanto quase autor homem (branco) nenhum menciona esse tipo de acontecimento. Aliás, homens brancos bem nascidos parecem muito mais livres para abstrair, até fabular. Ao restante da humanidade, sobra a realidade, em matizes de dureza associados a gênero, raça e classe social. 
O efeito que se deseja nesses livros "de mulher" é justamente o de choque de realidade em quem não vive essa realidade mais dura. Que mais pessoas possam ecoar o que disse, sabiamente, Jamil Chade no encontro com as Juristas Negras: que ele não irá mais participar de mesas em que não haja mulheres, sobretudo mulheres negras. Nós, mulheres, não esperamos menos que isso. 

Organizar livros para organizar a vida

Provavelmente foi na minha primeira viagem a Recife que, visitando a irmã de minha avó, tia Edna, e sua família, ganhei um livro que teria pertencido a meu pai. Tio Luís, meu tio-avô, veio, todo misterioso e cheio de pompa, dizer que ia me presentear com o livro de um grande homem - no caso, meu pai. O próprio.
Era uma coletânea de contos russos. Já era um exemplar velho quando recebi de tio Luís, letras pequenas, papel amarelado - não estimulava muito a leitura. Mas guardei, como uma espécie de relíquia, uma herança indireta - e a única - de meu pai. 
Na última semana, resolvi limpar e reorganizar meus livros - desde a mudança, estavam dispostos em uma ordem ínfima, dificultando encontrar o que eu queria, mesmo sendo uma estante de literatura e outra de assuntos diversos. A limpeza também não estava lá essa beleza toda, então me dispus a pegar um a um para limpar. A umidade da Bahia não deu trégua a alguns, como eu imaginava.
Mas qual não foi minha surpresa ao ver cair um pozinho escuro justamente do livro de contos russos? Dentro dele, os cupins já haviam aberto caminho. Aparentemente, só ele recebeu a visita, ainda bem. Achei sintomático. De todo jeito, ficou uma herança melhor e mais efetiva, o apreço pelos livros, cada um com sua maneira de se relacionar com eles. 

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Brinde e luta

Nada como brindar antes de ir à luta. Assim foi o encontro promovido pelas Juristas Negras, organização capitaneada pela promotora pública Lívia Santanna Vaz, no Goethe Institut na última terça, com a presença luxuosa de Jamil Chade, um dos jornalistas e comentaristas políticos e de direitos humanos mais confiáveis da atualidade e desde há muito. Teve aluá, abará, cocadinha e cervejinha. Teve gente interessante e interessada. Teve trégua de são Pedro. E teve a conversa fundamental de Lívia e Jamil, trazendo tantas verdades em meio à distopia, lá nos Estados Unidos e cá no Brasil. 
Claro que dizer que devemos nos unir pela democracia não basta. Como chegamos a isso? Como promovemos a união? Ainda acho que precisamos tomar as formas de comunicação. Redes, impressos, boca a boca, as ruas. Não podemos continuar reféns da comunicação torta e "boateica" da extrema direita.  
Enquanto isso, tietei Lívia e Jamil, tão disponíveis os dois. E sim, me orgulho de ter estado literalmente no meio de quem luta por justiça e democracia neste país, neste mundo.  

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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