segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Michuí e mjadra


Amo a cozinha árabe. Pra variar, fiz de novo michuí e aproveitei a mjadra que tinha congelada. Desta vez, com xarope de romã mesmo (da outra vez, usei uma geleia de acerola feita em casa). Maravilhoso!

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Aboca, Portella e Veko e a balbúrdia libertadora

Ainda não tínhamos ido a uma aglomeração de verdade desde que a pandemia começou a arrefecer. Na verdade, nem esperávamos que fosse uma até chegarmos ao local, o centro cultural Aboca, em Santo Antonio Além do Carmo, bairro antigo e boêmio de Salvador, conduzidos pelos queridos Julio e Cris. 
Cris, que é batuqueira de primeira, tinha comentado que amigos do Cortejo Afro se apresentavam ali toda quarta, numa performance musical. Imaginei que fosse algo mais intimista em termos de público, e ela também achou que seria assim porque quando esteve ali havia poucas mesas e tal. Chamei também Liu e Igor, que não víamos há um tempão.
Assim que chegamos àquela casa de fachada estreita numa das estreitas ruas de paralelepípedos do bairro, já encontramos uma galera sentada à porta, inclusive um senhor negro, pequenininho, de cabeça branquíssima. Cris cumprimentou, eu pensei logo que devia ser um músico da Velha Guarda. Entramos num desses lugares que, pequenos por fora, são grandes por dentro, uma atmosfera boemíssima, com direito a ver o céu de estrelas por um pergolado, plantas charmosamente desordenadas, gentes diversas e animadas aqui e ali. 
Logo Cris encontrou os amigos, Portella e Veko, devidamente preparados para a apresentação - depois de provarmos a pizza de massa fina, bem boa, fomos para o local do show, onde já havia muita gente. O senhor de cabeça branquinha era mestre Paulinho, que tocava bongô e um pandeiro retado, uma coisa linda. Testamos, ali, a eficácia da quarta dose da vacina contra Covid, no meio de umas 100 pessoas pulando e cantando a plenos pulmões, inclusive nós. 
Foi apoteótico, dionisíaco, brilhante! Meu tipo de lugar, meu tipo de artistas, de energias, de gentes. Como a balbúrdia faz falta nestes tempos!

terça-feira, 26 de julho de 2022

Uma cena feliz pra esquecer chateações


No dia do meu aniversário, fomos dar um rolezinho na praia. Estávamos ali, tomando nosso sol na areia, quando chegou um guri empurrando sua bike. Para dentro d'água, porque queria brincar com as outras crianças, mas não queria deixar a bike de fora da brincadeira. Ele chegou a subir na bicicleta na água, a pedalar enquanto a bike afundava um pouquinho. Aquela cena deu um frescor ao dia. Como é importante acreditar na nossa ação no mundo, e como vamos nos esquecendo disso à medida que crescemos! E também como é fundamental abandonar uma ideia quando ela não funciona. 
Lembrei do guri hoje, quando respondia a uma pessoa sobre questões de trabalho, eu e essa pessoa discordando diametralmente quanto a um combinado. Marido também trouxe uma luz: disse que eu não podia me responsabilizar por tudo no trabalho, me esfalfar para que tudo desse certo. E é verdade verdadeira - não preciso convencer uma pessoa a trabalhar se ela não quiser, se ela se sentir desconfortável com a proposta de trabalho. Logo eu, que detesto insistir com as pessoas, que acho desrespeitosa com elas e comigo a insistência. 
"Let it go", diria Elza em Frozen e demonstra o guri com sua bike, numa feliz cena praiana. 

Reaproveitamento com molho delicioso de amendoim, shoyu e limão

Outro dia, horrorizada com preços de tudo (que tem sido meu estado de espírito nos últimos anos), guardei os talos de espinafre, lavadinhos, para fazer um molho de macarrão. Mas acabei vendo uma receita no Instagram de uma salada oriental com bifum e molho de amendoim - que eu tentei fazer uma vez meio no olho e não deu muito certo - e mudei de ideia. A tal receita de salada levava alguns legumes, e me lembrei que tinha repolho na geladeira, e cenoura. Imaginei que o sabor do amendoim poderia destacar o sabor dos legumes e o bifum daria aquela equilibrada na adstringência, além de enriquecer a textura. 
A foto não está das melhores, mas o molho feito com 1 colher de sopa de pasta de amendoim, 1 colher de sopa de shoyu e 1 colher de sopa de suco de limão é perfeito. Refoguei bem no alho os talos de espinafre cortadinhos, juntei a cenoura e o repolho. O bifum, cozinhei separadamente e adicionei no final, junto com o molho de amendoim (que forma uma pastinha). Delícia, delícia.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Cinquentenário

Daí que os cinquenta chegaram. 
Nunca fui de ficar me imaginando no futuro - "ah, vou fazer ou terei feito tal coisa quando tiver tantos anos" -, o que talvez tivesse me ajudado a planejar melhor a vida. Talvez. Sempre estabeleci o que gostaria de fazer na vida, das pequenas às grandes coisas, mas poderia ser a qualquer momento, até porque a maioria dessas coisas tem caráter perene: viajar, estudar, criar, movimentar. São mais um projeto de viver que um projeto de vida. Não tenho dinheiro, mas tenho vivência. 
Eu não imaginava que chegaria aos cinquenta num contexto tão ruim, com fascistas no poder. Que o país seria depauperado, ainda mais roubado de suas riquezas e conquistas sociais, que uma parcela desse país se mostraria em pelo, arreganhando os dentes, empunhando armas, violentando e assassinando os diferentes. Esse horror ainda era intestino quando me questionava, há doze anos, registrados na foto  tirada na emblemática Speranza, como seria chegar aos 40. Hoje me espia um medo de fazer planos, uma incerteza quanto àquilo que havia estabelecido em meu projeto de viver - será que ainda conseguirei? Será que vale a pena?
De lá pra cá, também, houve a mudança física, que só parece súbita, mas é herança de tudo o que consumi, com olhos, ouvidos, boca, do sol enlouquecendo o melasma, do açúcar assassinando o colágeno. A vida vai nos secando de todo jeito, e a gente precisa lutar para se manter hidratada e forte, corpo e alma. 
Mas, apesar de medos e securas, a gente ainda comemora. Estar viva, não ser uma criatura empedernida, ter consciência de si e dos outros. Comemoro junto com meus sogros, que também cinquentenaram uma existência juntos. Comemoro com o lançamento, há cinquenta anos, dos álbuns Clube da EsquinaQuando o Carnaval chegar Acabou chorare, dos filmes Cabaret, O poderoso chefão e São Bernardo. Comemoro com os amigos/amados pra não esquecer que não estamos sós, contra a barbárie e pelo afeto. 

Matilha

Hoje é dia da amizade, uma data pra celebrar todo-santo-dia, porque se não fossem os amigos de sempre para nos lembrar quem somos, para nos desafiar, para tirar nossa cabeça de dentro d'água ou do buraco de avestruz, realmente não sei o que seria. 
Sorte de quem tem sua matilha. Eu tenho, e fiz questão de recuperá-la mesmo de longe. A importância dessa matilha para mim ficou mais clara, bem delineada, depois de finalmente eu ter terminado de ler, com muitas idas e vindas, o livro da Clarissa Pinkola Estés, Mulheres que correm com lobos
Quem me falou desse livro pela primeira vez foi Karen, há muitos anos. Confesso que tive o mesmo preconceito que algumas amigas têm ainda hoje, especialmente as mais intelectuais - achava que era mais um livro de auto-ajuda. Fiquei surpresa de Karen ter se interessado por ele, ainda mais com um nome piegas desses, e não entendi bem do que tratava o livro quando ela me explicou, embora lá no fundo, bem no fundinho, tenha ficado uma inquietação. Mas ainda não era a hora.
Em algum momento, esse livro voltou em alguma conversa, aí já necessário, fazendo todo sentido do mundo. Não me lembro se foi junto com a terapia, mas certamente foi quando se agudizou minha percepção de que o meu ser mulher neste mundo se chocava com os estereótipos femininos patriarcais; talvez tenha sido quando também comecei a bordar, porque coincidências não existem, o que existe são sincronicidades. O que importa é que o livro voltou, engrandecido, investido de clara importância como se claramente importante sempre tivesse sido. 
Como tudo que é importante, esse livro que trata da importância da mulher selvagem, da matilha formada por outras mulheres, da necessidade de romper os ciclos de opressão exige tempo para ser digerido. Não sei quanto tempo levei entre começar, recomeçar algumas vezes e, por fim, terminar a leitura. Ao fim, ainda descobri, por intermédio da postagem de uma amiga, que havia um podcast, iniciado em 2017, "Talvez seja isso", que destrincha o livro em uma leitura comentada por duas jovens gaúchas. Ouço o programa, agora já paramentada do conteúdo, enquanto bordo - não por acaso.
Para além da necessidade de renascer sempre a partir do que parecia morto, me salta aos olhos no livro e no podcast a necessidade de fazer parte da matilha, como já disse. Nunca me esqueço (e isso me aquece cotidianamente o coração) da importância das amigas em momentos bem difíceis da vida, mergulhada em dor, desamparo e dúvida quanto ao futuro. Sempre havia uma amiga - e eu incluo aqui irmãs, mãe, sogra - para iluminar o caminho, estender a mão, trazer um conselho sábio. Até trazer fogão, botijão, panelas e pratos para a amiga recém-mudada que não tinha quase nada. Ou ajudar em outra mudança, carregando computador, televisão e sabe Deus o que mais no carro. Ou chamar para um café no meio da tarde angustiada e oferecer os ouvidos mais que atentos. Ou, ainda, oferecer um Gatorade e bolachas para alguém febril e moribunda após uma infecção intestinal. Ou rir ou chorar junto, ou tudo ao mesmo tempo.  
A minha sensação é de estar sempre em débito. Minha matilha me dá muito mais do que eu ofereço em troca. Mas o que dou talvez seja o meu melhor, ao menos até aqui: meu amor e minha gratidão. Essa certeza eu acredito que elas têm. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

Arquivo do blog