A arte no Brasil tem sido bombardeada pela ala mais conservadora e assustadoramente crescente da sociedade. Claramente, tem servido de boi de piranha para a política, mesmo sendo ela tão naturalmente "política" - assim, na atualidade nacional, falar dos riscos de pedofilia oferecidos por um artista performático nu e por uma exposição queer, ou atacar uma das sumidades dos debates transgênero no mundo, afasta as atenções do que é realmente urgente discutir: a sambada na nossa cara pelos corruptos, uma prática cada vez mais escancarada enquanto um bando de embasbacados corre na outra direção gritando palavras de ordem e moralidade/moralismo.
Isso tudo deve fazer pensar: afinal, para que serve a arte? De novo, penso nessa "serventia" em oposição ao pensamento utilitarista que tudo toma. As respostas têm sido as mais estapafúrdias possível, passando longe do conceito da arte como provocação ao pensamento, à emoção, ao debate inteligente. À simples expressão artística, do modo de ver o mundo de alguém diferente de nós.
Gente que nunca foi a um museu tem se arrogado o papel de juiz dos valores artísticos. Em São Paulo, a página do Sesc Pompeia, um oásis na Pauliceia doriavada, tem sido atacada pelos extremistas de direita, que veem na palestra de Judith Butler uma "ameaça às crianças". Oi? Cedendo a pressões desses extremistas, o Masp decidiu proibir para menores de 18 anos uma exposição que trata de sexualidade. Ou seja, a liberdade, que deveria ser uma premissa de qualquer forma de arte, vai sendo escamoteada pelo progresso da ignorância. A democracia está sendo soterrada, e não deve causar estranheza que os ataques que provocam sua derrocada sejam justamente contra o conhecimento, na forma da arte, da ciência (que perde cada vez mais incentivos no país), da educação e da cultura. Não é a primeira vez na história (vide o conceito nazista de Arte Degenerada), infelizmente não será a última.
A arte é um grito, um rasgo, uma pedrada numa janela para deixar entrar luz numa sala escura. A arte nos permite respirar, pensar, concordar, discordar, nos desperta. Ela é a forma mais refinada de distinção dos outros animais a que podemos almejar. Deixar que se cale a arte é abrir mão de nossa humanidade, é nos conformarmos com o adestramento coletivo puro e simples.
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Tudo de bão
Cabeceira
- "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
- "Geografia da fome", de Josué de Castro
- "A metamorfose", de Franz Kafka
- "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
- "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
- "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
- "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
- "O estrangeiro", de Albert Camus
- "Campo geral", de João Guimarães Rosa
- "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
- "Sagarana", de João Guimarães Rosa
- "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
- "A outra volta do parafuso", de Henry James
- "O processo", de Franz Kafka
- "Esperando Godot", de Samuel Beckett
- "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
- "Amphytrion", de Ignácio Padilla
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