quinta-feira, 1 de outubro de 2020

A arte de receber elogios

Não sou boa em receber elogios. Ou melhor, não sou boa em receber elogios que digam respeito a qualidades pessoais. Aqueles acerca do que fazemos, claro, sempre esperamos e, quando não vêm, achamos uma injustiça, e isso nos afeta em maior ou menor grau em cada situação e humor. 
Pra falar a verdade, só percebi essa diferença entre os elogios dirigidos a nós e os dirigidos ao que fazemos outro dia, quando fui comentar com minha sogra um elogio inesperado que recebi - por conta do meu trabalho, mas dirigido à minha pessoa. 
"Parabéns, você é incrível". Fiquei procurando quem havia mandado, achei que algum aluno tinha comentado a esmo, sem saber quem eu era, na plataforma dos cursos. Mas tinha sido meu chefe mesmo. E não é que meu chefe não reconheça meu trabalho, mas o elogio veio tão inesperadamente, e num momento tão interessante, de profundas indagações e buscas pessoais, que pareceu incrementar a questão: Quem sou eu? E não apenas "o que faço eu?". 
Porque, culturalmente, parece que somos só o que fazemos, em termos profissionais, via de regra. Dificilmente alguém quer saber, quando nos conhece, mesmo na esfera social, se gostamos de caminhar na praia, de ler, bordar - isso fica para um segundo ou terceiro momento. Todo mundo quer saber o que fazemos para viver, para nos sustentar, para pagar as contas - essa é nossa imagem social no mundo capitalista. Lembro-me da viagem ao Reino Unido, quando o pai da pequena Laura, que sentou conosco no trem, achou o máximo que eu fosse historiadora, e logo Laura quis saber qual meu período favorito da história - ela, aos 9 anos, amava os Tudor. Ali tive uma surpresa - nunca pensei que alguém valorizasse essa profissão. Foi preciso estar fora do Brasil para ouvir isso - porque aqui, como me disse o coordenador do cursinho onde depois eu trabalharia por anos, profissões de verdade são apenas "médico, advogado, engenheiro, arquiteto". Ou seja, eu estava fadada a não ter muita importância, até porque historiadores no Brasil tornam-se professores, uma profissão ainda mais achincalhada. Bom, mas isso é outra história, embora também tenha relação com "ser". 
Voltando à questão dos elogios a quem somos: talvez a minha surpresa venha de eu não ter toda a dimensão de quem sou. Lembro-me de mais de uma ocasião ter ouvido de amigos agradecimentos por alguma postura minha - só que foi algo tão natural que nem sabia que tinha tido essa dimensão, como, por exemplo, receber alguém que chegava a um novo lugar. 
Já postei aqui, anos atrás, um vídeo lindo sobre ser validado por elogios que recebemos, até que aprendemos a validar a nós mesmos, a gostar do que vemos em nós mesmos. No fundo, é isso que devemos aprender a fazer, o tempo todo. 

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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