Daí que os cinquenta chegaram.
Nunca fui de ficar me imaginando no futuro - "ah, vou fazer ou terei feito tal coisa quando tiver tantos anos" -, o que talvez tivesse me ajudado a planejar melhor a vida. Talvez. Sempre estabeleci o que gostaria de fazer na vida, das pequenas às grandes coisas, mas poderia ser a qualquer momento, até porque a maioria dessas coisas tem caráter perene: viajar, estudar, criar, movimentar. São mais um projeto de viver que um projeto de vida. Não tenho dinheiro, mas tenho vivência.
Eu não imaginava que chegaria aos cinquenta num contexto tão ruim, com fascistas no poder. Que o país seria depauperado, ainda mais roubado de suas riquezas e conquistas sociais, que uma parcela desse país se mostraria em pelo, arreganhando os dentes, empunhando armas, violentando e assassinando os diferentes. Esse horror ainda era intestino quando me questionava, há doze anos, registrados na foto tirada na emblemática Speranza, como seria chegar aos 40. Hoje me espia um medo de fazer planos, uma incerteza quanto àquilo que havia estabelecido em meu projeto de viver - será que ainda conseguirei? Será que vale a pena?
De lá pra cá, também, houve a mudança física, que só parece súbita, mas é herança de tudo o que consumi, com olhos, ouvidos, boca, do sol enlouquecendo o melasma, do açúcar assassinando o colágeno. A vida vai nos secando de todo jeito, e a gente precisa lutar para se manter hidratada e forte, corpo e alma.
De lá pra cá, também, houve a mudança física, que só parece súbita, mas é herança de tudo o que consumi, com olhos, ouvidos, boca, do sol enlouquecendo o melasma, do açúcar assassinando o colágeno. A vida vai nos secando de todo jeito, e a gente precisa lutar para se manter hidratada e forte, corpo e alma.
Mas, apesar de medos e securas, a gente ainda comemora. Estar viva, não ser uma criatura empedernida, ter consciência de si e dos outros. Comemoro junto com meus sogros, que também cinquentenaram uma existência juntos. Comemoro com o lançamento, há cinquenta anos, dos álbuns Clube da Esquina, Quando o Carnaval chegar e Acabou chorare, dos filmes Cabaret, O poderoso chefão e São Bernardo. Comemoro com os amigos/amados pra não esquecer que não estamos sós, contra a barbárie e pelo afeto.
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