Quando fui morar sozinha, minha mãe começou a cultivar um hábito que só se interrompeu quando mudei de estado - me presentear com panos de prato e linhas de costura. Não sei exatamente por que, mas imagino. As canetas, inclusive com meu nome gravado, tinham sido um hábito da época do colégio, mas ela me deu uma caneta chique quando me formei.
Ela encontrou, este ano, um jeito de me presentear de novo, não com panos de prato, que talvez não valessem o custo dos correios, mas com jogos americanos, crochetados por sua talentosa irmã caçula. Enviou as seis peças de um lindo azul com duas canetas, para não perder o hábito, e numa caixa bonita de presente, com cores combinando. Já estou usando, claro.
Eu já devo ter dito que sempre me senti mais mãe da minha mãe do que filha. Testemunhei a dificuldade dos meus irmãos na relação com ela, um ressentimento mais ligado à imagem cristalizada de maternidade vendida até hoje. Apesar da dificuldade que minha mãe tem em expressar afeto, que eu atribuo a uma questão cultural mas também familiar, sempre pensei em todo o esforço que ela fez por nós, sobretudo materialmente, não vendo limites, até se prejudicando, para nos manter vestidos, alimentados, equipados para os estudos.
Quando ela ficou comigo por quase um mês tive acesso a outras camadas da sua personalidade, dos seus silêncios, da sua forma de reagir a violências na vida. Agora há ainda o envelhecimento, que a torna mais frágil, mas não menos teimosa em alguns aspectos. Mais e mais eu vejo em mim parecenças com ela, que, como as herdadas de meu pai, tenho que administrar. É interessante como me vejo mais herdeira de meus avós, muito mais por ter aprendido e apreendido coisas com seus exemplos, mas de meus pais vêm outras coisas, a que, mesmo não desejadas, é preciso dar um destino.
A única coisa de que tenho certeza nesta vida é que temos que aprender a enxergar o que as relações nos trazem, de que forma se tecem os afetos e, mais importante, o que fazemos com eles. O jogo americano já está sobre a mesa, já me acompanha nas refeições e sempre me faz lembrar tudo o que minha mãe fez por nós, que, mesmo não sendo o que se esperava dela, era o melhor que ela podia fazer - o que, levando em conta o quanto as pessoas estão dispostas a dar de si, é muitíssima coisa, é maravilhoso.
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