sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Para que serve a educação (ou um professor) ou Réquiem para Nicolau

Voltei a pensar muito em educação. Claro que nos últimos anos, como editora da área, falo disso sempre, mas faz um tempo que não exerço minha função de educadora (sim, acredito que seja uma função honorária, reativável a qualquer momento, para aqueles que sentem o chamado autêntico dentro de si). E o cotidiano puro e simples neste mundo cada vez mais maluco tem mostrado a urgência da educação - penso nela quando vou caminhar no parque e vejo pais levando tapas dos filhos pequenos e birrentos, donos conduzindo cães de guarda sem focinheira; penso nela quando vejo gente tentando furar fila, carros passando por cima de bicicletas e de pedestres. Quando leio comentários sem fundamento nas redes sociais, o pipocar de ódios e intolerâncias, as massas sendo simplesmente arrastadas por uns poucos manipuladores "educados".
Talvez eu tenha naturalmente palmilhado os caminhos da educação porque ainda acredito no humano, porque acredito que sem respeito à coletividade o caos completo fica cada vez mais próximo. Talvez por isso pensar em educação seja parte do meu cotidiano - tudo me faz voltar a ela, inclusive a falta dela. Obviamente, falo em educação de forma mais ampla do que a usada para se referir ao trabalho de professores em sala de aula. Educação é o tempo todo, é sempre, é com todas as pessoas que conhecemos. É o que pais devem garantir aos filhos em casa, especialmente com seu próprio (bom) exemplo. Um bom professor não educa só na sala de aula; sua postura e sua ética permanecerão na memória dos alunos, mesmo que sigam outras profissões. 
Também penso em educação ao saber da morte de um mestre como Nicolau Sevcenko. Li há pouco um texto lindo sobre ele, de uma ex-aluna, falando da figura pouco convencional, maravilhosa, de cabelos misteriosíssimos (uma espécie de ninho sobre a cabeça), calças vermelhas e inseparáveis botas, que era capaz de se encantar com uma bolinha de sabão e que parecia ver o mundo com olhos de criança, embora fosse genial (ou talvez por isso mesmo). Deixava-nos mesmo em transe, fosse falando sobre autoritarismo, ou comentando um livro de Henry James. Um arauto da história cultural do Brasil, um discípulo de Sérgio Buarque de Holanda e Eric Hobsbawm, mas uma pessoa única. 
No entanto, para além de todo o conhecimento que Nicolau trazia consigo, encantadoras eram a paixão e a generosidade com que o compartilhava. Sem estrelismos, com total simplicidade. Assim deveriam ser os bons professores - coerentes, afinados com seu modo de vida. Alguém poderá dizer que assim deve ser com todos os profissionais - e estará certo. Mas, embora a responsabilidade por um mundo melhor não seja só deles, bons professores e educadores podem ajudar a criar cidadãos melhores, tolerantes, que olham além das aparências e conseguem perceber que aquele sujeito ali, com um ninho na cabeça, de calças vermelhas e ensaiando passos de Elvis Presley, pode ter muito a lhes ensinar. 
Obrigada, sempre, Nicolau!

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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