terça-feira, 2 de abril de 2019

Da persistência em meio ao caos

Falei brevemente uma vez sobre a beleza em meio ao caos, quando minha amiga Luciane me presenteou com uma caneta-tinteiro trazida da Itália enquanto eu chafurdava entre caixas de mudança. 
Bem, nos últimos 20 dias, temos vivido muitos momentos caóticos. Tem chovido na Bahia como há décadas não acontecia. O ciclone que deixou milhares de desabrigados no sudeste africano e matou quase 600 pessoas em Moçambique deu as caras por aqui - mesmo na sua forma mais branda, fez bastante estrago, do sul ao norte do estado. Aqui em casa temos visto chuvas muito intensas, aguaceiros mesmo, e até um olho d'água se formou junto ao piso do banheiro, inundando parte da sala, molhando sofá, som, discos. Lá fora, a lama descia, e me vi na mesma situação de mais de 20 anos atrás, quando a Bienal foi inundada e fiquei com mais um tanto de colegas monitores enxugando o chão com panos e baldes, enquanto as obras eram retiradas às pressas das paredes do terceiro andar. Isso aconteceu na semana passada, e voltou a acontecer ontem de madrugada. 
Já estávamos sem internet há dias quando veio o ciclone, e fiquei na ida e vinda sem fim entre casa e lan house, superlenta mas a única disponível aqui. Nesse meio tempo, houve um problema no trabalho, e tive de resolver em um dia - o único em que a internet voltou, porque, afinal, quando nasci não veio um anjo safado me dizer tonterias. 
Porém, para incrementar, parte do muro dos fundos caiu com a quantidade de água da chuva. Mais desvios da rotina, mais gastos. 
Também tinha uma prova on-line para fazer, mas, no último momento, consegui fazer pelo celular. 
Obviamente, não tem dado para pedalar ou me exercitar, e isso tem um efeito ruim sobre o humor, sobre o peso, sobre a saúde. 
Nesse meio meio tempo, eu, que tinha feito inscrição em um programa de castração solidária para Chica, fui convocada a levá-la - mas nosso carro quebrou e tive de pedir a remarcação. O pessoal da Cercan topou, mas a peça do carro que era preciso trocar precisava ser encomendada, e não pudemos ir na nova data. Remarquei de novo, eles toparam de novo. Fomos e passamos o dia inteiro lá, com uma equipe simpática e competente mas aparentemente desorganizada. 
Para mim, apesar dos pesares, este foi o melhor momento da quinzena caótica - Chica ficou em jejum 14 horas, vomitou no carro e em mim, demorou a voltar da anestesia, mas no segundo dia já ressurgiu lépida. Foi a melhor imagem da persistência - nossa, no caso. Persistimos, em meio ao caos, em fazer a coisa certa, e fizemos, como quem se dobra sem quebrar, como uma canção esperançosa em filme de Almodóvar. 

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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