Não deixo de me horrorizar com os absurdos que naturalizamos (eu inclusive) durante tanto tempo com relação a mulheres, negros, população LGBT, nordestinos, pobres. Como não enxergávamos o terror por trás de brincadeiras racistas e sexistas? Como podíamos achar normal que só houvesse bonecas louras e de olhos azuis para meninas de toda cor, aceitando um padrão de beleza imposto? Como nos deixávamos beijar e tocar contra nossa vontade, só porque isso mostrava que éramos "desejadas" (mesmo que não desejássemos)? Como, ainda hoje, as mulheres se esfalfam (eu inclusive) com jornadas duplas e até triplas de trabalho, sendo que apenas uma dessas jornadas é reconhecida e remunerada, e ainda assim mal e porcamente?
Porque sou testemunha do meu tempo, porque me deixo afetar pelas mudanças, é que as conversas apropriadas ao entendimento dessas mudanças vêm ao meu encontro. Seja por meio da pós-graduação em História da Alimentação e Patrimônio Cultural da UNISC, que tem como um dos temas o papel da mulher na gastronomia, seja pelas conversas presenciais e virtuais com amigas e colegas, chegam escritos como os de Angela Davis, Silvia Federici e o já conhecido livro de Michel de Certeau (agora com novo foco de interesse) para me fazer compreender melhor o que me incomoda na naturalização do papel feminino no mundo ainda hoje - o de quem serve, e nem sempre recebe algo por isso.
Se à mulher foi "dado" o papel de cuidar da família e da casa, além de trabalhar fora, à mulher negra cabe tudo isso com maior desprestígio. As mulheres brancas e mais abastadas ainda conseguem ter maior acesso a empregos melhores, mesmo ganhando menos que homens na mesma função. O que todas têm em comum, porém, é o fato de que contribuíram, como observa Federici, para o fortalecimento do capitalismo sem querer e sem receber os devidos louros/lucros por isso. Como suas tarefas cotidianas eram "naturais", não era preciso que recebessem por isso no novo sistema econômico, e até hoje há esse entendimento, de que numa divisão de tarefas as mulheres, mesmo as que têm ocupações externas, cuidam de cozinhar, lavar, passar, arrumar, organizar as compras, cuidar da família, enquanto os homens "trabalham" e, com alguma sorte da companheira, "ajudam" em casa.
Para dar conta do trabalho remunerado e outras tarefas externas à casa, as mulheres que têm melhores condições fazem uso de eletrodomésticos e serviços de outrem, ou melhor, de outras mulheres. Assim, mulheres que trabalham na casa de outras mulheres ainda precisam encontrar tempo para cuidar de sua própria casa e família, quando não ocorre a trágica escolha de cuidar da família alheia mas não de sua própria. Ou seja, no sistema capitalista, as mulheres são sempre os seres mais explorados.
Para que não houvesse a exploração feminina em nenhuma instância - de homens sobre mulheres ou de mulheres sobre mulheres -, seria preciso mudar os comportamentos em geral para uma postura colaborativa e igualitária, algo difícil em um contexto cultural tão arraigado. O casamento, aparentemente uma união colaborativa de duas pessoas por meio do afeto, é uma das formas de validar essa desigualdade de tarefas. Talvez por isso cada vez mais mulheres estejam se desinteressando do casamento, de homens, das tarefas herdadas que as afastam de seus interesses genuínos.
Ao mesmo tempo que ainda me horrorizo com a longue durée de muitos eventos culturais, me maravilha assistir à transformação feminina, ainda lenta mas efetiva, na busca de sua verdadeira liberdade.
Para dar conta do trabalho remunerado e outras tarefas externas à casa, as mulheres que têm melhores condições fazem uso de eletrodomésticos e serviços de outrem, ou melhor, de outras mulheres. Assim, mulheres que trabalham na casa de outras mulheres ainda precisam encontrar tempo para cuidar de sua própria casa e família, quando não ocorre a trágica escolha de cuidar da família alheia mas não de sua própria. Ou seja, no sistema capitalista, as mulheres são sempre os seres mais explorados.
Para que não houvesse a exploração feminina em nenhuma instância - de homens sobre mulheres ou de mulheres sobre mulheres -, seria preciso mudar os comportamentos em geral para uma postura colaborativa e igualitária, algo difícil em um contexto cultural tão arraigado. O casamento, aparentemente uma união colaborativa de duas pessoas por meio do afeto, é uma das formas de validar essa desigualdade de tarefas. Talvez por isso cada vez mais mulheres estejam se desinteressando do casamento, de homens, das tarefas herdadas que as afastam de seus interesses genuínos.
Ao mesmo tempo que ainda me horrorizo com a longue durée de muitos eventos culturais, me maravilha assistir à transformação feminina, ainda lenta mas efetiva, na busca de sua verdadeira liberdade.
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