A única coisa que eu sabia que queria fazer no Carnaval era ir à Mudança do Garcia, nos arredores do Campo Grande, uma festa de blocos mais politizados em Salvador. Já tinha combinado com Liu e Igor. Nesse meio tempo, porém, concretizou-se a possibilidade de sair no Cortejo Afro com Cris, e Alberto também confirmou que faria seu camarote no Recôncavo Culinária.
Não consegui sair no Cortejo no primeiro dia, no Campo Grande, porque não havia Uber que chegasse até aqui. Foram sete desmarcações até eu decidir que só iria às saídas na Barra.
No sábado, eu planejava ver Chico César e Margareth Menezes homenageando Gil, na Barra. Fui caminhando pela avenida já tomada de gente até o restaurante de Alberto, que logo me apresentou a esposa, Andrea, e os amigos. Ali ficamos batendo papo, bebendo, comendo até a hora em que aparecia algum trio que nos interessava e íamos ver. Logo perdemos a esperança de ver Chico César e Margareth, porque houve uma confusão enorme com os carros, alguns quebrados e vários virados na contramão e com dificuldade de manobrar. Ainda teve apagão - no trecho onde estávamos a energia foi restabelecida rápido, mas em outros lugares demorou bem mais a voltar. A passagem do Trio da Cultura, como foi chamado o de Chico, Margareth e Gil, estava prevista para as 20h (parece que só passou depois da meia-noite), mas às 22h30 resolvemos ir atrás de Carlinhos Brown, animadíssimo, cantando hits de todas as épocas, com a única desvantagem de que Brown fala mais que todos, então as paradas diante dos camarotes eram intermináveis. Resolvi sair do mar de gente quando nos aproximamos do Morro do Gato; Andrea deu um jeito de alguns de seus amigos me acompanharem na saída. Nunca me senti tão protegida numa muvuca!
No domingo, como tinha feito no sábado, aproveitei para trabalhar um pouco, porque a saída do Cortejo na Barra era apenas à noite. Cris e Júlio vieram à tarde, deixaram mochila aqui e foram ver Olodum. Saímos por volta das 20h até o Farol da Barra para sair com o Cortejo. E foi maravilhoso! Como estávamos dentro das cordas, participando do bloco, foi tudo muito tranquilo - e domingo já não havia aquela confusão louca do sábado. A energia do Cortejo Afro é demais, e até rolou foto com globais, o onipresente Humberto Carrão e o maravilhoso Evaldo Macarrão, da novela Renascer. Mas também saímos antes, que Cris e Júlio já estavam cansados e doloridos.
Acordei cedo para ir ao Garcia, aproveitando que era o horário de abertura das barreiras. O motorista me deixou perto do TCA, e andei um trechinho até o prédio da mãe de Liu. Dali seguimos para o Garcia, um bairro simpático e familiar nas imediações do Campo Grande. Logo me arrependi de não ter levado chapéu, porque o sol, que parecia improvável, apareceu com todo seu fulgor. Os trios demoraram muito a sair, a rua ficou muito pequena para tanta gente, misericórdia. Das três experiências, foi com certeza a mais intensa. Para além de se estar no meio de pessoas que pensam como eu em muitos aspectos (e havia muitos sorrisos, e gentilezas, mesmo no caos, como a senhora que nos deixou usar o banheiro de sua casa e ainda convidou para almoçar), e isso foi o que deu gás para seguir até o final, o trajeto foi o mais cansativo, mais acalorado e quase claustrofóbico em alguns momentos. Juntou-se a isso ter de passar pelo Campo Grande, tanto no final do trajeto, quando já fomos esmagados, quanto quando resolvi ir embora, já no final da tarde, depois de ter esperado a passagem de dois trios mais barra-pesada, e aí realmente a coisa ficou crítica, com empurra-empurra e tivemos de dar a volta na praça toda para sair dali. Já sabia que voltaria para casa andando, mas esse trajeto intermediário foi mais caótico do que eu poderia imaginar. Conseguimos por fim chegar à ladeira do Canela e resolvi vir andando dali até em casa. Cheguei já à noite (e soube depois que meu vizinho foi assaltado na nossa rua, à tarde! tudo bem que ele vacilou, caminhando distraidamente de celular na mão).
Se eu ficasse pensando muito, talvez nem saísse para o Carnaval. Só fui. De uma forma mais contida, porque conheço o meu humor (menos tolerante hoje, com a perimenopausa), mas topando a imprevisibilidade carnavalesca mesmo quando tentamos fazer algum plano. Os horários loucos, os atrasos absurdos, as mudanças na ordem das apresentações - coisas que normalmente me incomodam, mas ali, no reino de Dionísio, eram parte desse banquete luxurioso e escaldante. Nem me incomodei com os suores alheios, embora ainda me incomode um pouco gente que não conheço me pegando pelo ombro. O mais difícil, de fato, foi o calor - mas pra isso já adquiri meu repositor de eletrólitos, rá (não o da Baby, que disse loucuras sobre apocalipse, peloamor)!
Como disse no post anterior, o que faz a diferença são as companhias. É possível imaginar uma festa vazia? Não faz muito sentido, e por isso, mesmo que eu não tivesse as melhores companhias nesses dias, provavelmente arranjaria outras no caminho, ainda que só para carnavalizar. Vamos (ou deveríamos ir) para a avenida levando sonhos, e querendo ver os sonhos de todos, vamos para cantar juntos, para ver o que pode haver de belo na vida, para repor a energia e suportar a vida cotidiana, para praticar a democracia, para subverter a ordem das coisas, de uma sociedade tão desigual. Se, como diz o velho Gullar, a arte existe porque a vida não basta, o Carnaval existe para nos lembrar que há vidas ao redor, todas com o mesmo direito à alegria.
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