domingo, 5 de junho de 2011

Mais cinema argentino - "O homem ao lado"

Quem não viu, por favor, vá ver. O homem ao lado, de Mariano Cohn e Gastón Duprat, é uma excelente película argentina. Já disse aqui que gosto de cinema argentino? Pois então, este filme de 2009 é um daqueles felizes casos de obras que nos fazem pensar em outras, não no sentido da imitação ou simples releitura, mas no caminho do diálogo enriquecedor.
Não foi por acaso que Daniel Araóz como vizinho intrometido me fez pensar por um momento em Paulo Miklos-titã-invasor (no filme de Beto Brant), ainda que o primeiro assome mais humano e bonachão. Também pensei, desde a resenha de duas linhas, que nos esperava uma espécie de pesadelo kafkiano - um dia, um vizinho resolve construir uma janela que dá para dentro da casa do outro etc. etc.
Mas, por mais absurda que pareça a situação apresentada, a coisa é mais real do que se poderia crer à primeira vista. Mesquinhez, intolerância, idiossincrasias são desnudadas por uma câmera que valoriza um zoom narrativo e tomadas plásticas, sendo a janela apenas uma metáfora daquilo que somos convidados/obrigados a ver - a ferida aberta de uma sociedade frívola e desigual. Que já estava lá, o tempo todo, às claras, na casa de vidro modernista, para quem quisesse (eu disse "quisesse") ver. Mas foi preciso o incômodo, o estranho, o estorvo para que houvesse a revelação. A crise.
Como bônus, o silêncio completo da plateia consternada, ao final do filme. Teremos todos visto a mesma coisa?

4 comentários:

  1. A palavra (de quem sabe dizê-la) nos leva a muito além a palavra - e eu nem saberia dizer direito onde é isso, mas é uma espécie de transcendência, acho. Pois aqui, sua crônica me fez lembrar de outra que li estes dias, nesse "caminho do diálogo enriquecedor"... Lá no Blog do Josafá Crisóstomo:

    http://blogdojosafacrisostomo.blogspot.com/2011/06/saturno-contro.html

    Merci pela trilha sugerida!

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  2. Que saudade, amiga, de você e da sua palavra inteligente e calorosa!
    Espero que logo possamos nos ver.
    beijos,

    Solange

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  3. Solange,
    Estou retribuindo aqui a visita simpática que vc fez lá no meu blog. ;-)
    Bem, eu simplesmente adoro o cinema argentino. E porque,bem cá entre nós, tudo o que vejo no cinema que vem de lá me parece sempre melhor, mais rico, mais intenso do que o nosso cinema nacional produz! Não posso generalizar, temos coisas boníssimas, of course, mas, então, será que me identifico mais com as questões que o cinema argentino propõe? A ver.
    Também fiquei com vontade de ver esse filme, graças a sua comparação tão perspicaz do mesmo com nosso (do Beto) O Invasor. ;-)

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  4. Fico honrada com a visita, Josafá. :)
    E sim, o cinema argentino no mínimo sai na frente ao tratar de determinadas questões, sobretudo as que colocam o dedo na(s) ferida(s).
    Abraços, e apareça sempre.
    Solange

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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