Falamos muito das relações virtuais, como podem ser enganadoras, mas como são "reais" apesar de tudo, pois são boa parte do que vivenciamos hoje, queiramos ou não, em maior ou menor grau.
Pois outro dia me peguei pensando em algumas relações holográficas que já tive, e tenho. Talvez a diferença com uma relação virtual seja muito sutil, mas a que estou chamando de holográfica me parece mais enganosa, parece colocar ao alcance de nossas mãos algo que não está lá, embora pareça estar. Quem sabe a relação virtual seja quase o contrário disso: parece que não se está lá, pois normalmente não se vê, mas está. Pelo menos naquele momento, diante de um computador, mesmo que do outro lado da cidade ou até do mundo, alguém está ali por você.
Do outro lado, com exceção dos filmes de ficção científica e de um ou outro avanço despirocado no Japão, a holografia é normalmente produto de um passado: algo foi filmado em outro tempo e projetado então para parecer hoje, agora. Assim, portanto, são as relações "holográficas": aquilo já foi, "já era", é só projeção de um passado que não se deseja abandonar. Mas praticamente já não está ali - quando tentamos tocar, as mãos encontram o vazio. E a gente acorda, estremunhada. Sem surpresa, a gente sofre.
Alguém pode argumentar que o toque, a carne (normalmente muito valorizados) nessas relações são reais. Mas vejam que ironia: mesmo no caso dos relacionamentos afetivos, um e outro são só imagem, cobertura. É a essência, tão impalpável, que torna concretos e verdadeiros os afetos. Por isso é que, diante de uma pessoa querida que morreu, já não reconhecemos quem ali jaz - o que nos fazia reconhecer um ao outro se foi, deixou o invólucro. Invisível e, mesmo assim, fundamental. E ficamos assombrados com o corpo que ainda existe por algum tempo e que já não nos diz nenhum respeito. Ficamos pasmos com a força do invisível, que nos fez amar aquela pessoa e que partiu, levando o mais importante daquela existência.
Parece que estou fugindo do assunto, mas a viagem é uma só: o querer ser feliz com o outro, o outro querer ser feliz com a gente como algo de fato concreto. Vi há pouco uns cartuns dos Peanuts em que o Charles Schultz mostra seu conceito de amor (amplo como deve ser). Ai de mim que sou romântica: chorei ao ver um que dizia "Amar é caminhar de mãos dadas". Um dia desses comentei com uma amiga que quero um parceiro que ainda caminhe de mãos dadas comigo quando formos velhinhos. Acho que as mãos dadas são um símbolo desse afeto que vence as relações virtuais e holográficas - são o contato pele a pele que mais se conecta com a essência de ambos, na minha modesta opinião. Mais que o sexo, sem dúvida, cujo destino é morrer. Porque as mãos dadas selam uma espécie de pacto, um "estou contigo, ao seu lado, stand by me". Como diz Mario Benedetti, no seu poema musicado e depois cantado pela Alaíde Costa: "En la calle, codo a codo/Somos mucho más que dos". Como pede também Drummond, que não nos afastemos muito: "vamos de mãos dadas".
E pensar que a distância entre a ilusão e a verdade pode ser vencida por um gesto tão simples, tão ao alcance... das mãos.
terça-feira, 20 de maio de 2014
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Tudo de bão
Cabeceira
- "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
- "Geografia da fome", de Josué de Castro
- "A metamorfose", de Franz Kafka
- "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
- "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
- "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
- "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
- "O estrangeiro", de Albert Camus
- "Campo geral", de João Guimarães Rosa
- "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
- "Sagarana", de João Guimarães Rosa
- "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
- "A outra volta do parafuso", de Henry James
- "O processo", de Franz Kafka
- "Esperando Godot", de Samuel Beckett
- "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
- "Amphytrion", de Ignácio Padilla
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