A gente sempre se prepara para o envelhecimento físico, reservando os sinais do envelhecimento mental para os outros - o pai esquecido, a avó que resgata histórias antiquíssimas, a mãe da amiga que troca seu nome. A gente deve chegar lá também, mas por enquanto é primeiro o corpo que dá os sinais, com menos força, alguns tropeções, olhos pedindo óculos mais fortes, pele pedindo hidratação. Depois é que vêm os esquecimentos, os enganos.
Tem um outro aspecto do envelhecimento de que a gente não se dá conta. O da alma. Meu terapeuta discorda, diz que não é a alma que envelhece, mas o self que está insatisfeito com o que temos feito da vida. Talvez sejam as duas coisas. Porque a sensação é de que a alma envelhece sim.
E topei hoje com uma recordação de seis anos atrás, um trecho de As brasas, do Sándor Márai:
Depois, seu corpo envelhece; não todo de uma vez é verdade, primeiro envelhecem os olhos ou as pernas, o estômago, o coração. A gente envelhece assim, pedaço por pedaço. E então, de repente, sua alma envelhece: mesmo sendo o corpo efêmero e mortal, a alma ainda é movida por desejos e recordações, ainda procura a alegria. E quando também desaparece esse desejo de alegria, só restam as recordações e a inutilidade de todas as coisas; nesse estágio, estamos irremediavelmente velhos. Um dia você acorda e esfrega os olhos e não sabe mais por que acordou.
É isso. Os escritores e os poetas sempre sabem de tudo antes de nós.
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