segunda-feira, 27 de maio de 2013
Davi e os (as) 3 Golias
Gourmandise XXIII - La Régalade
Mais um lugar que demoramos a conhecer e que amamos!
O La Régalade (algo como "à regalada; regaladamente") fica na Barão de Tatuí, 285, na Santa Cecília. Já havíamos xeretado a loja de vinhos no mesmo local, e não tínhamos nos animado, não sei bem por quê. Mas passamos de novo por lá e nos encantamos - as coisas se passam assim, cambiantemente, não é?
Pedimos boeuf bourguignon com pappardelle na manteiga, e estava perfeito, combinando muito bem um vinho francês de bom custo-benefício, Diablerie. Perfeito também o brie assado com mel. A sobremesa foi a parte menos animadora - pera cozida no vinho branco com sorvete de creme. Comum.
Ainda por cima, achei um Arbois, com que sempre tive uma relação mítico-sentimental - cantava esse vinho no coral (na canção Tourdion), e nunca o tinha encontrado. Acho que ele promete.
O La Régalade (algo como "à regalada; regaladamente") fica na Barão de Tatuí, 285, na Santa Cecília. Já havíamos xeretado a loja de vinhos no mesmo local, e não tínhamos nos animado, não sei bem por quê. Mas passamos de novo por lá e nos encantamos - as coisas se passam assim, cambiantemente, não é?
Pedimos boeuf bourguignon com pappardelle na manteiga, e estava perfeito, combinando muito bem um vinho francês de bom custo-benefício, Diablerie. Perfeito também o brie assado com mel. A sobremesa foi a parte menos animadora - pera cozida no vinho branco com sorvete de creme. Comum.
Ainda por cima, achei um Arbois, com que sempre tive uma relação mítico-sentimental - cantava esse vinho no coral (na canção Tourdion), e nunca o tinha encontrado. Acho que ele promete.
quinta-feira, 23 de maio de 2013
Quero contar esta história
A vida é fascinante, principalmente pelos encontros que ela nos proporciona.
Por caminhos diversos, encontrei e reencontrei Sávia Dumont. Há uns anos, por conta do livro sobre o rio São Francisco, soube de uma autora-bordadeira (mineira ainda por cima! o que poderia ser mais apropriado?) que havia contado e bordado o rio. Desde então, esse encontro à distância e o projeto do livro ficaram carinhosamente guardados, mas nunca esquecidos.
Este ano, quando tive a ideia de começar a bordar, minha amiga Tamara me trouxe Sávia e a família Dumont de volta, me enviando o endereço da sua fan page. Pensei, gratamente surpresa: puxa, é ela, a moça do livro sobre o São Francisco! Ajuntei a esse pensamento uma decisão: quando fosse fazer o caminho do São Francisco, deter-me em Pirapora e fazer um curso com ela, ou bater um papo, mas de qualquer forma conhecer pessoalmente seu trabalho. Não satisfeita, porém, Tamara me avisou um dia desses sobre o curso que Sávia daria em São Paulo. Aí vi que não tinha jeito: tinha que fazer o curso. Tinha que ser aqui, tinha que ser agora, mesmo com prazos apertados de entrega de trabalho.
E de repente me vi no meio de um grupo de mulheres lindas, esposas, mães e avós, todas talentosíssimas. Não só mestres em patchwork, bordados, rendas, costuras e que tais, mas em tecer vínculos, em bordar afetos. Que o diga a amorosa Ciça, que cedeu sua casa para o encontro e nos recebeu cada dia com um abraço quentinho e um quitute maravilhoso - MÃE com maiúsculas. Ou a criativa e disposta Nina, carioca-de-todo-o-Brasil, com suas mil ótimas iniciativas para preservar a cultura imaterial. A simpaticíssima Maria Cordeiro, atenta a tudo e a todas, sempre disposta a ensinar um ponto a uma diletante quase disléxica (como eu!). Sávia-sábia, com seus ares de fada, compartilhando seus matizes lindos, bordando encantos em nossos tecidos ainda em branco. A querida e delicada Noriko, com seu sotaque nipônico delicioso misturado ao espírito brasileiro, tão bem expresso no "Nooossa!" que entoa diante de bonitezas e gostosuras.
E a doce e discreta Talita, que adoçou ainda mais o encontro com uma história linda. Ela fez esse bordado lindíssimo que postei aqui (ela conta também no seu blog, Diariamente Bordando, mas não há nada melhor que ouvi-la e ver o bordado ao vivo). Trata-se de um trabalho com propriedades curativas, uma prova de fé. Seu marido teve um linfoma há algum tempo, e ela se comprometeu a "bordar sua cura". Levava o bordado consigo às sessões de quimioterapia do esposo. Foram meses bordando. O marido se curou, o bordado teve fim.
Não tenho muito o que dizer sobre esse trabalho, além de que, mais do que técnica e perfeição, linda combinação de cores e elementos, vejo muito amor. Ela conseguiu bordar seu amor no tecido; ele parece brilhar com todo seu esplendor no sol que ilumina e alegra rio, vila, peixes, árvores e flores.
Com uma tal capacidade mágica, quem duvidaria de qualquer cura?
Por caminhos diversos, encontrei e reencontrei Sávia Dumont. Há uns anos, por conta do livro sobre o rio São Francisco, soube de uma autora-bordadeira (mineira ainda por cima! o que poderia ser mais apropriado?) que havia contado e bordado o rio. Desde então, esse encontro à distância e o projeto do livro ficaram carinhosamente guardados, mas nunca esquecidos.
Este ano, quando tive a ideia de começar a bordar, minha amiga Tamara me trouxe Sávia e a família Dumont de volta, me enviando o endereço da sua fan page. Pensei, gratamente surpresa: puxa, é ela, a moça do livro sobre o São Francisco! Ajuntei a esse pensamento uma decisão: quando fosse fazer o caminho do São Francisco, deter-me em Pirapora e fazer um curso com ela, ou bater um papo, mas de qualquer forma conhecer pessoalmente seu trabalho. Não satisfeita, porém, Tamara me avisou um dia desses sobre o curso que Sávia daria em São Paulo. Aí vi que não tinha jeito: tinha que fazer o curso. Tinha que ser aqui, tinha que ser agora, mesmo com prazos apertados de entrega de trabalho.
E de repente me vi no meio de um grupo de mulheres lindas, esposas, mães e avós, todas talentosíssimas. Não só mestres em patchwork, bordados, rendas, costuras e que tais, mas em tecer vínculos, em bordar afetos. Que o diga a amorosa Ciça, que cedeu sua casa para o encontro e nos recebeu cada dia com um abraço quentinho e um quitute maravilhoso - MÃE com maiúsculas. Ou a criativa e disposta Nina, carioca-de-todo-o-Brasil, com suas mil ótimas iniciativas para preservar a cultura imaterial. A simpaticíssima Maria Cordeiro, atenta a tudo e a todas, sempre disposta a ensinar um ponto a uma diletante quase disléxica (como eu!). Sávia-sábia, com seus ares de fada, compartilhando seus matizes lindos, bordando encantos em nossos tecidos ainda em branco. A querida e delicada Noriko, com seu sotaque nipônico delicioso misturado ao espírito brasileiro, tão bem expresso no "Nooossa!" que entoa diante de bonitezas e gostosuras.
E a doce e discreta Talita, que adoçou ainda mais o encontro com uma história linda. Ela fez esse bordado lindíssimo que postei aqui (ela conta também no seu blog, Diariamente Bordando, mas não há nada melhor que ouvi-la e ver o bordado ao vivo). Trata-se de um trabalho com propriedades curativas, uma prova de fé. Seu marido teve um linfoma há algum tempo, e ela se comprometeu a "bordar sua cura". Levava o bordado consigo às sessões de quimioterapia do esposo. Foram meses bordando. O marido se curou, o bordado teve fim.
Não tenho muito o que dizer sobre esse trabalho, além de que, mais do que técnica e perfeição, linda combinação de cores e elementos, vejo muito amor. Ela conseguiu bordar seu amor no tecido; ele parece brilhar com todo seu esplendor no sol que ilumina e alegra rio, vila, peixes, árvores e flores.
Com uma tal capacidade mágica, quem duvidaria de qualquer cura?
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sábado, 18 de maio de 2013
Redes ou armadilhas?
Fazia tempo que queria falar das redes sociais, sobre como me assusta ver pessoas (algumas bem próximas) se alienando da realidade para mergulhar de fato no mundo virtual. Considero um privilégio viver numa época em que se tem acesso a tanta informação, que, se usada com critério e sabedoria, pode mudar para melhor a vida de muitos. Por isso mesmo, acho bem triste que tanta gente, em vez de se valer da acepção de troca, comunicação, própria das redes, acabe na verdade se enredando, caindo em uma armadilha da qual é difícil sair sem muitos arranhões.
Há gente demais no mundo, carros e celulares demais, competição demais, exposição e consumo demais. Comunicação, respeito e afeto de menos. Como ser feliz seguindo um modelo de sucesso se a cada hora esse modelo se transmuda em outro? Se temos que ser cada vez mais rápidos para acompanhar as tendências e os assuntos? Como pretender respeito à individualidade se promovemos a autoexposição? Não queremos só que nos "curtam" no Face - queremos ser invejados porque vamos a locais bacanas, e o TripAdvisor (que é um site muito útil para pesquisar lugares e planejar viagens) mapeia nossos passos pelos lugares que "importam". Eu arriscaria dizer que esse verdadeiro desfile de personas também ajuda a promover os atos gratuitos de violência - é como se as pessoas fossem se descolando de si mesmas até restar apenas uma casca, zero alteridade. Mas essa teoria é assunto para outro post.
Pessoalmente, acho saudável compartilhar informações e coisas legais que vemos e que nos acontecem. E cada um sabe qual é seu limite. O meu, por exemplo, é manter a vida privada realmente no âmbito mais íntimo e compartilhar com o grande grupo o que é socialmente compartilhável. Gosto de ver fotos dos amigos com a família, saber das alegrias com os filhos que crescem, mais um aniversário, um novo show de rock, a defesa da dissertação, uma nova exposição de seus trabalhos, pensamentos inspirados que ocorrem e tal. E fico meio deprê com os vazios que ecoam de quando em vez, com os perigos que rondam quem nem percebe que já passou para outra realidade. Entrar em outra realidade (sem trânsito, sem contas, sem casa para arrumar, sem discussões) para esquecer esta que é tão difícil, que nos maltrata diariamente, é uma grande tentação. E os pop-ups e links garantem o acesso ao labirinto sem outro fio que não o do discernimento para nos guiar.
Os tempos que vivemos podem ser tão confusos e difíceis que às vezes nem mesmo a arte pode nos servir de alento (e penso no filme Elefante branco, de Pablo Trapero, com Ricardo Darín - a ficção é tão real e pungente e tão nossa conhecida que ficamos estatelados quando sobem os créditos). Ainda bem que resta o humor, para rirmos de nós mesmos, como o de Hermes e Renato (cáustico o suficiente para diluir as cascas renitentes e quem saber chegar às pessoas dentro delas).
Há gente demais no mundo, carros e celulares demais, competição demais, exposição e consumo demais. Comunicação, respeito e afeto de menos. Como ser feliz seguindo um modelo de sucesso se a cada hora esse modelo se transmuda em outro? Se temos que ser cada vez mais rápidos para acompanhar as tendências e os assuntos? Como pretender respeito à individualidade se promovemos a autoexposição? Não queremos só que nos "curtam" no Face - queremos ser invejados porque vamos a locais bacanas, e o TripAdvisor (que é um site muito útil para pesquisar lugares e planejar viagens) mapeia nossos passos pelos lugares que "importam". Eu arriscaria dizer que esse verdadeiro desfile de personas também ajuda a promover os atos gratuitos de violência - é como se as pessoas fossem se descolando de si mesmas até restar apenas uma casca, zero alteridade. Mas essa teoria é assunto para outro post.
Pessoalmente, acho saudável compartilhar informações e coisas legais que vemos e que nos acontecem. E cada um sabe qual é seu limite. O meu, por exemplo, é manter a vida privada realmente no âmbito mais íntimo e compartilhar com o grande grupo o que é socialmente compartilhável. Gosto de ver fotos dos amigos com a família, saber das alegrias com os filhos que crescem, mais um aniversário, um novo show de rock, a defesa da dissertação, uma nova exposição de seus trabalhos, pensamentos inspirados que ocorrem e tal. E fico meio deprê com os vazios que ecoam de quando em vez, com os perigos que rondam quem nem percebe que já passou para outra realidade. Entrar em outra realidade (sem trânsito, sem contas, sem casa para arrumar, sem discussões) para esquecer esta que é tão difícil, que nos maltrata diariamente, é uma grande tentação. E os pop-ups e links garantem o acesso ao labirinto sem outro fio que não o do discernimento para nos guiar.
Os tempos que vivemos podem ser tão confusos e difíceis que às vezes nem mesmo a arte pode nos servir de alento (e penso no filme Elefante branco, de Pablo Trapero, com Ricardo Darín - a ficção é tão real e pungente e tão nossa conhecida que ficamos estatelados quando sobem os créditos). Ainda bem que resta o humor, para rirmos de nós mesmos, como o de Hermes e Renato (cáustico o suficiente para diluir as cascas renitentes e quem saber chegar às pessoas dentro delas).
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segunda-feira, 13 de maio de 2013
No deserto, o mar cor de vinho: Mendoza
Fomos. Poucos dias, espremidos na nossa agenda. Mas, se não criássemos a oportunidade, só viveríamos trabalhando, não é?
Entonces, depois de quase perder o voo para Buenos Aires (estranhamente, todos os voos das Aerolíneas estavam saindo adiantados), chegamos à terra do Malbec, circundada de montanhas - nada menos que os Andes, primeiro a pré-cordilheira, e depois de negacear bastante, a própria, coroada pelo Aconcagua.
Mendoza é surpreendente, em vários sentidos. Primeiro, pelo tamanho, que subestimamos. O centro é bem maior do que eu pensava, e seria preciso ter alguns dias a mais para me apropriar do espaço urbano. Além disso, nosso hotel ficava longe do centro - e uma peculiaridade de Mendoza é que ela incorpora a sua região metropolitana, por assim dizer. Ficamos num distrito um pouco afastado - Guaymallén -, mas que em tese é parte da região central. Além disso, essas partes "anexadas" da cidade ficam em rodovias, o que torna a flânerie mais difícil - e tivemos de tomar táxi o tempo todo, o que pesou um pouco no orçamento inicial.
Falando em orçamento, o sonho da pechincha argentina parece que realmente ficou para trás, especialmente ali, uma cidade interiorana em pleno progresso. Comer bem, claro, sempre compensa na Argentina. Comprar vinhos, então, nem se fala. As lojas de vinhos têm bons preços, ou pelo menos bons vinhos a preços muito menores do que sonharíamos no Brasil. O Carrefour vende a preços decentes os vinhos comuns que encontramos aqui como algo quase especial. Um vinho que compramos aqui a 40 reais custa 30 pesos lá (com câmbio de 2,50 pesos para 1 real).
Outra surpresa, outra peculiaridade de Mendoza: a looonga siesta depois do almoço. Quase tudo fecha às 13h para retornar às 17h e então seguir até 20h, 21h. Não lemos sobre isso em nenhum lugar, e só descobrimos lá. Apenas alguns restaurantes e sorveterias ficam abertos. Foi o que nos salvou na primeira incursão ao centro. Diante das portas fechadas das lojas, sentamos a uma mesa da sorveteria Soppelsa, bem tradicional, ao melhor estilo anos 1950 (mas a marca é do final dos anos 1920). O sorvete tipo italiano é simplesmente divino - pedi uma bola de dulce de leche granizado e uma de mascarpone, incríveis!
Além dos helados, as medialunas, flans e churros são onipresentes, como em Buenos Aires. Mas as semelhanças acabam nos postres, parrillas e mates. Não é possível (nem inteligente, convenhamos) comparar dois lugares tão diferentes. O clima (muito seco, aliás) de Mendoza é de cidade pequena, embora próspera. Há a siesta, o tempo passa mais devagar. Algumas vezes até nos sentimos atrapalhando a siesta das pessoas, quando entrávamos em um lugar faltando 1 hora ou mais para fechar. Havia quem ficasse muito mal-humorado, como um sujeito do Mercado Central ou a vendedora da loja Sol y Vino - parecia até que não queriam vender nada. Os taxistas eram mais simpáticos, mas poucas pessoas faziam questão de se fazer entender, como temos costume de fazer no Brasil. Prefiro creditar parte do mau humor eventual à crise argentina.
Em compensação, encontramos pessoas e lugares que já valeram a viagem. Um deles foi um dono de bodega, Gino Spinelli, simpaticíssimo. Chegamos a ele por vias bem indiretas. Tínhamos ido fazer o sonhado passeio de bicicleta pelas bodegas. Fomos até Maipú, uma das regiões próximas de Mendoza onde há concentração de vinícolas. Alugamos duas bikes na Mr Hugo - fomos atendidos pelo próprio Mr Hugo e sua esposa. As bikes eram meio castigadas, mas tinham cestinho, um suposto câmbio shimano e tal. Quando saímos pela Avenida Urquiza, achei que a bike estava meio estranha, o freio de trás demorando para responder, mas quis acompanhar Guga, que já sumia lá na frente. Entramos numa vereda que levava a Entre Olivos, uma produtora pequena de azeite. Os produtos são bons, mas a guia era ranzinza e bocejou umas três vezes, indisfarçadamente. Não recomendo, já que há vários outros produtores de azeite por ali. Saímos para pegar de novo a Urquiza e então visitar as bodegas, que ficam em travessas da avenida.
Comecei a achar que estava com problema nas marchas, pois tinha colocado a mais leve e estava quase morrendo pra pedalar em uma estrada reta. Pra piorar, logo o trecho reservado a ciclistas acabou, e começou uma espécie de acostamento coberto de britas! Quando Guga sumiu na frente, quis acelerar, vi um carro vindo, fui tentar frear, o freio falhou, bati em um totem de concreto e voei da bike. Fiquei toda roxa, e acho que a partir daí a bike, que já estava meio assim, ficou pior, com o pneu traseiro empenado. Ainda tentamos seguir pela Urquiza, que se tornou uma via estreita e cheia de carros e caminhões a toda velocidade, com laterais de pedra solta. Resolvemos entrar numa das travessas (ainda faltavam uns 6 km para cumprir nosso plano inicial, ir à bodega Carinae). Depois de um dogo argentino (igualzinho a Bombón, el perro, mas bem pouco amistoso) perseguir minha bike, chegamos a uma bodega pretensiosa, Tempus Alba. Um lugar bonito, mas frio, bem pouco receptivo - ninguém veio nos atender. Mesmo assim, até para descansar um pouco, "apeamos" para fazer uma degustação. Os vinhos eram bem qualquer coisa, e caros. Depois pedi que ligassem para Mr Hugo e dissessem a ele que fosse nos buscar, pois não estava nem um pouco a fim de voltar de bike por aquela via horrorosa.
Ele chegou todo preocupado, trazendo duas outras bikes e, se por acaso me achou uma retardada que não sabia andar de bicicleta, em nenhum momento tentou me responsabilizar pelo acidente; como viu que eu não queria mais andar de bike, se ofereceu para nos levar a outra bodega - Mevi, a de Gino. Chegando lá, chamou Gino a um canto, pediu atenção especial para nós. Almoçamos lá, visitamos a bodega, o vinhedo, Gino nos mostrou todo o processo de produção. Os vinhos eram ótimos, a um preço honesto. Depois acabamos sendo extorquidos pelo taxista que nos levou de volta a Mendoza, mas paguei sem reclamar, pois o sujeito nos esperou um tempão, enquanto Gino nos mostrava o lugar todo.
Além de Gino Passione, tivemos um outro encontro feliz: com o natalense Fábio, garçom em vias de se tornar sommelier, que nos atendeu no Anna Bistrô, o grande achado gastronômico da viagem. Portanto, encontro duplamente feliz, com nosso compatriota e com nosso novo restaurante favorito. O lugar é aconchegante, com boa música, visual chique-descolado, bons preços, vinho ótimo a preço de bodega (foi aí que tomamos o Carinae e nos animamos a ir até lá). O carpaccio de salmão defumado com brioches tostados estava delicioso. Pela segunda vez na vida, comi um tiramisù de verdade, maravilhoso, leve como tem de ser. Somente os pratos principais (o meu, emincé de pollo ao curry e arroz basmati com amêndoas, o de Guga, um corte de carne especial, matambre ao roquefort com incrível milhojas de papas) não tinham uma apresentação incrível, mas eram muito, muito gostosos. Depois Fábio trouxe uma taça de champagne para cada um, enciumando outros clientes (que podemos fazer se não eram brasileños?), e nos levou para conhecer a caprichada adega (inclusive com vinhos da neta de Jango, Erica Goulart). Tudo perfeito!
A compensação pelo fiasco ciclístico foi o passeio/viagem que fizemos até os Andes. Chegamos até Las Cuevas, um dos últimos povoados argentinos antes de se chegar ao Chile. A empresa Cepas faz este passeio e as visitas a bodegas - foi o pessoal do Ibis que nos indicou. Um ótimo custo-benefício - 210 pesos para nos levar de micro-ônibus até os rincões mais distantes, com paradas estratégicas para fotografar, andar de aerosilla em Los Penitentes (tivemos sorte, pois estava funcionando, embora a estação de ski esteja fechada), ouvir as explicações do ótimo guia Jorge. O almoço não está incluso, mas paramos em um restaurante de estrada com comida montanhesa, pouco bonita mas saborosa, por 65 pesos, incluindo postre. Os remises (carros com motorista que ficam à disposição) cobram valores entre 300 a 800 pesos para levar às bodegas, muito mais próximas. Até Las Cuevas, para se ter uma ideia, rodamos quase 400 km ida e volta, e ainda passamos por um trecho da antiga estrada da lendária Ruta Panamericana, da década de 1970.
É difícil explicar a emoção de ver o Aconcagua, mesmo ao longe. Ainda mais depois de a cordilheira se esconder durante horas atrás dos contrafortes, de formações rochosas das mais variadas cores e texturas. Igualmente emocionante ver as rochas chamadas de Los Penitentes - parecem mesmo sombras de pessoas subindo as altíssimas montanhas que seguiram os passos de San Martín e do exército libertador. É um mergulho na natureza e na história, tudo ao mesmo tempo.
Antes de voltarmos para casa, passamos a noite em Buenos Aires, pois nosso voo só saía na manhã do outro dia. Para completar os episódios pitorescos, reservamos um quarto num tal hotel Ritz (e eu ainda disse que finalmente ia ficar num "Ritz"!). Quando chegamos, era um hotel decadente do século XIX que se transformou em hostel. Passado o choque inicial (e pela reação do recepcionista, devemos ter feito aquela cara de susto), achamos tudo divertido, nos trocamos e fomos jantar no La Parolaccia, já nosso conhecido e favorito, em Puerto Madero (desta vez, divino espaguete Mare i Monti, com funghi secchi e camarões, para mim e pasta recheada com cordeiro e molho à bolonhesa para Guga).
E cada viagem nos ensina sobre os lugares (as ruas de Buenos Aires, por exemplo, estavam cheias de lixo, e as paredes, cobertas de novas pichações de protesto contra la presidenta, sinais da crise que se agravou desde que estivemos lá) e muito mais sobre nós mesmos. Sempre repenso meu planejamento na volta de uma viagem, e também o meu estar no mundo. Nossa primeira providência pós-merecido-banho foi sair para almoçar feijão e arroz. Mesmo as viagens sendo incríveis e estimulando o desejo de voltar a alguns lugares, como é bom ter um lugar (o nosso) para voltar, como é bom voltar a ouvir nossa língua, como é bom ser brasileiro!
Desde o alto: arquitetura mendocina com toques granadinos; sorvete de mascarpone e dulce de leche granizado; onipresentes churros; mesas da sorveteria Soppelsa; início de processo de "borrachamiento"; nós com nosso amigo Fábio, do Anna Bistrô; carpaccio de salmão defumado do Anna Bistrô; tiramisù de verdade, também do Anna Bistrô; on the road towards the Andes; titãs de pedra; fotografando na Ruta Panamericana; guapo en la aerosilla; dique de Potranillos; ELE, o Aconcagua; nós na estação de Los Penitentes; a vertiginosa aerosilla; Guga Ansel Adams; prato montanhês em Las Cuevas (locro, arroz e lentecha); espaguete Mare i Monti do La Parolaccia; Hotel Ritz, decadence avec elegance; palmier gigante e mil temperos no Mercado Central de Mendoza.
Entonces, depois de quase perder o voo para Buenos Aires (estranhamente, todos os voos das Aerolíneas estavam saindo adiantados), chegamos à terra do Malbec, circundada de montanhas - nada menos que os Andes, primeiro a pré-cordilheira, e depois de negacear bastante, a própria, coroada pelo Aconcagua.
Mendoza é surpreendente, em vários sentidos. Primeiro, pelo tamanho, que subestimamos. O centro é bem maior do que eu pensava, e seria preciso ter alguns dias a mais para me apropriar do espaço urbano. Além disso, nosso hotel ficava longe do centro - e uma peculiaridade de Mendoza é que ela incorpora a sua região metropolitana, por assim dizer. Ficamos num distrito um pouco afastado - Guaymallén -, mas que em tese é parte da região central. Além disso, essas partes "anexadas" da cidade ficam em rodovias, o que torna a flânerie mais difícil - e tivemos de tomar táxi o tempo todo, o que pesou um pouco no orçamento inicial.
Falando em orçamento, o sonho da pechincha argentina parece que realmente ficou para trás, especialmente ali, uma cidade interiorana em pleno progresso. Comer bem, claro, sempre compensa na Argentina. Comprar vinhos, então, nem se fala. As lojas de vinhos têm bons preços, ou pelo menos bons vinhos a preços muito menores do que sonharíamos no Brasil. O Carrefour vende a preços decentes os vinhos comuns que encontramos aqui como algo quase especial. Um vinho que compramos aqui a 40 reais custa 30 pesos lá (com câmbio de 2,50 pesos para 1 real).
Outra surpresa, outra peculiaridade de Mendoza: a looonga siesta depois do almoço. Quase tudo fecha às 13h para retornar às 17h e então seguir até 20h, 21h. Não lemos sobre isso em nenhum lugar, e só descobrimos lá. Apenas alguns restaurantes e sorveterias ficam abertos. Foi o que nos salvou na primeira incursão ao centro. Diante das portas fechadas das lojas, sentamos a uma mesa da sorveteria Soppelsa, bem tradicional, ao melhor estilo anos 1950 (mas a marca é do final dos anos 1920). O sorvete tipo italiano é simplesmente divino - pedi uma bola de dulce de leche granizado e uma de mascarpone, incríveis!
Além dos helados, as medialunas, flans e churros são onipresentes, como em Buenos Aires. Mas as semelhanças acabam nos postres, parrillas e mates. Não é possível (nem inteligente, convenhamos) comparar dois lugares tão diferentes. O clima (muito seco, aliás) de Mendoza é de cidade pequena, embora próspera. Há a siesta, o tempo passa mais devagar. Algumas vezes até nos sentimos atrapalhando a siesta das pessoas, quando entrávamos em um lugar faltando 1 hora ou mais para fechar. Havia quem ficasse muito mal-humorado, como um sujeito do Mercado Central ou a vendedora da loja Sol y Vino - parecia até que não queriam vender nada. Os taxistas eram mais simpáticos, mas poucas pessoas faziam questão de se fazer entender, como temos costume de fazer no Brasil. Prefiro creditar parte do mau humor eventual à crise argentina.
Em compensação, encontramos pessoas e lugares que já valeram a viagem. Um deles foi um dono de bodega, Gino Spinelli, simpaticíssimo. Chegamos a ele por vias bem indiretas. Tínhamos ido fazer o sonhado passeio de bicicleta pelas bodegas. Fomos até Maipú, uma das regiões próximas de Mendoza onde há concentração de vinícolas. Alugamos duas bikes na Mr Hugo - fomos atendidos pelo próprio Mr Hugo e sua esposa. As bikes eram meio castigadas, mas tinham cestinho, um suposto câmbio shimano e tal. Quando saímos pela Avenida Urquiza, achei que a bike estava meio estranha, o freio de trás demorando para responder, mas quis acompanhar Guga, que já sumia lá na frente. Entramos numa vereda que levava a Entre Olivos, uma produtora pequena de azeite. Os produtos são bons, mas a guia era ranzinza e bocejou umas três vezes, indisfarçadamente. Não recomendo, já que há vários outros produtores de azeite por ali. Saímos para pegar de novo a Urquiza e então visitar as bodegas, que ficam em travessas da avenida.
Comecei a achar que estava com problema nas marchas, pois tinha colocado a mais leve e estava quase morrendo pra pedalar em uma estrada reta. Pra piorar, logo o trecho reservado a ciclistas acabou, e começou uma espécie de acostamento coberto de britas! Quando Guga sumiu na frente, quis acelerar, vi um carro vindo, fui tentar frear, o freio falhou, bati em um totem de concreto e voei da bike. Fiquei toda roxa, e acho que a partir daí a bike, que já estava meio assim, ficou pior, com o pneu traseiro empenado. Ainda tentamos seguir pela Urquiza, que se tornou uma via estreita e cheia de carros e caminhões a toda velocidade, com laterais de pedra solta. Resolvemos entrar numa das travessas (ainda faltavam uns 6 km para cumprir nosso plano inicial, ir à bodega Carinae). Depois de um dogo argentino (igualzinho a Bombón, el perro, mas bem pouco amistoso) perseguir minha bike, chegamos a uma bodega pretensiosa, Tempus Alba. Um lugar bonito, mas frio, bem pouco receptivo - ninguém veio nos atender. Mesmo assim, até para descansar um pouco, "apeamos" para fazer uma degustação. Os vinhos eram bem qualquer coisa, e caros. Depois pedi que ligassem para Mr Hugo e dissessem a ele que fosse nos buscar, pois não estava nem um pouco a fim de voltar de bike por aquela via horrorosa.
Ele chegou todo preocupado, trazendo duas outras bikes e, se por acaso me achou uma retardada que não sabia andar de bicicleta, em nenhum momento tentou me responsabilizar pelo acidente; como viu que eu não queria mais andar de bike, se ofereceu para nos levar a outra bodega - Mevi, a de Gino. Chegando lá, chamou Gino a um canto, pediu atenção especial para nós. Almoçamos lá, visitamos a bodega, o vinhedo, Gino nos mostrou todo o processo de produção. Os vinhos eram ótimos, a um preço honesto. Depois acabamos sendo extorquidos pelo taxista que nos levou de volta a Mendoza, mas paguei sem reclamar, pois o sujeito nos esperou um tempão, enquanto Gino nos mostrava o lugar todo.
Além de Gino Passione, tivemos um outro encontro feliz: com o natalense Fábio, garçom em vias de se tornar sommelier, que nos atendeu no Anna Bistrô, o grande achado gastronômico da viagem. Portanto, encontro duplamente feliz, com nosso compatriota e com nosso novo restaurante favorito. O lugar é aconchegante, com boa música, visual chique-descolado, bons preços, vinho ótimo a preço de bodega (foi aí que tomamos o Carinae e nos animamos a ir até lá). O carpaccio de salmão defumado com brioches tostados estava delicioso. Pela segunda vez na vida, comi um tiramisù de verdade, maravilhoso, leve como tem de ser. Somente os pratos principais (o meu, emincé de pollo ao curry e arroz basmati com amêndoas, o de Guga, um corte de carne especial, matambre ao roquefort com incrível milhojas de papas) não tinham uma apresentação incrível, mas eram muito, muito gostosos. Depois Fábio trouxe uma taça de champagne para cada um, enciumando outros clientes (que podemos fazer se não eram brasileños?), e nos levou para conhecer a caprichada adega (inclusive com vinhos da neta de Jango, Erica Goulart). Tudo perfeito!
A compensação pelo fiasco ciclístico foi o passeio/viagem que fizemos até os Andes. Chegamos até Las Cuevas, um dos últimos povoados argentinos antes de se chegar ao Chile. A empresa Cepas faz este passeio e as visitas a bodegas - foi o pessoal do Ibis que nos indicou. Um ótimo custo-benefício - 210 pesos para nos levar de micro-ônibus até os rincões mais distantes, com paradas estratégicas para fotografar, andar de aerosilla em Los Penitentes (tivemos sorte, pois estava funcionando, embora a estação de ski esteja fechada), ouvir as explicações do ótimo guia Jorge. O almoço não está incluso, mas paramos em um restaurante de estrada com comida montanhesa, pouco bonita mas saborosa, por 65 pesos, incluindo postre. Os remises (carros com motorista que ficam à disposição) cobram valores entre 300 a 800 pesos para levar às bodegas, muito mais próximas. Até Las Cuevas, para se ter uma ideia, rodamos quase 400 km ida e volta, e ainda passamos por um trecho da antiga estrada da lendária Ruta Panamericana, da década de 1970.
É difícil explicar a emoção de ver o Aconcagua, mesmo ao longe. Ainda mais depois de a cordilheira se esconder durante horas atrás dos contrafortes, de formações rochosas das mais variadas cores e texturas. Igualmente emocionante ver as rochas chamadas de Los Penitentes - parecem mesmo sombras de pessoas subindo as altíssimas montanhas que seguiram os passos de San Martín e do exército libertador. É um mergulho na natureza e na história, tudo ao mesmo tempo.
E cada viagem nos ensina sobre os lugares (as ruas de Buenos Aires, por exemplo, estavam cheias de lixo, e as paredes, cobertas de novas pichações de protesto contra la presidenta, sinais da crise que se agravou desde que estivemos lá) e muito mais sobre nós mesmos. Sempre repenso meu planejamento na volta de uma viagem, e também o meu estar no mundo. Nossa primeira providência pós-merecido-banho foi sair para almoçar feijão e arroz. Mesmo as viagens sendo incríveis e estimulando o desejo de voltar a alguns lugares, como é bom ter um lugar (o nosso) para voltar, como é bom voltar a ouvir nossa língua, como é bom ser brasileiro!
Desde o alto: arquitetura mendocina com toques granadinos; sorvete de mascarpone e dulce de leche granizado; onipresentes churros; mesas da sorveteria Soppelsa; início de processo de "borrachamiento"; nós com nosso amigo Fábio, do Anna Bistrô; carpaccio de salmão defumado do Anna Bistrô; tiramisù de verdade, também do Anna Bistrô; on the road towards the Andes; titãs de pedra; fotografando na Ruta Panamericana; guapo en la aerosilla; dique de Potranillos; ELE, o Aconcagua; nós na estação de Los Penitentes; a vertiginosa aerosilla; Guga Ansel Adams; prato montanhês em Las Cuevas (locro, arroz e lentecha); espaguete Mare i Monti do La Parolaccia; Hotel Ritz, decadence avec elegance; palmier gigante e mil temperos no Mercado Central de Mendoza.
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quarta-feira, 1 de maio de 2013
Me voy a bailar!
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Tudo de bão
Cabeceira
- "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
- "Geografia da fome", de Josué de Castro
- "A metamorfose", de Franz Kafka
- "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
- "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
- "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
- "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
- "O estrangeiro", de Albert Camus
- "Campo geral", de João Guimarães Rosa
- "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
- "Sagarana", de João Guimarães Rosa
- "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
- "A outra volta do parafuso", de Henry James
- "O processo", de Franz Kafka
- "Esperando Godot", de Samuel Beckett
- "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
- "Amphytrion", de Ignácio Padilla