Já disse por aqui que não sou uma rata de Facebook. Mas nas últimas semanas tenho visitado muito mais as redes sociais, tudo por conta da violência (eu ia dizer que tem se abatido, mas mudei de ideia, pois não é uma coisa nova ou súbita) que tem mostrado as garras e a cara medonha em São Paulo, e em outras cidades brasileiras, provocada pelo manifesto popular.
Toda manifestação coletiva em prol de melhoras sociais é válida. Isso nem se discute. O vandalismo é que não vale, ou melhor, invalida qualquer manifestação bem-intencionada. Vimos ônibus sendo pichados, estações de metrô destruídas. Mas nada que se comparasse à ação policial que usou como desculpa os danos ao patrimônio para descer o pau na população.
E sem essa de "atiraram indiscriminadamente". A questão é outra. Não deveriam atirar, mas apenas conter, evitar maiores tumultos. Ou a ideia de "segurança pública" tem diversos pesos e medidas? A culpa pelo pânico da população que tentava voltar para casa foi só dos manifestantes, ou das balas de borracha e do gás lacrimogênio que tomaram as ruas? Perguntas retóricas, é claro. O Leonardo Sakamoto publicou em seu blog um texto que trata dessas questões e que eu assinaria satisfeitíssima embaixo.
É claro também que onde há massa há o risco de confrontos. Por isso houve também um ou outro policial sendo ameaçado (um até apanhou!). Por isso a polícia, que ainda por cima é despreparada e mal comandada, se sentiu gigante e avançou feroz contra a população. Na minha opinião, porém, está acontecendo um tsunami social, provocado por despertar súbito x reacionarismo que em SP ainda é determinante. Foi como se as placas tectônicas da indignação que se movem há tempos nas profundezas da cidade fizessem irromper as ondas gigantes de protesto. Ora, quando um grupo longamente submetido resolve sair do controle, se manifestar contra o estado das coisas, a reação pós-surpresa é de extrema covardia. Até mesmo esse grupo pode parecer atordoado no início, como quem fica cego com a luz do sol por ter se acostumado à escuridão e se lança a esmo ao combate. Mas não se mantém letárgico quando vê "emergir o monstro da lagoa".
Sim, é assustador como as cenas a que temos assistido lembram em tudo as da ditadura militar, que Chico Buarque registrou em "Cálice". Mas hoje já não cabe calar a voz de tantos - e aqui quero celebrar a força das redes sociais bem utilizadas. Em vários países há pessoas se unindo aos brasileiros que protestam contra o aumento das passagens, contra a proibição ao direito de ir e vir, contra a castração à cidadania, que pressupõe entre outras coisas a fruição da cidade. Há muitos olhos olhando para que os mandantes posem de dignatários da lei e da ordem sem serem dignos delas.
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Tudo de bão
Cabeceira
- "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
- "Geografia da fome", de Josué de Castro
- "A metamorfose", de Franz Kafka
- "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
- "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
- "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
- "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
- "O estrangeiro", de Albert Camus
- "Campo geral", de João Guimarães Rosa
- "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
- "Sagarana", de João Guimarães Rosa
- "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
- "A outra volta do parafuso", de Henry James
- "O processo", de Franz Kafka
- "Esperando Godot", de Samuel Beckett
- "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
- "Amphytrion", de Ignácio Padilla
Solange, acho que estamos vendo o quanto mudamos muito nestes anos: há um espanto de alguns com a maturidade social de muitos, com sua desalienação, com esse novo processo de tomada de consciência, com este período demográfico da história, pra retomar Milton Santos. Nisso, só vejo beleza, e acho que a violência das tropas de choque pode cessar, se nos indignarmos e seguirmos a ocupar as ruas. A questão maior que ainda fica é a mídia. Aí residem, creio, aquelas margens de que fala Brecht, a comprimir, comprimir... Quem diz o quê, quem faz o quê... Não é possível que continuemos submetidos a meia dúzia de recortes sempre os mesmos.
ResponderExcluirSeja como for, parece-me que "uma flor nasceu na rua (...) Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio". Estou cheia de esperanças, acredita?
Lu, passei da indignação dos atos de vandalismo ao horror à violência policial e às tentativas de manipulação midiática. Agora, vendo o avanço popular, me encho também de esperança de algo bom vai frutificar. Espero, por isso, que a gente esteja certa. :)
ExcluirQueridas, vocês estiveram marchando também? Fazendo o que pude (uma curta "marcha imóvel" na esquina da Santo Amaro), fiquei muito emocionada com a calma alegre dos manifestantes diante do olhar solidario dos motoristas de ônibus, que chegaram a buzinar a favor deles.
ResponderExcluirBonito!
Cely querida!
ExcluirA calma alegre é tudo o que temos - e não é pouca coisa! - contra esses respingos de um patriarcalismo sádico que ainda manda lá e cá, mas que muitos dos que têm 20 anos hoje recusam de plano.
Tenho uma sensação enorme de que minha geração pareceu mais bunda mole do que de fato foi: estão aí tantas possibilidades efetivamente novas de encontrar o outro, de celebrar as diferenças, de encontrar os pontos de contato. Quando eu tinha 20 anos, tentavam nos convencer de que não havia saída senão aquelas trevas dos anos 1990. Quáquá. Esses aí devem estar passando muito mal uma hora destas...
Puxa, Cely, nem isso fiz, ir contemplar nas ruas o movimento. Vi pela TV, torci à distância. Não sei bem por quê, senti que o momento era mais dos meus irmãos mais novos - que foram à manifestação - do que meu. Embora apoie o que, imagino e espero, vai se tornar esse clamor popular, acho que estou ainda observando, aguardando uma definição mais clara... Mas adoraria voltar a sentir a vibração de quem pediu o impeachment do Collor (e espero que sem a decepção posterior). Beijocas
ExcluirSolange querida, socorro!
ResponderExcluirVolto aqui pra dizer que, sim, o movimento foi lindo, mas já derivou pra uma qualquer coisa que vi com meus próprios olhos: agora lembra aquele movimento Cansei... Uma agressividade alienada nos cartazes, como se não houvesse História, como se o Brasil fosse o mesmo de 10, 20 anos atrás. Evidentemente, a virada na apreciação midiática se justifica: de repente, do meio da semana pra cá, todos os jornalões eletrônicos e impressos começaram a gostar dos "manifestantes ordeiros".
O MPL, se queria mesmo o que queria, a sério (e eu acho que queria), deve estar se perguntando o que faz agora. As ruas ontem estavam tomadas por conservadores como os que fizeram passar quase na surdina a tal "Cura Gay", "o Estatuto do Nascituro", o "Ato Médico", enquanto se avolumava no Jornal Nacional a ode aos jovens de cara pintada... "cara pintada"?! Que anacronismo perigoso!
Lu, era esse o meu medo - por isso disse à Cely que estava ainda observando o que viria. Tomara que a coisa não desande de vez, e as pessoas mantenham o foco para impedir a aprovação da PEC 37, a cura gay e tantas bizarrices que temos visto serem jogadas na nossa cara. Me preocupam muito os ódios internos, os conservadores sendo chamados de nacionalistas!!! São eles agora os defensores a uma manifestação sem bandeiras mas com muito quebra-quebra. Deus e algumas lideranças iluminadas, se houver, nos livrem disso! Beijos
ExcluirÉ de ter medo! Estou chocada com o que temos visto, por exemplo:
ResponderExcluir-pessoas agredindo integrantes do MST, achando que a bandeira deles era "de partido";
-skinheads armados no meio da passeata em São Paulo agredindo pessoas vestidas de vermelho;
-queimaram uma bandeira do movimento negro na Paulista;
-na manifestação de Campo Grande estavam querendo proibir, além de bandeiras partidárias, bandeiras LGBT, feministas e até indígenas.
e por aí vai...
Lu, parece que aos poucos isso vai ser minado pela maioria que quer mudanças positivas para todos. E pelo menos a PEC 37 foi arquivada (melhor seria que fosse enterrada!) - viva!
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