segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Umbigada

Acho uma graça o batuque de umbigada - divertido, sensual, tudo de bom. E haja energia para dar aqueles pulos ao mesmo tempo que o parceiro de dança para, literalmente, dar uma umbigada. Aliás, quando se procura a palavra umbigo no Aulete, o exemplo é uma cena de Jubiabá, de Jorge Amado, que descreve a umbigada: "...os pés batiam no chão, os umbigos batiam nos umbigos (...) estavam todos embriagados, uns de cachaça, outros de música." 
O umbigo simboliza o centro - na Antiguidade, do mundo; hoje, do indivíduo. Nos Cantares de Salomão, parece que o umbigo até substituiu textualmente as partes pudendas femininas na função de cálice de delícias. A palavra omphalo (umbigo em grego) refere-se nada mais, nada menos que ao oráculo de Delfos. Coincidência? Nunca.
Olhar pro próprio umbigo pode soar a egoísmo, individualismo extremo, mas às vezes é o oráculo mais confiável que temos. Debruçar-se sobre si (e isso me faz lembrar da imagem clássica de Narciso, mirando-se no espelho de um lago, o extremo indesejável) é a melhor forma de obter respostas. Nesse momento, não são os outros que têm importância, o que querem, o que vão pensar, mas o que queremos, o que pensamos. Para inclusive sermos melhores também para os outros.
Tenho feito muito mais esse exercício umbilical, especialmente quando me pego não querendo fazer algo que a mim interessa por causa (supostamente) de outrem. Incrível, né? Logo eu, que sou tão independente, despojada e tal. Mas acontece. Por exemplo, querer uma cadeira de trabalho melhor: um desejo-necessidade seguido de culpa (???). A imagem lá de dentro responde: ei, tá louca? É para você, é o que você quer, ou Tal coisa (a cadeira velha) não te interessa mais, é a sua vida (a sua coluna) que importa. Vem lá a resposta-chacoalhão de dentro do meu umbigo, do meu íntimo, do oco do meu mundo.
Aí compro a cadeira nova, e volto a respirar, ufa. Não pelo umbigo - mas essa cicatriz ancestral não me deixa esquecer da relação eterna entre o que há dentro e fora de mim, e que de vez em quando é preciso retornar à completa escuridão para ver mais claro.

4 comentários:

  1. Adoro este seu estilo, entre o poético, filosófico, irônico, Sô! Também tenho praticado umbigoterapia. E tem me feito muito bem! Bjus!

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    1. É bom, né, Tam? Se a gente não se conhecer a fundo, como esperar compreensão do outro, como saber o que serve ou não para nossa vida?
      beijos!

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  2. olhar pro próprio umbigo sem culpa: tudo de bom! tenho feito mais isso (seria uma conquista da maior "maturidade"?) obrigada por nos fazer ver melhor o "outro lado" das coisas...

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    1. Que bom que chega esse momento, né, Má? Dá uma leveza, vontade de rodopiar e até de fotografar o próprio umbigo, hehe.
      beijos, e saudades!

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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