Como ela era uma das minhas convidadas para o jantar esta semana, resolvi fazer algumas experimentações com ingredientes sem lactose para que ela não fosse privada de comer nada. Porque uma das piores coisas que existem é ver uma criança passar vontade (quando não fome) - um dos símbolos mais tristes da impotência humana.
Tinha resolvido fazer o boeuf bourguignon do Troisgros (dessa vez, utilizei coxão mole e a carne praticamente desmanchou na panela de pressão, ou seja, o tempo de cozimento poderia ter sido reduzido à metade; também esqueci de acrescentar o cacau em pó), com opção de dois acompanhamentos (pappardelle ao molho Alfredo ou arroz branco), além das minicebolas com cogumelos Paris refogados em bacon e reduzidos em aceto balsâmico e açúcar demerara. A sobremesa seria torta de maçã acompanhada de sorvete de baunilha. Ou seja, quase tudo levava manteiga, creme de leite ou leite.
Para a torta de maçã (a receita do Richie que já adaptei, aumentando o açúcar porque não fiz o caramelo salgado), resolvi fazer ghee. Mas ghee mesmo, aquele que leva mais de uma hora para ficar pronto, mas que ao final tem aroma de amêndoas. No banho-maria, a manteiga vai soltando as substâncias tóxicas e decantando a lactose. É trabalhoso (é preciso tirar a espuma com uma escumadeira e coar a lactose), por isso vale a pena fazer em grande quantidade, até porque ele dura até 3 meses fora da geladeira. Depois de pronto (preparei na véspera), deixei-o gelar, porque a receita pede manteiga gelada para a massa. Segui o passo a passo - dessa vez a cara da torta ficou mais bonitinha, mas na hora de desenformar... elle a tombé! Por isso foi batizada de Tarte Tombée - e devo dizer que mesmo assim ficou mais saborosa e leve que a antecessora.
O sorvete foi feito com creme de leite sem lactose e leite Ninho integral também sem lactose, além do açúcar cristal orgânico, do extrato de baunilha e dos ovos. Ficou maravilhoso, muito leve, perfeito para acompanhar a torta.
Até no molho Alfredo entrou o creme de leite sem lactose e o ghee (para Lulu). Para o restante dos convivas, o creme de leite foi acompanhado de manteiga comum e queijo Grana Padano ralado na hora, com uma pitada de sal e pimenta-do-reino.
Tudo ficou ótimo, nada foi comprometido pela troca de ingredientes; pelo contrário, os pratos ganharam em sabor e leveza.
Mas o melhor da noite foi a expressão de alegre surpresa de Lulu quando contei a ela que poderia tomar o sorvete, que poderia comer de tudo. Aquele sorriso foi a melhor resposta ao ato de cozinhar como um ato de afeto.
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