No mês passado, assisti a três filmes com temática feminina - as mulheres como protagonistas, sendo dois deles dirigidos por mulheres.
Quando estava frequentando as aulas da pós na Faculdade de Educação, escrevi um trabalho sobre três documentários que tinham a mulher como figura central, uma coisa cada vez menos rara. Sim, porque até há pouco as mulheres eram quase sempre coadjuvantes - ou a amada ou parente do protagonista, ou, como pontos fora da curva, uma revolucionária destituída de sua feminilidade, ou uma maluca qualquer.
Em tempos recentes, elas têm virado o próprio tema de filmes, resgatando inclusive histórias ameaçadas pelo esquecimento, como a das sufragistas do século XIX (episódio contado em As sufragistas, com Meryl Streep), das mulheres negras que serviam pessoas brancas no sul dos Estados Unidos (como mostrado no lindo Histórias cruzadas), das mulheres ou meninas que se voltaram contra um regime misógino e predador (a trama de Persépolis), das mulheres que sofreram abusos sexuais e psíquicos na ditadura militar no Brasil (O silêncio das inocentes, um documentário que trata desses episódios de horror), das mulheres comuns que agonizam nas mãos de maridos, parentes e desconhecidos abusadores (tantos e tantos casos, reais e recriados na ficção, como o primeiro filme dirigido por Angelina Jolie, Na terra de amor e ódio, sobre a Guerra da Bósnia).
Porque as mulheres têm se unido contra a misoginia, o machismo e todo tipo de desigualdade, as reações predatórias não tardam, como no ato monstruoso de um homem que, na véspera do Ano-Novo, matou doze pessoas em Campinas, nove delas mulheres (vadias, segundo ele afirma em uma bizarra carta de confissão), uma delas sua ex-mulher. Entre as vítimas, também estava seu filho, que ele dizia "amar".
Apesar desse horror ainda presente no nosso patriarcal país, acredito que o movimento feminino não pode mais ser impedido, em todo o mundo. E foi essa a sensação que tive ao assistir Aquarius, Que horas ela volta? e Olmo e a gaivota. Nas três histórias, mulheres que são ou aprendem a ser donas de suas vidas.
A maravilhosa Clara de Sônia Braga enfrenta tudo e todos pelo seu direito de continuar vivendo no espaço onde construiu tantas memórias, e o que parece uma simples querela entre uma mulher de meia-idade e uma construtora mostra questões mais profundas na dinâmica da cidade capitalista. Aliás, isso de ir desvendando camadas ocultas dos conflitos urbanos já aparece em outro filme de Kleber Mendonça Filho, O som ao redor, que já comentei aqui.
A doce Val vivida por Regina Casé no filme de Anna Muylaert me parece um exemplo dessa mulher contemporânea criada ainda para servir, nos moldes machistas da sociedade brasileira, mas que vai sendo levada para a iluminação pela filha Jéssica, exemplo da mulher desperta, que cobra seu lugar no mundo, sem baixar a cabeça para os outros. Quando Val se "atreve" a entrar na piscina, a cena é de uma doçura travessa e revolucionária ao mesmo tempo.
Duas mulheres assinam a direção de Olmo e a gaivota, a brasileira Petra Costa e a dinamarquesa Lea Glob. Os atores do Théatre du Soleil Olivia Corsini e Serge Nikolai estão no centro desse documentário ficcional que mostra a gravidez de Olivia e a partir de então sua relação com o companheiro Serge e com o trabalho na companhia. Entre trechos de ensaio de A gaivota, de Anton Tchekov, reflexões em off de Olivia e momentos de making off do documentário, vamos sabendo mais sobre a protagonista; no caso das mulheres, deve haver ainda, como aconteceu comigo, muitos espelhamentos diante de questões que todas já nos colocamos. Especialmente pela questão do direito ao próprio corpo, esse filme virou símbolo de uma campanha brasileira pelo direito da mulher de abortar, de ser mãe, de não querer ser mãe, de fazer com o corpo o que e com quem quiser.
Tudo o que posso dizer é que estou amando ver as mulheres no papel de si mesmas no cinema. Assim vejo a mim mesma, a outras mulheres que admiro, no cinema.
quarta-feira, 4 de janeiro de 2017
Mulheres no cinema: muito além da figuração
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- "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
- "Geografia da fome", de Josué de Castro
- "A metamorfose", de Franz Kafka
- "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
- "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
- "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
- "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
- "O estrangeiro", de Albert Camus
- "Campo geral", de João Guimarães Rosa
- "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
- "Sagarana", de João Guimarães Rosa
- "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
- "A outra volta do parafuso", de Henry James
- "O processo", de Franz Kafka
- "Esperando Godot", de Samuel Beckett
- "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
- "Amphytrion", de Ignácio Padilla
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