segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Evoluir é legal

De levains e levezas

É muito fácil esquecer quem somos na labuta diária, nos mil afazeres, na torrente de pensamentos, engolidos pelo entorno opressor. 
Só na quietude ou na conversa com amigos acabamos nos lembrando. Outro dia, me lembrei de como crio minhas oportunidades sempre que posso - foi a voz interior falando/alertando. Queria fazer um curso avançado de fermentação natural, e vi que só rolaria se apostasse as fichas todas nele, sem esperar que a oportunidade "surgisse" como anexo de um outro compromisso de trabalho. Era preciso foco, dedicação, amor mesmo.
E foi tudo tão perfeito! Curso ótimo, pães maravilhosos - a ciabatta quase tão perfeita quanto a dos franceses, os pães au levain com alvéolos lindos, macios, com casquinha crocante. Cinco dias de muito aprendizado, e também com direito a encontrar e conversar com amigas queridas (que me ajudaram a relembrar quem sou); a pequenos contatos gentis pelas ruas (como a moça que se ofereceu para me levar à rua onde eu precisava ir e onde ela, por coincidência, morava); a palmilhar o antigo bairro e poder contar com seus serviços e profissionais competentes e afáveis; a uma hospedagem perfeita com amiga que enche a geladeira de iogurtes, e queijinhos, e frutas para mim sendo que ela não consome leite e ainda me presenteia com um travesseiro de alfazema; a descobrir na rua de trás o final de duas linhas de ônibus para lugares centrais da cidade; a atendimento ótimo no Poupatempo na hora de resolver chaturas; a achar chocolates maravilhosos e a agenda ideal em lojas na Liberdade a preço módico; a almoçar em uma unidade do SESC, que tanta falta faz; a compartilhar, aos risos, as mazelas da idade também com meu hair stylist de mais de 20 anos, que ainda por cima deu aquele upgrade nas madeixas; a me sentir ecológica e vitoriosa de carregar e recarregar a mesma garrafinha de água todos os dias; a encontrar peças que vestem bem e já indicam o "retorno a si"; a ser alvo do rapapé dos recepcionistas do Maksoud quando eu só fui até lá para tomar o ônibus para o aeroporto; a ter ali mesmo no Maksoud uma proposta de táxi baratinho para o aeroporto; a ver todo o tempo os ipês floridos que só se veem em Sampa.  
Com exceção do atraso no voo de volta, quanta leveza no cotidiano! Mesmo com o contexto nefasto em que temos vivido, é possível resistir na gentileza, em pequenos gestos amorosos. Não nos esqueçamos nunca disso.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Só Yesterday para salvar o today

Cinema a qualquer hora para nós é coisa do passado. Afora o fato de dar um trabalhão ir a Salvador para assistir qualquer coisa, os filmes saem de cartaz em poucos dias - os que nos interessam, quando entram em cartaz, ficam em cinemas mais distantes, pequenos e com poucos horários. Desse modo, ver um filme tornou-se uma epopeia.
Mas queríamos muito assistir a Yesterday, uma fantasia divertida de Danny Boyle, diretor do maravilhoso Quem quer ser um milionário, e de Richard Curtis, roteirista de Love actually, que eu amo. Na realidade distópica que temos vivido, mais vale imaginar por alguns momentos como seria o mundo sem os Beatles.
Ainda por cima, a única sala em que era exibido o filme no shopping mais próximo era uma sala VIP, com direito a serviço de bordo e poltronas reclináveis com controle eletrônico. Nada mal para nos desligar por duas horas do caos político e social em que temos vivido, para nos salvar da total desesperança.
E ainda há quem pergunte para que serve a arte.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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