Desde que ouvi falar do vale do Pati, quis conhecê-lo. Do marido, ouvi que era muito difícil para mim, e isso só o tornou mais desejável. Mas só agora é que pude realizar o desejo.
As condições eram as mais favoráveis? Nunca são, nunca espero que sejam. Só me basta uma brecha para ir em busca. Comentei com amigos queridos que queria ir, eles também queriam, fomos dando forma ao desejo em comum e o sonho virou projeto. Quando já tínhamos combinado tudo, veio a notícia de uma possível demissão, e a viagem se tornou ainda mais urgente.
Lá fomos nós, munidos dos equipamentos listados por nossa guia, Renata. Saímos de Salvador para Palmeiras, de lá para a vila do Guiné, numa típica estrada de terra no coração da Chapada Diamantina. Chegamos à noite, pois ainda ficamos parados na BR por causa de um acidente perto de Santo Estêvão. Na Pousada Donana, um casarão ricamente decorado com madeiras e ferros de demolição, uma comidinha quente nos esperava. No outro dia, de manhã, seguimos de carro até o início da subida do Aleixo, atravessamos os Gerais do rio Preto e descemos a insana rampa. Ali ainda não sabia usar o cajado, e o medo de escorregar era grande. A descida parecia não ter fim, mas teve, e rumamos pra famosa Igrejinha, hoje uma espécie de arraial com vários quartos e banheiros, além de espaço para jantar e café da manhã e gengidrinque, bebida onipresente no Pati.
No dia seguinte, rumamos pra casa de dona Raquel, na minha opinião a mais fofa das visitadas, tocada por sua filha Lia e o marido Altemar, e de lá fomos conhecer as cachoeiras Bananeiras e dos Funis. Também foi cansativo, ainda mais carregando roupa molhada, e a chuva que tinha caído à noite já deixou os caminhos enlameados e escorregadios. Para mim, o grande aprendizado de perder o medo de andar em pedras, caminhos de rios etc. desde a queda do bote em Brotas. Renata achou que não daríamos conta de subir o Morro do Castelo (na verdade, da Lapinha) ou fazer a trilha do Calisto, por isso a ida para as cachoeiras. Acabamos voltando para a casa de dona Raquel já à noite e precisamos usar lanterna para caminhar. O jantar ótimo e o clima alegre da casa compensaram tudo, e dá-lhe gengidrinque e alfajor caseiro.
Cedinho fomos para a antiga Prefeitura, ao lado da casa de Jailso e Marta, da família de dona Raquel (a Racheland é um sucesso). Desisti de sair e fiquei sozinha para ajustar meu diapasão interno, o que foi ótimo. Mais tarde, ficamos observando as estrelas no céu absurdamente lindo do vale, e até estrelas cadentes vimos. A especialidade local são o vinagre de banana e o licor de banana clarificado feitos por Jailso; claro que trouxe um frasquinho de vinagre para enriquecer meus pratos.
Partimos para a trilha do encontro dos rios Pati e Cachoeirão, mais maneira, em plena Mata Atlântica. Rolou terapia e visita de libélulas azuis, sinal de bom augúrio. Somente então, depois de banho nos pocinhos com hidromassagem, rumamos para a casa de seu Eduardo, tropeiro lendário - a casa é cuidada por seus filhos Domingos e Vítor. Aliás, a diferença entre as casas cuidadas por homens e as cuidadas por mulheres é evidente - há mais capricho, apreço pelos detalhes nos pousos liderados por mulheres, desde papel higiênico de qualidade e espelho e sabão líquido nos banheiros a jardim de flores e ervas. Mas todas as casas são muito limpas e organizadas. A casa de seu Eduardo é a mais rústica; a comida é boa mas não se compara às da Racheland. O gengidrinque pode deixar de pileque. Até recarregar o celular é mais difícil ali, embora em todos os lugares a energia elétrica seja bastante controlada, e em nenhum lugar haja rede de celular (só carregávamos os nossos para usar a câmera, e eu tentava manter o Garmin no ponto).
No sábado bem cedinho partimos para o maior desafio: atravessar a fenda do Cachoeirão, subir os Gerais do Cachoeirão e depois os do rio Preto, num caminho mais longo que o da vinda, e então descer o Aleixo. Houve um momento em que achei que minhas panturrilhas iam estourar na subida sem fim de pedras e pequenos abismos. Atravessamos corredores de tiriricas, servimos de alimento para mutucas, andamos 10 horas quase sem parar. A água foi rareando e também ficando menos fresca. Tomei um gel para dar uma animada. Pensei que levar isotônico pode ser muito útil, além de hidrosteril (que esqueci). Uma vista mais incrível que a outra, mas muitos turistas nos dois mirantes, quebrando o clima de contemplação com muito ruído. O Garmin morreu no caminho. Quando chegamos enfim à descida do Aleixo, me pareceu muito mais fácil, e até foi rápido descer. O cajado e os tensores nos joelhos foram fundamentais. Fiquei orgulhosa de ter preservado os joelhos. Saí só com trapézio dolorido, além das picadas mil e uns roxos nas pernas, principalmente das batidas da pochete. Fiquei orgulhosa de nós, de termos ido até o fim mesmo sem todo "preparo". De prêmio, encontramos pizza fresquinha na Pousada Casarão, em Palmeiras, feita pela simpaticíssima Cida.
Sim, o caminho se faz ao andar. É preciso sempre dar o primeiro passo. Se estivermos em boa companhia, fica mais fácil e ainda melhor.