Talvez a imagem mais reproduzida das Olimpíadas de Paris 2024 até agora tenha sido a de Rebeca Andrade, ouro na ginástica na apresentação de solo, sendo reverenciada pela estratosférica Simone Biles e por Jordan Chiles, as estadunidenses que levaram prata e bronze. Apesar da beleza no reconhecimento de Rebeca como uma "rainha" na modalidade, sobretudo em um pódio formado por mulheres negras, a imagem de que mais gostei foi gerada segundos depois, quando as três se dão as mãos. Ali vi companheirismo, admiração e fortalecimento mútuo, tudo ao mesmo tempo.
Muita gente vibrou com a vitória das mulheres, sobretudo negras, no "Time Brasil". Mas também muita gente tem assinalado que, apesar das dificuldades, tais e tais atletas superaram tudo por esforço próprio, a praga da meritocracia. Houve quem se atrevesse mais, a pedir que não olhássemos para o fato de serem mulheres negras e pobres mas sobretudo boas atletas. Haja estômago!
Tem também repórter que força a entrevista até a entrevistada chorar, aquele gosto pelo sofrimento alheio, que nada tem a ver com empatia. Seu pai morreu, como você se sente?
O que mais me chama a atenção na forma como é encarada a performance dessas mulheres que tiveram de se colocar acima da iniquidade social é que ali em Paris a dificuldade é passado, a pobreza e a injustiça social no Brasil nem existem mais. Poucos pensam em como será depois, como se uma medalha no peito de uma Rebeca fosse suficiente para calar a boca das reclamonas - "viu como a situação das mulheres é boa? viu como nem há racismo no Brasil?". A dificuldade que houver é porque a "Bolsa Atleta paga mal", não porque vivemos num país essencialmente desigual, escravista e colonialista. Não porque falta educação de qualidade, saneamento básico, alimentação saudável, trabalho digno. Não porque os índices de estupro e feminicídio não param de subir.
Embora feliz por Rebeca, por sua graça vitoriosa, sambando na cara dos preconceituosos, lamento o peso que ela carrega para além das medalhas, atribuído por quem não quer encarar as desigualdades brasileiras. Injusto com ela, injusto com todas que atravessam os dias procurando manter a cabeça acima das dificuldades de toda ordem. O país só se tornará melhor quando a maioria se aperceber da realidade e der as mãos no enfrentamento da injustiça contra mulheres, e também contra pessoas negras, pessoas LGBTQIA+, a população empobrecida.
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