Outro dia, li no FB um texto do Gregório Duvivier, primo do meu amigo Beto. O Gregório é mais conhecido como ator, comediante, mas escreve bem que é uma beleza, com profundidade e simplicidade, sem jamais, portanto, ser simplista. O texto que li foi reproduzido na coluna que ele mantém na Folha - o título é "Meu irmão". Fala do irmão mais velho do autor, que tem síndrome de Apert, e de como a Coca-Cola ganhou uma nova utilidade. Lindo!
Isso me fez pensar na minha família. Ninguém tem síndrome de Apert, ou Down, ou Alzheimer (por enquanto). No entanto, por uma total desconjuntura, temos limitações tão sérias quanto. Por exemplo, reinvenções da realidade, apegos ao passado em lugar de viver o presente, de perceber o que é necessário HOJE. De repente, penso que isso acontece porque cada um é de um jeito mesmo - a autorreferência é uma ilusão que no final só desilude, e isso vale inclusive para Gregório e seu irmão. A diferença é que na minha família nuclear não há ninguém disposto a jogar Coca-Cola para dispersar os detratores, porque eles estão no meio de nós.
Minha mãe quebrou o fêmur numa viagem. Em lugar de os familiares fazerem o que deve ser feito, cresce uma nuvem de reclamações, ressentimentos e até mesmo injúrias. Horrível. Inversões da realidade (de novo, o "cada um é cada um", cada qual com sua verdade), acusações de que ela não foi boa mãe (o que é ser uma boa mãe? não é fazer tudo o que está ao seu alcance para garantir um futuro aos filhos?) etc. Que eu, como "filha favorita" (embora não me lembre de ter sido nunca beneficiada de modo especial), é que devo carregar tudo nas costas, uma espécie de desagravo à insatisfação e à "mágoa" dos demais. Como se o meu fazer os eximisse de fazer a sua parte.
Ainda recebi uma mensagem me acusando de só pensar em mim porque, embora sempre estivesse matando um leão por dia fazendo frilas e vivesse sozinha, não ajudei minha irmã casada e funcionária pública quando ela precisou. Que sou louca por cobrar uma postura cooperativa, que preciso de tratamento, que não resolvi os problemas que tive com meu pai e por isso me intrometo onde não sou chamada (relembrando, por exemplo, as obrigações de uma pessoa que transformou a casa de outra num lixão e que não quer receber a dona da casa de volta porque "está doente"). Que, na verdade, minha mãe é que tem algum transtorno e precisa de tratamento (provavelmente porque não acha normal morar no lixo).
As pessoas que querem ser o centro do universo se exasperam quando alguém quer simplesmente ter sua própria vida. Tentam injetar culpa no outro para que ele faça o papel que cabe a elas. Isso não é exclusivo da minha família, claro. Isso é uma das facetas tristes do humano, porque cada um é como é, diferente do outro (mas alguns exageram no estranhamento e na distância). Sou melhor que elas? Não - mas pelo menos vejo.
Ai, que vida boa quando uma Coca-Cola dissolve todo desentendimento! Gregório e João, please, me mostrem como.
domingo, 23 de março de 2014
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Tudo de bão
Cabeceira
- "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
- "Geografia da fome", de Josué de Castro
- "A metamorfose", de Franz Kafka
- "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
- "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
- "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
- "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
- "O estrangeiro", de Albert Camus
- "Campo geral", de João Guimarães Rosa
- "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
- "Sagarana", de João Guimarães Rosa
- "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
- "A outra volta do parafuso", de Henry James
- "O processo", de Franz Kafka
- "Esperando Godot", de Samuel Beckett
- "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
- "Amphytrion", de Ignácio Padilla
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