Para quem gosta de cozinhar, principalmente, assistir a filmes sobre o ato de preparar pratos é sempre motivador e faz lembrar por que isso é sempre tão bom - pelos aromas, temperos, pela beleza do resultado final, pela relação que se estabelece com o outro nesse ato de amor, ainda que muitas vezes seja um amor pelo desconhecido.
O fato é que listar esses filmes é uma delícia, e pretendo engordar o grupo sempre que necessário. Para cada um, elejo um prato.
Who is killing the great chefs of Europe, de Ted Kotcheff (1978) - Uma comédia com clima de suspense à la Agatha Christie e participação de Jacqueline Bisset e Philippe Poiret. Ao redor do crítico gastronômico de uma revista, chefs internacionais são assassinados segundo a receita de seus pratos mais famosos. Prato da vez: como tudo é muito pesado (pombos, patos torturados etc.) no filme, fico com os queijos.
A festa de Babette, de Gabriel Axel (1987) - Um filme sobre gastronomia, mas também sobre a beleza da graça. A misteriosa Babette chega à costa dinamarquesa fugindo de uma guerra na França. Em uma triste e escura vila encontra Philippa e Martina, filhas de um pastor austero que continuam vivendo segundo os preceitos de seu pai, à frente de uma pequena comunidade. Acolhida por elas, Babette realiza grata e silenciosamente os serviços domésticos e surpreende aos moradores da vila (não sem recriminações, claro) com um banquete suntuoso. Prato da vez: baba ao rum.
O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante, de Peter Greenaway (1989) - O gângster Albert Spica (Michael Gambon) janta todos as noites no Le Hollandais com sua esposa Georgina (a sempre ótima Helen Mirren). Ela começa a flertar com outro frequentador do restaurante, e o que se segue é uma vingança à la Greenaway - cruel, mas com fotografia sempre plástica e impecável. Prato da vez: abacate ao vinagrete e camarões.
Tomates verdes fritos, de Jon Avnet (1991) - Uma celebração à amizade, um filme sobre superação feminina e também um food movie, tudo junto. Mesmo anos após a morte de seu irmão, a rebelde Idgie (Mary Stuart Masterson) vive isolada de todos, até a aproximação de Ruth (Mary-Louise Parker), namorada de seu irmão à época do acidente que o matou. Juntas, abrem um café cujo prato principal são os tomates verdes fritos. O racismo (a história se passa no sul dos Estados Unidos) e a opressão feminina também estão presentes nesse filme delicado, fortalecido pela atuação de quatro ótimas atrizes: Masterson, Parker, Jessica Tandy e Kathy Bates. Prato da vez: tomates verdes fritos.
Delicatessen, de Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro (1992) - Humor negro, uma pitada de violência e apocalipse. Na verdade, um filme sobre a falta de comida - talvez algo próximo do que estamos vivendo, com a falta de água no país! A falta de alimentos é tamanha que eles viram, por completa ironia, moeda de troca. O que comer, então? Que tal o seu inquilino? Prato da vez: quibe cru.
Como água para chocolate, de Alfonso Arau (1992) - Na minha opinião, o filme em que a relação entre cozinhar e amar é mais clara - talvez por ser um filme latino-americano. A jovem Tita cresceu em meio a panelas e temperos e tem o dom de transmitir seus sentimentos aos pratos que prepara. Apaixonada por Pedro, tem que aceitar que ele se case com a irmã mais velha, em respeito a uma tradição/maldição familiar. Mas o amor transborda, e daí... Prato da vez: bolo Chabella.
Chocolat, de Lasse Hallström (2000) - O filme é americano, o diretor é sueco, mas o ambiente é francês. E a protagonista, la belle Binoche, também, na figura de uma chocolatière que aterrissa em uma cidadezinha durante a Quaresma para abrir sua loja de chocolates. Não é um dos meus roteiros favoritos - Juliette Binoche mal fala! -, mas a sedução está no ar (com a ajuda de Johnny Deep) e na loja de bombons exóticos que sacode a rotina dos habitantes da pequena cidade francesa. Prato da vez: trufas de chocolate.
O tempero da vida, de Tassos Boulmetis (2003) - Embora a ideia seja boa, o filme é fraquinho (direção maomeno, talvez?), mas me atraiu pela temática dos temperos. O garoto Fanis vive na loja de temperos do avô, com quem aprende os segredos das especiarias e da vida. Quando os gregos são expulsos da Turquia, em 1964, o garoto precisa se separar do avô, indo morar na Grécia com os pais. Lá ele se torna um especialista em gastronomia. Prato da vez: moussaka ou qualquer um que leve canela, muita canela.
Sideways (Entre umas e outras), de Alexander Payne (2004) - Talvez um dos melhores filmes do Paul Giamatti, que vive o melancólico Miles, um escritor frustrado e apreciador de vinhos que não consegue aceitar o fim de seu casamento. Ele acompanha o amigo Jack (o hilário Thomas Haden Church) em sua despedida de solteiro, uma viagem por vinhedos da Califórnia onde muita coisa pode acontecer. Prato da vez: na verdade, vinho: Pinot Noir.
Um bom ano, de Ridley Scott (2006) - O empresário workaholic inglês Max Skinner (Russell Crowe) herda uma vinícola do tio (Albert Finney), com quem não falava há anos. Ele viaja à Provence para logo se desfazer da propriedade, mas acaba se encantando com o lugar e rememorando as lições que teve com o tio, inclusive a de como produzir e saborear um bom vinho, além, é claro, de encontrar a linda Marion Coutillard por lá. Prato da vez: bouillabaisse.
Sem reservas, de Scott Hicks (2007) - Remake do filme alemão Simplesmente Martha, de 2001 (este eu não vi). A linda Catherina Zeta-Jones vive uma chef durona na cozinha e pouco feliz na vida pessoal. A sobrinha órfã (Abigail Breslin) e um charmoso chef de gastronomia italiana (Aaron Eckhart) vão encher sua vida de novas emoções e sabores. Prato da vez: pizza feita em casa.
Estômago, de Marco Jorge (2008) - Nonato (João Miguel) é um imigrante nordestino que chega a São Paulo em busca de uma vida melhor. Ao trabalhar em um boteco, descobre seu talento para a cozinha com uma maravilhosa coxinha disputada pelos clientes. Ele ascende profissionalmente, mas logo a paixão pela prostituta Íria (Fabiúla Nascimento) vai lhe trazer problemas. Prato da vez: coxinha.
Bottle Shock (O julgamento de Paris), de Randall Miller (2008) - Baseado em fatos reais, o filme conta o início da indústria vinícola no Napa Valley, Califórnia, e como um vinho norte-americano chamou a atenção do mundo pela primeira vez, ao receber uma certificação francesa. Prato da vez: qualquer um que combine com o vinho Chateau Montelena ou um californiano mais modesto.
Julie & Julia, de Nora Ephron (2009) - Um dos meus favoritos sobre o tema - ainda por cima, estrelado pela maravilhosa Meryl Streep como Julia Child. Para fugir ao enfado de sua vida cotidiana, a jovem jornalista Julie (Amy Adams), que trabalha como atendente de telemarketing, cria um blog com o desafio de preparar todos os pratos do livro clássico de Julia Child (uma espécie de Dona Benta mais sofisticada dos Estados Unidos). As duas histórias se cruzam, e é divertidíssimo conhecer o lado competitivo de Child ao vê-la descascar montanhas de cebola para vencer os colegas de Cordon Bleu. Prato da vez: boeuf bourguignon, bien sûr.
Soul Kitchen, de Fatih Akin (2009) - Um jovem grego em Hamburgo resiste ao aburguesamento de seu bairro e tenta conduzir aos trancos e barrancos seu restaurante, até encontrar um chef recém-demitido que transformará sua cozinha. Prato da vez: mousse de chocolate branco (receita da ICKFD).
Les saveurs du palais, de Christian Vincent (2012) - A chef Florence (Catherine Frot) é levada de sua fazenda em Périgord para o Palais de l'Elysée com uma missão secreta: preparar o menu do próprio presidente da República. O que se segue é um desfile de pratos maravilhosos, preparados com maestria e ingredientes "da terra" pela única mulher a cozinhar no palácio, o que angaria o rancor dos demais cozinheiros. Prato da vez: filé em crosta de sal.
Chef, de Jon Favreau (2014) - Jon Favreau dirige e atua neste delicioso filme sobre gastronomia, food truck, família, estrada etc. O chef Carl Casper resolve voltar a ser um chef criativo e, por isso, se desentende com seu patrão. Seguindo o conselho da ex-mulher, compra e reforma um trailer e sai pelas estradas norte-americanas cozinhando o que lhe apetece, em companhia do filho e de um antigo empregado. Prato da vez: sanduíche cubano (receita da Folha).
A 100 passos de um sonho, de Lasse Hallström (2014) - Outro filme do diretor sueco e com a grande Helen Mirren, agora no papel de dona de um restaurante no sul da França. Madame Mallory (Mirren) não vê com bons olhos a chegada de uma família indiana que pretende abrir um restaurante bem em frente ao seu, que já detém uma estrela Michelin. O sonho de Mallory é conseguir outra estrela, e o jovem e talentoso Hassam (Manish Dayal), o gourmet da família indiana, pode atrapalhá-la. Prato da vez: omelete (para avaliar o talento dos chefs, Mallory pede que lhe preparem uma omelete).
P.S.: Já vi em uma lista de food movies menção a O filho da noiva (por conta do tiramisù do restaurante de Darín), mas não o considero um filme sobre gastronomia. Se a questão fosse apenas a ação se passar em um restaurante ou mencionar um prato, nisso deveria ser lembrado, por exemplo, Azul é a cor mais quente, em que a personagem de Adèle Exarchopoulos tem fissura por uma macarronada nada gourmet.
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