Desde então, a aceitação mútua foi irrestrita, e os dois gatinhos se tornaram meus companheiros de todas as horas. Zen mais falante, Chico mais voltado para a ação. Aqui no sítio, meu gatinho-cachorro vinha correndo quando eu o chamava, me acompanhava à horta e na hora de estender roupas. Gostava de dormir no colo de Guga. Trazia presentes toda noite - quando percebeu que não gostávamos das baratas, passou a trazer folhinhas. Parecia grato por ter recebido de uma hora pra outra tanto espaço, tanta liberdade. Ronronava ao roçar nas nossas pernas, contava o que tinha visto em suas andanças. Quando acordávamos, ele já estava em casa, e o chão, coberto de folhinhas que ele trazia no seu vaivém noturno.
Então, há dois dias, quando acordei, ele não estava em casa. Não apareceu quando abri as janelas. Não veio correndo quando eu chamei. E no calado do meu coração veio a certeza de que ele não viria mais.
Assim como ele foi explorar o quintal do vizinho nos primeiros dias, ele provavelmente foi espiar outras redondezas interessantes. O que aconteceu, não sabemos. Talvez um encontro infeliz com cachorros da vizinhança, talvez tenha se perdido, talvez então tenha sido achado por alguém, que o viu tão bonito e o levou consigo. Mais não quero aventar, porque fico triste. Ontem, cada passo que eu dava para espalhar cartazes com sua foto parecia me distanciar mais do meu Chiquito.
No fundo, eu sabia que isso poderia acontecer mais cedo ou mais tarde. Aqui, ou em outro lugar, já que pensava em me mudar de qualquer modo para um lugar aberto. No caso de Chico, a liberdade adquirida parecia grande demais para ele. Eu sempre procurei dizer a mim mesma, à guisa de pré-consolo, que o normal é que os bichos atendam ao chamado selvagem, que a qualquer momento (especialmente os gatos) podem ir embora. Mas dói.
E é na ausência de outro ser que sinto maior o preço cobrado pela irresistível liberdade.