terça-feira, 31 de outubro de 2017

Para que serve a arte?

A arte no Brasil tem sido bombardeada pela ala mais conservadora e assustadoramente crescente da sociedade. Claramente, tem servido de boi de piranha para a política, mesmo sendo ela tão naturalmente "política" - assim, na atualidade nacional, falar dos riscos de pedofilia oferecidos por um artista performático nu e por uma exposição queer, ou atacar uma das sumidades dos debates transgênero no mundo, afasta as atenções do que é realmente urgente discutir: a sambada na nossa cara pelos corruptos, uma prática cada vez mais escancarada enquanto um bando de embasbacados corre na outra direção gritando palavras de ordem e moralidade/moralismo.
Isso tudo deve fazer pensar: afinal, para que serve a arte? De novo, penso nessa "serventia" em oposição ao pensamento utilitarista que tudo toma. As respostas têm sido as mais estapafúrdias possível, passando longe do conceito da arte como provocação ao pensamento, à emoção, ao debate inteligente. À simples expressão artística, do modo de ver o mundo de alguém diferente de nós.
Gente que nunca foi a um museu tem se arrogado o papel de juiz dos valores artísticos. Em São Paulo, a página do Sesc Pompeia, um oásis na Pauliceia doriavada, tem sido atacada pelos extremistas de direita, que veem na palestra de Judith Butler uma "ameaça às crianças". Oi? Cedendo a pressões desses extremistas, o Masp decidiu proibir para menores de 18 anos uma exposição que trata de sexualidade. Ou seja, a liberdade, que deveria ser uma premissa de qualquer forma de arte, vai sendo escamoteada pelo progresso da ignorância. A democracia está sendo soterrada, e não deve causar estranheza que os ataques que provocam sua derrocada sejam justamente contra o conhecimento, na forma da arte, da ciência (que perde cada vez mais incentivos no país), da educação e da cultura. Não é a primeira vez na história (vide o conceito nazista de Arte Degenerada), infelizmente não será a última.
A arte é um grito, um rasgo, uma pedrada numa janela para deixar entrar luz numa sala escura. A arte nos permite respirar, pensar, concordar, discordar, nos desperta. Ela é a forma mais refinada de distinção dos outros animais a que podemos almejar. Deixar que se cale a arte é abrir mão de nossa humanidade, é nos conformarmos com o adestramento coletivo puro e simples.

Malévola e o feminismo

Outro dia assisti a Malévola, uma releitura de Robert Stromberg para a fada má de A bela adormecida, protagonizada pela bela e talentosa Angelina Jolie. Já tinha achado o trailer interessante, mas demorei a ver, aproveitando agora a oportunidade de tê-lo no Netflix.
E adorei. Tudo é muito bem-feito, a atuação de Jolie não decepciona e, ainda por cima, o roteiro é um libelo feminista em tom de conto de fadas. O amado de Malévola corta-lhe literalmente as asas, algo que vemos as mulheres sofrerem todo dia, na forma de mutilações físicas e psicológicas. Ela perde parte de seu poder mágico, mas não sua inteligência. Perde também parte de sua capacidade de amar, mas irá recuperá-la nos cuidados (inicialmente não bem-intencionados) com sua afilhada, Aurora.
O beijo de amor verdadeiro que salva Aurora, aliás, não é o do príncipe (spoiler forte, lo siento), mas o que Malévola lhe dá quando a julga perdida para sempre por sua maldição. E é Aurora quem lhe devolve as asas cortadas e, portanto, seu poder, sua identidade. Isso me fez pensar na rede de amor necessária entre mulheres contra a opressão machista.
Por fim, Aurora resolve viver com sua madrinha, e não no palácio. Malévola recupera seu poder e vive satisfeita num lugar não regido por homens, aliás, um lugar onde ninguém se sobrepõe a ninguém. Um final realmente feliz, com cada um sendo quem deseja ser, e não o que se espera que seja.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Longe da perfeição, perto da alegria

A arte e a beleza ainda são antídotos para tempos tenebrosos como estes que vivemos. Especialmente porque criar nos coloca em contato com o nosso eu mais profundo, com aquilo que importa, no sentido de ser "trazido para dentro".
O novo encontro com o Matizes Dumont veio reforçar a importância desse criar. Sem pretensões à perfeição, mas numa busca decisiva da alegria.

domingo, 22 de outubro de 2017

Combinação explosiva: pâte à choux e chocolate

Hoje foi dia de éclair. Nunca tinha feito pâte à choux, a massa cozida da bomba, da carolina, do paris-brest... Na verdade, nem é difícil, o preparo é até rápido, mas chegar ao éclair-bomba propriamente dito demora um pouco por conta das diferentes etapas (fazer e gelar crème pâtissière, preparar a massa, assar até dourar, fazer um fondant ou ganache para cobrir). Como não tinha bico de confeiteiro maior, minhas bombas ficaram mais magrinhas, e algumas não deu para abrir e rechear. Mas o ponto ficou exato: bem assadas, aeradas e com aquele vaziozinho deixado pelo ar quente.
Usei a receita da Mariana Sebess para a massa, a da Rita Lobo para o creme de confeiteiro de chocolate e criei uma ganache com chocolate picado, creme de leite e um pouco de manteiga para dar brilho. Adorei o resultado dos meus éclairs rústicos.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

O doce e achocolatado sabor do pão australiano

Amo pão australiano e seu gosto doce e achocolatado. Ainda não tinha tentado fazer, mas de tanto comprarmos pão australiano da Limiar, uma (boa) marca industrializada local, resolvi que era hora de achar uma receita doméstica.
Encontrei uma no site paorustico.com - o único senão é quanto ao preparo: como se pede para misturar todas as farinhas e a água e o fermento somente depois, desconfio que por isso (o fermento não ser previamente ativado) o pão cresça pouco. Mas o sabor é incrível!
No Desafios Gastronômicos, achei outra receita, com o fermento sendo ativado antes e sem uso de farinha de centeio - que, embora eu adore, é muito cara por aqui. Até usei na receita, mas em termos de custo não vale a pena.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Mjadra

É difícil para mim escolher uma comida favorita. Eu gosto de muitas. Gosto de comida. Mais fácil é dizer do que não gosto - fígado, talvez. Mas uma culinária que me atrai bastante é a árabe/síria, com todos os seus temperos.
Outro dia fiz mjadra, o arroz com lentilhas e muita cebola caramelizada. Até congelei o que sobrou. Costumo fazer a lentilha e o arroz separados e então juntá-los na hora de colocar as especiarias (cravo em pó, canela em pó, noz-moscada, sal, pimenta-do-reino, summac e às vezes coentro em pó).
Desta última vez, fiz com arroz integral, mandei ver nos temperos e preparei numa frigideira grande, quase uma paellera. Fiz como se fosse paella ou risoto, e demorou bem mais a ficar pronto - quando o arroz estava quase al dente, acrescentei a lentilha, que custou a cozinhar. Mas, desse modo, ela não ficou mole demais, o cozimento dos grãos foi mais uniforme. Também tenho deixado a cebola dourar em fogo baixo (poderia ter ficado mais amarronzada, mas a fome bateu antes). Mil técnicas. 

Feijuca de aniversário

A primeira feijoada que fiz, com direito a post aqui, foi a pedido de Guga. De lá pra cá, fui me aperfeiçoando. E a feijuca de aniversário que fiz para ele foi a mais longamente preparada, comme il faut.
Comecei na véspera, dessalgando as carnes (lombo defumado, salpresa e charque) de hora em hora, colocando o feijão de molho por umas 2 horas antes do cozimento - desta vez, a proporção de feijão foi maior que a de carne.
Depois de limpar as carnes, tirando o excesso de gordura, fui colocando cada tipo de uma vez no feijão já em cozimento, com intervalos de meia hora entre um tipo e outro, os embutidos (linguiças portuguesa e calabresa) no final. Acrescentei água de quando em quando, para o cozimento ser lento e gradual. Entre o início do processo e o cozimento, foram 10 horas. Daí, fui dormir, enquanto a panela emprestada da sogra ficou sobre o fogão, maturando a mistura, realizando a alquimia própria dos pratos "cozidos".
No outro dia, já cedo, fervi a feijoada (para não azedar), enquanto preparava alho picado e cheiro-verde para o tempero. E só. Nada de cebola. Nem de sal. Retirei parte do caldo para bebermos à parte, batido com alguns grãos. Mais umas 3 horas até considerar "pronta" a feijoada. E ficou uma delícia!

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

Arquivo do blog