Merecidamente, Parasita, do diretor sul-coreano Bong Joon-ho, levou este ano o Oscar de melhor filme, além de ter vencido em outras categorias. A família que mora em um porão na periferia da grande cidade e faz planos mirabolantes para tirar vantagem da súbita proximidade de uma família rica nos conquista de cara e logo estamos torcendo por ela, para que ela consiga minimizar um pouco a desigualdade que a mantém nos porões da sociedade. Aliás, uma história como essa ganhar um Oscar é talvez mais incrível que um filme oriental levar a estatueta - é quase como se tivéssemos vencido com Central do Brasil, a injustiça histórica, ou Cidade de Deus.
Seguindo uma temática parecida, temos o menos dinâmico mas igualmente provocador Assunto de família, do japonês Hirokazu Koreeda, produzido pela Netflix. Uma outra família à margem da sociedade ultraconsumista sobrevive com pequenos golpes e furtos. Para mim, a novidade foi mostrar não um Japão de tradição milenar e com milhares de pessoas a caminho do trabalho na megalópole ultraeficiente e brilhante, e sim um país que não dá conta, ele também, de suas contradições capitalistas. Nada de pessoas cometendo seppuku/harakiri porque foram malsucedidas ou desonradas no trabalho ou no vestibular: o fracasso é naturalizado nas moradias tão parecidas com as favelas dos países subdesenvolvidos. Apesar de tudo, a família Shibata tem rompantes de solidariedade e até acolhe uma menininha que sofre abuso dos pais (como acontece muito nos países subdesenvolvidos). Como na vida, porém, nada é um conto de fadas para ter final feliz, e logo segredos vêm à tona para tirar à família a ilusão da estabilidade. Ótimo, ótimo filme.
Aliás, não é de hoje que há produções a respeito do tema, só não se olha muito para elas. O documentário À margem da imagem, de Evaldo Mocarzel, de 2003, já escancarava essa realidade para quem quisesse de fato ver. Moradores de rua de São Paulo contam suas histórias, e trazem à tona família, religião, desilusão de quem não é enxergado na megalópole, nem considerado pelos governantes em nenhuma esfera. Mas é um documentário, coisa de intelectual comunista, gente chata que gosta de pobre, então não fez tanto sucesso.
O fato de produções com muito dinheiro tratarem do tema mostra a que ponto chegamos em termos de desigualdade social. Isso é mérito da arte: mostrar as realidades recriando-as. Só não vale, no atual contexto de arte=entretenimento, achar que a miséria é pura estética, só um mote para fazer um ótimo e até divertido filme, caso de Parasita. Nesse sentido, a produção nipônica se aproxima mais da ideia de arte como instrumento de despertar, de produzir empatia, essa capacidade humana cada vez mais esquecida.
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