Sei que essa revelação pode ser um tanto chocante para muitas pessoas, porque, afinal de contas, escolhi ser historiadora. Em tese, uma profissional da memória (já adianto que não sou boa com datas ou nomes de generais, que me saio melhor com encadeamento de fatos). Além disso, sou de Câncer, um signo que os astrólogos dizem valorizar o passado e a memória. Os mesmos astrólogos concluiriam então que meu problema é ter Vênus em Gêmeos, signo um tanto distraído e algo "superficial". Sabem como é: interesses múltiplos, gostar de gente, viajar física e mentalmente... O caos. Mas a memória em si sempre me fascinou, principalmente o que nela é "exato" ou não.
De fato, o que me interessa me toma por completo. Do que não interessa, esqueço ou pouco retenho. E não tenho pudores de admitir, de consultar as bases para dar uma resposta precisa (culpa de eu ser educadora - mas como pode uma educadora desmemoriada? xiiiii!). Em compensação, vejo uma constelação de ideias à minha volta quando tenho que falar ou escrever sobre um assunto que me seja caro. Talvez pareça superficial, porque é fácil e prazeroso. Talvez eu consiga reunir os diferentes tipos de memória de que fala Bergson, seja isso bom ou ruim.
Algo que me consola é João Cabral de Melo Neto, com sua poesia tão exata, ter falado em um profissional da memória. Ainda por cima, em Sevilha, que me traz tantas sensações à lembrança.
Alguns trechos:
Assim, foi entretecendo
entre ela, e Sevilha fios
de memória, para tê-las
num só e ambíguo tecido;
foi-se injetando a presença
a seu lado numa casa,
seu íntimo numa viela,
sua face numa fachada.
entre ela, e Sevilha fios
de memória, para tê-las
num só e ambíguo tecido;
foi-se injetando a presença
a seu lado numa casa,
seu íntimo numa viela,
sua face numa fachada.
[...]
A lembrança foi perdendo
a trama exata tecida
até um sépia diluído
de fotografia antiga.
Mas o que perdeu de exato
de outra forma recupera:
que hoje qualquer coisa de um
traz da outra sua atmosfera.
Encharcando o já molhado, ele sabia das coisas.