sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

O abuso sob novas lentes: três filmes contemporâneos

O que Susanna Jones, Paula Hawkins e Gillian Flynn têm em comum? São escritoras de língua inglesa (duas britânicas e uma americana), na faixa dos 45-50 anos, que tiveram livros adaptados ao cinema com grande sucesso. Suas respectivas obras, The Earthquake Bird, The Girl on The Train e Gone Girl, se tornaram filmes de suspense - sim, o gênero também é o mesmo - capitaneadas por atrizes de sucesso (sim, são protagonistas femininas) e dois deles até concorreram a categorias do Oscar.
Mais que tudo isso, porém, são autoras cujas obras tratam de relacionamentos abusivos (Flynn é também autora do excelente Sharp Objects, que virou série na HBO com a maravilhosa Amy Adams). As protagonistas não são heroínas no sentido clássico; são figuras trágicas, vulneráveis, submetidas de algum modo a um homem e conhecedoras na prática de termos como mansplaining, gaslighting, bropriating. Estou falando desse abuso psicológico tão cotidiano que todas nós já vivenciamos em algum momento, e não do abuso mais óbvio e fisicamente violento, como, aliás, podemos ver em outros filmes e séries baseados em livros de mulheres - A cor púrpura, na obra da americana ganhadora do Pullitzer Alice Walker, O quarto de Jack, na da irlandesa Emma Donaghue, e Big Little Lies, no livro da australiana Liane Moriarty, só para ficar em três exemplos célebres.
O fato é que o abuso psicológico parece servir melhor ao thriller. Vejo ecos de Patricia Highsmith em cada um desses filmes - embora ela se caracterize mais pela amoralidade, frieza e até crueldade de seus personagens, lá está o abuso, sem maiores explicações ao leitor, desenhando as relações de poder entre classes e gêneros.
Talvez hoje as relações abusivas me chamem mais a atenção do que em outros tempos. Ou melhor, hoje me permito me sentir claramente incomodada com elas. Mas também acho que elas têm ganhado mais destaque, mais tintas, nas mãos dessas autoras - a mulher não é mais apenas um joguete, uma boneca, uma vítima nos filmes de suspense. Mesmo nos filmes de Hitchcock, que eu adoro, a mulher é um mistério, não alguém com dilemas existenciais, quando não apenas uma cópia de outra (vide Vertigo). O que Jones, Hawkins e Flynn trazem de novo é uma mulher al borde de un ataque de nervios, porém sem risos - uma vítima em vias de reagir, de cair com os punhos sobre seu opressor. Se ela vai conseguir? É preciso ler, assistir a essas obras, e a todas que vierem, para saber e se inspirar.

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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