Hoje é dia da amizade, uma data pra celebrar todo-santo-dia, porque se não fossem os amigos de sempre para nos lembrar quem somos, para nos desafiar, para tirar nossa cabeça de dentro d'água ou do buraco de avestruz, realmente não sei o que seria.
Sorte de quem tem sua matilha. Eu tenho, e fiz questão de recuperá-la mesmo de longe. A importância dessa matilha para mim ficou mais clara, bem delineada, depois de finalmente eu ter terminado de ler, com muitas idas e vindas, o livro da Clarissa Pinkola Estés, Mulheres que correm com lobos.
Quem me falou desse livro pela primeira vez foi Karen, há muitos anos. Confesso que tive o mesmo preconceito que algumas amigas têm ainda hoje, especialmente as mais intelectuais - achava que era mais um livro de auto-ajuda. Fiquei surpresa de Karen ter se interessado por ele, ainda mais com um nome piegas desses, e não entendi bem do que tratava o livro quando ela me explicou, embora lá no fundo, bem no fundinho, tenha ficado uma inquietação. Mas ainda não era a hora.
Em algum momento, esse livro voltou em alguma conversa, aí já necessário, fazendo todo sentido do mundo. Não me lembro se foi junto com a terapia, mas certamente foi quando se agudizou minha percepção de que o meu ser mulher neste mundo se chocava com os estereótipos femininos patriarcais; talvez tenha sido quando também comecei a bordar, porque coincidências não existem, o que existe são sincronicidades. O que importa é que o livro voltou, engrandecido, investido de clara importância como se claramente importante sempre tivesse sido.
Como tudo que é importante, esse livro que trata da importância da mulher selvagem, da matilha formada por outras mulheres, da necessidade de romper os ciclos de opressão exige tempo para ser digerido. Não sei quanto tempo levei entre começar, recomeçar algumas vezes e, por fim, terminar a leitura. Ao fim, ainda descobri, por intermédio da postagem de uma amiga, que havia um podcast, iniciado em 2017, "Talvez seja isso", que destrincha o livro em uma leitura comentada por duas jovens gaúchas. Ouço o programa, agora já paramentada do conteúdo, enquanto bordo - não por acaso.
Para além da necessidade de renascer sempre a partir do que parecia morto, me salta aos olhos no livro e no podcast a necessidade de fazer parte da matilha, como já disse. Nunca me esqueço (e isso me aquece cotidianamente o coração) da importância das amigas em momentos bem difíceis da vida, mergulhada em dor, desamparo e dúvida quanto ao futuro. Sempre havia uma amiga - e eu incluo aqui irmãs, mãe, sogra - para iluminar o caminho, estender a mão, trazer um conselho sábio. Até trazer fogão, botijão, panelas e pratos para a amiga recém-mudada que não tinha quase nada. Ou ajudar em outra mudança, carregando computador, televisão e sabe Deus o que mais no carro. Ou chamar para um café no meio da tarde angustiada e oferecer os ouvidos mais que atentos. Ou, ainda, oferecer um Gatorade e bolachas para alguém febril e moribunda após uma infecção intestinal. Ou rir ou chorar junto, ou tudo ao mesmo tempo.
A minha sensação é de estar sempre em débito. Minha matilha me dá muito mais do que eu ofereço em troca. Mas o que dou talvez seja o meu melhor, ao menos até aqui: meu amor e minha gratidão. Essa certeza eu acredito que elas têm.