A população mundial cada vez mais é composta de velhos, em comparação com as demais faixas etárias. O Brasil, mergulhado nas suas desigualdades históricas, acompanha como pode esse fenômeno. Parece um contrassenso caminharmos para o ápice da pirâmide etária, para a maior expectativa de vida, ao mesmo tempo que o planeta vai cada vez menos deixando de ser um lugar viável para a humanidade - não nos esquecendo, claro, que a culpa dessa inviabilidade é quase toda nossa.
Não é à toa, portanto, que há um interesse crescente nessa população, tanto em termos de pesquisa quanto em um viés consumista. Por fim, surgiram produtos voltados para o público 50-60-70+, e não apenas medicamentosos e geriátricos. Produtos ligados à saúde, ao bem-estar, à beleza, próprios de gente que tem escolhido se cuidar e viver mais e melhor - claro que, para quem pode pagar, sempre há de tudo, em qualquer faixa etária, não nos esqueçamos também disso.
Em termos de pesquisa, tem havido uma distinção entre senescência e senilidade. A senescência tem a ver com o fenômeno natural de envelhecimento, enquanto a senilidade indica doenças e limitações que vitimam os idosos. Essa distinção deve ajudar esse grupo nas tratativas com planos de saúde, já que não necessariamente ser velho é sinônimo de ser doente, mas principalmente faz com que a sociedade volte sua atenção para essas pessoas, que continuam a existir, e naturalize o envelhecimento.
No cinema, a arte visual mais popular, cada vez mais vemos protagonistas mais velhos. Não como um ator velho que é convidado para aquele papel, sobretudo homens à la Clint Eastwood. Agora é a situação de uma pessoa velha que está em pauta. O que fazem os velhos, onde vivem? Estas são as questões que estão na ordem do dia. Outro dia falei sobre o filme Nyad, com Annette Bening no papel da nadadora de mais de 60 anos que faz uma travessia marítima desafiadora. Temos visto atrizes que eram musas pedindo para não terem sua aparência retocada, disfarçada. Jodie Foster, que participou da Nyad e foi protagonista da nova temporada de True Detective, mostrou cada uma de suas rugas em cena. A também sexagenária e belíssima Isabella Rosselini pediu para não usar maquiagem na capa da Vogue. Ontem assisti ao excelente Boa noite, Leo Grande, com a querida Emma Thompson, que retrata uma mulher madura, viúva, que resolve contratar um garoto de programa em busca de experiências que ela nunca teve na vida, inclusive um orgasmo. Boa parte da fala de Thompson é sobre como a mulher que envelhece é vista, e ela inclusive se mostra, nua, com as tintas da senescência natural humana.
Mas o fato é que encarar a velhice não é fácil, principalmente a fragilidade que vem a reboque. No adorável filme Ella e John, um casal de idosos resolve pegar a estrada, mesmo com todas as limitações da senilidade - cardiopatia, Alzheimer, dificuldade em dirigir. No mundo real, além de notícias de pessoas queridas que encararam ou encaram recentemente alguma doença, passei três semanas com minha mãe, que se recuperava de uma cirurgia num dos joelhos após uma queda. Embora ela praticamente não me tenha dado trabalho - conseguia andar, mesmo muito devagar, tomava banho sozinha, tomava seus inúmeros medicamentos, aplicava insulina -, foi muito aflitivo constatar o seu envelhecimento com várias limitações, como diabetes, cardiopatia e pressão alta, além de ela enxergar pouco, o que explica muitas das suas quedas. Creio que, além de me angustiar como será a vida de minha mãe daqui até o final (e então vêm todos os imbróglios familiares imagináveis), o mais difícil foi ver nela um espelho, e também pensar em como será envelhecer em uma realidade tão caótica, talvez mais precária que hoje. Imaginar o futuro tem sido angustiante em vários sentidos, portanto.
Então ontem, enquanto pensava mais uma vez e cada vez mais em possibilidades pouco animadoras, eu a vi, a pequena borboleta, pousada na rede de proteção. Resistindo ao vento, que tem sido forte nessa época que já anuncia chuvas mais intensas. Existindo, resistindo, talvez descansando, talvez se preparando para novo voo, mas principalmente sendo o que nasceu para ser. Como em outros momentos da minha vida, uma beleza alada apareceu para lembrar dos ciclos a que estamos sujeitos, entre nascer e morrer, passado e futuro. Mas, no meio disso tudo, o presente, o conhecido, o inescapável viver.
Então ontem, enquanto pensava mais uma vez e cada vez mais em possibilidades pouco animadoras, eu a vi, a pequena borboleta, pousada na rede de proteção. Resistindo ao vento, que tem sido forte nessa época que já anuncia chuvas mais intensas. Existindo, resistindo, talvez descansando, talvez se preparando para novo voo, mas principalmente sendo o que nasceu para ser. Como em outros momentos da minha vida, uma beleza alada apareceu para lembrar dos ciclos a que estamos sujeitos, entre nascer e morrer, passado e futuro. Mas, no meio disso tudo, o presente, o conhecido, o inescapável viver.