Um dia desses, finalmente assisti ao filme Histórias cruzadas, de Tate Taylor. O título original é The Help, que parece dar mais conta do seu sentido profundo, não só do imediato. Não é só uma história sobre histórias que se cruzam, mas uma história de alguém que, ao ouvir os relatos e dramas de uma porção de mulheres subjugadas pelo preconceito racial e portanto econômico, sai, mesmo sem pretender tanto, em seu socorro. "Help" tanto pode se referir a isso, ao socorro, à ajuda, mas também à própria condição daquelas mulheres, de "ajudantes" - no caso, os verdadeiros e não reconhecidos braços direitos dos brancos ricos norte-americanos.
Esse filme é lindo e necessário, porque mostra o encontro transformador de duas realidades que confrontam as convenções, a da moça branca que deseja ser livre dessas convenções e a das mulheres negras que são alijadas de sua liberdade. E me fez pensar muito no sentido da compaixão como um sentimento que engendra a libertação - quem se compadece ajuda o outro a se libertar, e não a se entronizar como coitadinho. Assim é com a empregada que repete, como um mantra, para a pequena filha de sua patroa: "You're kind, you're smart, you're important". Porque percebe o desamor que cerca a criança, e em lugar de vê-la como sua futura opressora planta a semente da compaixão, mesmo não vendo saída para si própria. O socorro está aí também, nessa medida simples e essencial.
Compaixão, portanto, não tem a ver com lógica, com razão. É puro sentimento, é só um estar junto, saber que a ferida do outro dói, ponto. Às vezes é só disso que precisamos, por instantes - não é a solução para um problema cuja resposta já sabemos, mas é uma espécie de bálsamo para que, feridos, ainda consigamos correr alguns metros em direção à saída, à libertação.
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