Sempre que visitava o site da Netflix me chamava a atenção o banner da série
Queer Eye, produção original da plataforma. Não sabia exatamente do que se tratava, embora a temática parecesse óbvia. Então resolvi assistir um episódio. Fiquei apaixonada! Os Fab Five, Jonathan, Tan, Karamo, Bobby e Antoni, cada um responsável por uma área na "repaginada" de pessoas comuns, são mesmo maravilhosos. Diferentemente de outros programas do tipo, não estão preocupados em jogar fora as referências de ninguém, mas sim em valorizar o bem-estar das pessoas nas diversas áreas - autoimagem, autoestima, convívio familiar e social, o que envolve mudanças/melhorias no visual, nos cuidados pessoais, na alimentação, no ambiente, nas relações. Os fabulosos também compartilham suas experiências de exclusão e aceitação e aprendem enquanto ensinam, e nos emocionam enquanto transformam a vida de duas irmãs cujo churrasco é um sucesso, a senhora religiosa e amorosa que tem um filho gay e quer reformar um centro comunitário, o homem trans que rompeu com a família, a menina também expulsa do lar adotivo ao se assumir lésbica, o caminhoneiro de coração gigante que não acredita haver jeito para sua feiura, o gerente de um camping que usa camisas furadas e deseja retomar o contato com o filho adolescente. O que vejo de mais importante nesse programa é como ele ajuda a desconstruir estereótipos sobre o público LGBT - são pessoas comuns, profissionais de todas as áreas, com família, amigos, casa, em busca de seus sonhos, de paz, amor e aceitação. Ponto. Digam adeus à ideia de que gays e lésbicas só vivem na balada e só querem saber de drogas e sexo e bafos.
Me parece que o processo de desconstrução de imagens tem sido bem amplo, não só na direção do público LGBT. Tenho visto muitas produções no cinema e na TV que mostram pessoas comuns, uma diversidade cada vez maior na criação de personagens, inclusive entre os protagonistas. As mulheres, por exemplo, que durante tanto tempo foram mais pretextos que protagonistas, não só começaram a ganhar destaque nesse sentido como também têm deixado de ser retratadas como divas. Se Sandra Bullock mostrou que uma mulher bonita pode ser engraçada, Melissa McCarthy ensina que uma mulher engraçada - e gorda - pode ser a estrela de seu filme. Adoro Melissa McCarthy! Com certeza, graças a ela e outras atrizes comediantes, tem havido mais filmes com personagens com as quais podemos nos identificar - como no divertido Entre vinho e vinagre, que vi outro dia também na Netflix, com a ótima Maya Rudolph, que aliás contracena com McCarthy e Kristen Wiig (duas das Caça-Fantasmas) no hilário Missão Madrinha de Casamento. Essas atrizes têm nos ajudado a ver suas personagens não apenas como mulheres feias ou bonitas, magras ou gordas, glamourosas ou engraçadas, frágeis ou fortes, mas como mulheres acima de tudo. Porque as questões que trazem ao centro de seus papéis são questões femininas.
Há mais diretoras também, embora numa proporção muito menor que a ala masculina. Aliás, muitas atrizes têm se tornado roteiristas, produtoras e diretoras de seus filmes, atalhando assim o resultado de suas obras. Contudo, para além de Eliane, Laís, Anna, Tata, Petra - para citar só diretoras brasileiras -, o caminho ainda é longo.
Também os negros têm sido melhor representados no cinema. Como heróis, protagonistas, atores e diretores, e não só serviçais, coadjuvantes. Aqui o caminho também é muito, muito longo, mas mostra que fazer barulho tem resultados - caso dos protestos de atrizes e atores negros no Oscar. Embora ainda seja tabu, o racismo tem cada vez mais sido confrontado, inclusive como temática contemporânea - se Mississipi em chamas (Alan Parker) já cortava na pele, o excelente Corra! (Jordan Peele) cria a alegoria mais próxima do real que pode haver. Mesmo o belo filme islandês Inspire, expire, dirigido por uma mulher, Ísold Uggadottír, traz uma mulher negra como uma das protagonistas - ela, irmanada à personagem branca por serem ambas párias na sociedade contemporânea, mas por isso mesmo solidárias uma à outra.
Só tenho a dizer: o protagonismo mudou de mãos, bebês! Enfim!