Outro dia, minha cunhada comentou sobre a entrevista de Carla Madeira no Roda Viva e disse que tinha se interessado em ler seu livro Tudo é rio. Lembrei-me de já ter topado com o título em algum momento e também ter me interessado pela história (que já não lembrava) e pelo título (porque, embora tenha medo de águas escuras de rio e um temor recente do mar, amo a imagem das águas). Ainda nem sabia que Carla Madeira, escritora e jornalista mineira, tinha se tornado uma das autoras mais lidas do país.
Carol propôs então que todas nós (eu, ela, Nana e minha sogra) lêssemos o livro para conversar sobre ele. No meio de uma tarde de muito tédio com um trabalho chatíssimo, que já passou da hora de ter fim, comecei a ler. Não consegui parar até terminá-lo, em dois dias.
A experiência que tive, de chegar às lágrimas, me fez lembrar de outros livros igualmente devorados. Eu ouviria as piores notícias dos seus lindos lábios, do Marçal Aquino, tem uma energia parecida, de encontro e desencontro de amantes, uma pitada de tragédia e uma ponta de esperança. Mas Tudo é rio tem mais personagens interessantes, todas construídas com um cuidado carinhoso da autora - a gente se sente próximo de todo mundo ali, quase adentrando as casas para um cafezinho. Embora não se diga onde se passa a história, imagino que seja em uma pequena cidade mineira. Talvez a casa de Manu pudesse abrigar a própria Hilda Furacão, mas abriga Lucy, a personificação do desejo sem limites.
O livro de Carla foi além das minhas experiências intensas anteriores porque não me emocionou somente por identificação com a situação emocional de uma personagem (por exemplo, quando tirei da estante da biblioteca da FFLCH - que saudade daquela biblioteca! - A paixão segundo G.H. foi porque a lombada do livro praticamente se atirava sobre mim, e desde a primeira página foi um turbilhão, a liberação de um mar de lágrimas, pois Clarice falava diretamente comigo, naquele momento, naquela imensa solidão). Também não foi porque me identificasse com um aspecto específico das personagens - como a miopia de Miguilim em Campo geral, e os óculos que são passaporte para um novo mundo, uma outra viagem, agora sem o irmão e companheiro Dito. Poderia, talvez, dizer que Tudo é rio me provoca algo parecido com o experimentado em Ensaio sobre a cegueira, de Saramago, quanto ao poder de uma mulher, a única a ver, e a luz que há na solidariedade, que sempre, sempre me emociona - no livro de Carla Madeira, há mãe e filha com clarividência no sentir, portadoras do milagre do perdão.
O que quero dizer é que, para além das minhas conexões aparentemente forçadas entre este livro e os outros, o de Carla me tocou profundamente porque é tão bem escrito que nos leva a caminhar, amar, viver como as personagens, e essa sensação de adentrar uma história sem ser totalmente tomada por um tsunami há tempos eu não tinha. Não fui só levada pelas águas - o rio de Carla Madeira, mesmo com vórtices de paixão, me permitiu também nadar junto, respirar na superfície, descansando na narrativa (uma espécie de trégua?), e assim observar a paisagem ao redor e também a interior, sem perder um minuto de toda sua beleza.