Há uns quatro anos topei com As luas de Júpiter na Livraria Cultura. Gostei do título, não conhecia nada da canadense Alice Munro (que nos deixou este ano), embora o nome não me soasse estranho. Mas foi só há dois anos que fui atrás do título pelo Kindle. Comecei a ler muito tempo depois, e parei. Retomei o ano passado, achando, por algum motivo, que tinha relação com a inglesa Virginia Woolf, cujo Um teto todo seu eu tinha acabado de ler.
Talvez a única relação com Woolf tenha sido a de um conto, "Dulse", tratar justamente de uma editora, uma quase poeta. Aliás, conto dolorido em vários aspectos - a mulher desajeitada de si mesma, querendo caber no universo de um homem que ela nem sabe se é essa cocada toda etc. Talvez esse malajambramento é que tenha me remetido a Woolf, que defende em Um teto todo seu que a mulher tenha autonomia, que tenha direito a um espaço tranquilo para desenvolver seus talentos, sem ficar presa à rotina de cuidados imposta pelo patriarcado. Virginia, tão à frente do seu tempo, vista apenas como louca por muita gente - aliás, fui ver a montagem de Claudia Abreu com texto escrito pela atriz; talvez, para quem não sabe muito de Virginia Woolf, tenha ficado só a impressão de que foi uma escritora suicida, que não batia bem dos pinos.
Na forma muito diferente de Woolf e Munro, a poesia da norte-americana Mary Oliver também me chegou outro dia, já não sei por que vias. Oliver se inspira muito na natureza, nos ciclos naturais, num certo apaziguamento diante da vida quando integrada à natureza. Mas vejo-a em perfeito diálogo com as outras duas, talvez aconselhando-as em suas aflições, apoiando-as em suas decisões. Dizendo a Woolf que tudo vai ficar bem, ajudando a personagem de Munro a se reconectar consigo. Como no poema "The Journey", que me atrevi a traduzir e que veio até mim na forma de um clarão (como a maioria das coisas que importam):
Um dia,
você enfim soube
o que
tinha que fazer, e começou
embora
as vozes ao seu redor
continuassem
gritando
seus
maus conselhos
embora a
casa toda
começasse
a tremer
e você
sentisse
o velho
puxão nos seus tornozelos.
“Conserte
minha vida!”,
cada voz
gritava.
Mas você
não se deteve.
Você
sabia o que tinha que fazer,
Embora o
vento se infiltrasse
Com seus
dedos rígidos
Até as
mínimas fundações
Embora a
melancolia delas
Fosse
terrível.
Era já
bastante tarde, e a noite selvagem,
E a
estrada repleta de galhos caídos e pedras.
Mas,
pouco a pouco,
À medida
que você deixava as vozes para trás,
As
estrelas começaram a queimar
Através
das camadas de nuvens,
E havia
uma nova voz
Que você
lentamente
Reconheceu
como sua,
Que
ficou em sua companhia
Enquanto
você caminhava
Mais e
mais profundamente
No
interior do mundo
Determinada
a fazer
A única
coisa que você poderia fazer.
Determinada
a salvar
A única vida que você poderia salvar.
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