segunda-feira, 28 de abril de 2025

Pastel de choclo

Como a banana-da-terra, milho também é uma maravilha. Mesmo não sendo o alimento mais digerível do planeta, é uma delícia. E tem essa identidade indígena indiscutível, dividindo o posto de alimento da terra com a mandioca/aipim/macaxeira. 
Nos países andinos, o milho impera. Eu, que já fui confundida com uma chilena, resolvi fazer esta semana o pastel de choclo, para variar o cardápio. Carne moída bem temperada, enriquecida com ovos cozidos e coberta com um purê de milho. Perfeição. Já que não vou ao Chile tão cedo, que venha ele a mim.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Nhoque delícia de banana-da-terra

Banana-da-terra é tudo de bom. Frita, assada, no microondas, como cartola, purê para acompanhar frango ou peixe, cobertura para escondidinho ou torta de carne de sol ou fumeiro. Só isso já seria incrível, mas daí a gente recebe uma receita de nhoque de banana-da-terra e parmesão, puro umami. A consistência é perfeita, o sabor é perfeito. Nunca mais deixarei de ter banana-da-terra em casa.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Eu sonho, tu vês

Na semana passada, fui cortar cabelos na companhia de Liu. Ela quis ir comigo porque eu não conhecia o lugar ("uma portinha", disse ela), na região da Avenida Sete. Eu achei ótimo, porque é sempre maravilhosa a sua companhia. 
Depois de deixar com Roni o menor valor que já paguei por um bom corte na minha vida, fomos almoçar nos Barris e jogar conversa dentro. Entre tantas coisas, contei um sonho recorrente com ondas gigantes, eu me protegendo atrás de uma porta após ter avisado todo mundo da chegada das ondas. Falamos também sobre a importância de criar, da arte na vida humana.
Qual não foi minha surpresa ao receber na manhã seguinte uma colagem representando meu sonho! Ela incluiu a onda de Hokusai, a porta, tudo com um senso espacial e estético notável. Mais um talento descoberto, o que é sempre uma alegria. 
Esse episódio tem tudo a ver com minha sensação nas aulas da pós, da necessidade do apoio coletivo, e com o que Cely sempre falava, lembrando os versos de João Cabral, sobre "tecer a manhã". Não é possível construir a realidade que queremos por outra via que não a coletiva, com cada uma e cada um contribuindo com seu ponto na tessitura. Eu sonhei, mas foi Liu quem enxergou dessa vez. A coletividade é esse sonhar e enxergar e construir junto.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Alegria e tristeza de Chico

Na semana passada, fui assistir à maravilhosa Angela Velloso, acompanhada do papis Duarte Velloso, no Cinesom, cantando Chico Buarque. Angela aplicou sua verve jazzística às músicas de Chico e ficou tudo lindo. Chico, o geminiano tímido com ares traquinas, ficaria feliz da vida. Certamente não gostaria de saber, contudo, que, quando Duarte Velloso puxou um "sem anistia", não recebeu de volta o coro comme il faut, como seria de se esperar de uma plateia que sabia todas as músicas de Chico Buarque, sendo a maioria delas de cunho político. Eu fiquei escandalizada, imagine o poeta - passaria de um estado de euforia para enorme tristeza em segundos. 
Mas tudo bem, Angela, Duarte e Chico - nós, que rejeitamos a anistia para golpista, ainda estamos aqui.


terça-feira, 8 de abril de 2025

Emocionada

Mal começaram as aulas no Neim e já devo ter chorado uma meia dúzia de vezes, ouvindo aquelas histórias tão diversas e tão conhecidas. O que dizer, então, da professora Alba Motta, do alto de seus 93 anos, pioneira do núcleo, que venceu as dificuldades de locomoção para compartilhar conosco, com voz muito baixinha, suas histórias? E da presença da pequena Aya no salão da congregação da Faculdade de Direito, um espaço ainda não tomado pelas feministas? A melhor imagem dessa emoção são as mãos que se buscam na troca de afetos, na foto feita num dia intenso, dia de usar azul para vencer as demandas todas. Pelo menos por hoje, venci, vencemos. 

domingo, 6 de abril de 2025

Coisa de mãe?

Quando fui morar sozinha, minha mãe começou a cultivar um hábito que só se interrompeu quando mudei de estado - me presentear com panos de prato e linhas de costura. Não sei exatamente por que, mas imagino. As canetas, inclusive com meu nome gravado, tinham sido um hábito da época do colégio, mas ela me deu uma caneta chique quando me formei. 
Ela encontrou, este ano, um jeito de me presentear de novo, não com panos de prato, que talvez não valessem o custo dos correios, mas com jogos americanos, crochetados por sua talentosa irmã caçula. Enviou as seis peças de um lindo azul com duas canetas, para não perder o hábito, e numa caixa bonita de presente, com cores combinando. Já estou usando, claro. 
Eu já devo ter dito que sempre me senti mais mãe da minha mãe do que filha. Testemunhei a dificuldade dos meus irmãos na relação com ela, um ressentimento mais ligado à imagem cristalizada de maternidade vendida até hoje. Apesar da dificuldade que minha mãe tem em expressar afeto, que eu atribuo a uma questão cultural mas também familiar, sempre pensei em todo o esforço que ela fez por nós, sobretudo materialmente, não vendo limites, até se prejudicando, para nos manter vestidos, alimentados, equipados para os estudos. 
Quando ela ficou comigo por quase um mês tive acesso a outras camadas da sua personalidade, dos seus silêncios, da sua forma de reagir a violências na vida. Agora há ainda o envelhecimento, que a torna mais frágil, mas não menos teimosa em alguns aspectos. Mais e mais eu vejo em mim parecenças com ela, que, como as herdadas de meu pai, tenho que administrar. É interessante como me vejo mais herdeira de meus avós, muito mais por ter aprendido e apreendido coisas com seus exemplos, mas de meus pais vêm outras coisas, a que, mesmo não desejadas, é preciso dar um destino. 
A única coisa de que tenho certeza nesta vida é que temos que aprender a enxergar o que as relações nos trazem, de que forma se tecem os afetos e, mais importante, o que fazemos com eles. O jogo americano já está sobre a mesa, já me acompanha nas refeições e sempre me faz lembrar tudo o que minha mãe fez por nós, que, mesmo não sendo o que se esperava dela, era o melhor que ela podia fazer - o que, levando em conta o quanto as pessoas estão dispostas a dar de si, é muitíssima coisa, é maravilhoso.

A dona da voz

No ano passado, quando estive com Carlos, entre tantos assuntos da nossa conversa nunca longa o bastante, falamos sobre voz. Acho que o assunto começou porque ele comentou sobre minha capacidade de manter múltiplos interesses distintos do trabalho, como cantar. Daí passamos à questão da impostação da voz, da importância que isso sempre teve para nós, por motivações diferentes, mas com o mesmo fim: sermos ouvidos. 
Pequena ainda, devo ter percebido o efeito de falar alto e claramente nas primeiras declamações em público, depois na peça escolar. Mas, no decorrer da vida, ao mesmo tempo que ouvia que deveria trabalhar com a voz, havia quem dissesse que eu falava muito alto, que eu precisava me conter. Se, para Carlos, era importante impostar a voz para se colocar no mundo, no meu mundo feminino era preciso o contrário, não demonstrar força. Por bastante tempo, acabei reservando a potência somente para as situações em sala de aula.  
O canto, contudo, sempre esteve ali. Sem pretensões de brilho, mas por uma necessidade da alma. E quando cheguei a Salvador foi uma das coisas que me ocorreram retomar. A pesquisa Google me indicou os cursos de extensão da UFBA; entrei em contato, havia perdido a inscrição. Fui fazer outras coisas, mas este ano priorizei me inscrever na EMUS, a escola de música da universidade. Depois de preencher o formulário, achei que não iriam me chamar para o teste, pois a tudo respondi com não - sabe cantar, sabe tocar, sabe ler partitura?
Contudo, recebi um email falando dos dias e horários dos testes. Quando chegou a data, pensei em não ir. Mas, arianamente, fui. Na minha vez, fui tomada pelo nervosismo, que só aumentou quando vi a banca de três jovens professores e eles me perguntaram "o que eu ia cantar pra eles". Eu não tinha preparado nada, imagine o disparate. Daí cantei o que me ocorreu, Lenine por Virgínia Rosa - que eles, aliás, não conheciam. 
Para resumir a história, depois de eu ter descido a Centenário meio chorando, meio cantando, fui aprovada para uma turma, que, depois descobri, só tem mulheres mais velhas. Pelo que disse a jovem professora, egressa da Paraíba, ela esperava fazer uma espécie de coral conosco, pois era parte da sua experiência anterior, um coral da terceira idade. Contudo, ela logo viu que não seria possível, pois cada uma das cinco maduras tinha uma expectativa, menos a de ser cantora de coral. Essas aulas têm tudo para serem interessantíssimas, portanto. 
Além do mais, o prédio da EMUS me lembra os puxadinhos do Anglo. A decadência é compensada pelo trânsito de jovens, velhos e crianças em busca de algo mais belo que o cotidiano. Cada um em busca de sua voz, de seu som, de seu timbre único, belo e incomparável. 
(P.S.: compartilhando essas experiências com Carlos, soube que ele também começou a cantar, uma lindeza!)

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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