sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Senhora das demandas e cookies de peanut butter e torta holandesa

É praxe meu marido me perguntar se consigo fazer determinado prato ou sobremesa. Assim é desde que nos conhecemos. Começou com a feijoada.
No final da semana passada, ele perguntou de novo se eu saberia fazer cookies de peanut butter, iguaria que ele experimentou ainda criança nos tempos da escola americana. Mas no dia seguinte emendou com a torta holandesa. Eu já tinha me mobilizado para os cookies, mas resolvi acolher a torta, que adoro e nunca tinha feito.
De posse de uma receita de cookies da La Cucinetta e de uma de torta holandesa da Dani Noce, organizei os ingredientes. Fiz os cookies num dia, a torta holandesa para nosso almoço familiar dominical - dividindo assim todo aquele açúcar e gordura. Guga amou os cookies; eu gostei mais da torta holandesa e do creme musseline, que fiz pela primeira vez. 

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Dia 218

Parecia que a chuva tinha ido embora, mas não. Chove desde sábado à la Guantanamera, o filme. 
Tudo indica que estou com intertrigo candidisíaco, uma micose nas axilas que deixa placas vermelhas na pele - foi Drauzio quem me contou. E tome Vodol por 2 a 3 semanas, na esperança de que sare, ou terei de descobrir um dermatologista por aqui. Ou tentar um fluconazol básico antes, persistindo na automedicação pra não contrair um vírus por aí. 
Cabelos seguem entre Juma Marruá sem coiffure e Janis pós-Arembepe, e agora deram pra formar nós na nuca. Os produtos caríssimos da L'Oréal que comprei - talvez eu não saiba usar - ainda não fizeram seus milagres. 
Além dos cabelos desgrenhados e da coceira infinita nas axilas, a escrita do TCC continua empacada - mas não as ideias sobre feminismo, racismo, justiça social. Ao menos isso vai contribuindo para aclarar as sombras da alma, ajudando inclusive na terapia retomada. 
Sigo nos trabalhos produtivo e reprodutivo enquanto for necessário, tentando retomar meu pragmatismo de fazer do momento um terreno minimamente estável para mudanças, quando estas forem possíveis. Tento ser budista ao cozinhar e lavar louça.
Entre as notícias ruins no mundo e especialmente no Brasil, vem uma luzinha de esperança com a eleição boliviana. Nem é aqui, mas que alívio dá ver que nem todo o mundo está perdido. 

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Quarantine hair and feelings

Outro episódio com presença de Hyppolita em Lovecraft Country, já uma das minhas séries favoritas de todos os tempos. E ela vira quase uma X-Woman eletrificada para abrir um portal e salvar Dee (spoilerei um pouco, mas nada comprometedor). 
Quando fiz essa ilustra ontem, de chofre, no final de um dia pouco produtivo, nem tinha me dado conta da influência daquela imagem. Tinha pensado primeiro no meu cabelo alucinado de quarentena, depois na vontade de jogar tudo pra longe, e somente depois que parecia que estava flutuando, como se tomada de um poder inesperado. Eletrificada. 

E no meio das aprendizagens... reaprendizagens

Às vezes, me pergunto: por que inventei de fazer um TCC? Nem era obrigatório, eu já havia terminado a especialização com ótimas notas, adorei o curso e tal. Mas não, insisti, fiquei perguntando ao pessoal da secretaria quando o programa estaria disponível, contratei a bagaça, indiquei duas possíveis orientadoras. 
E agora me vejo há dias em um parto de meia dúzia de páginas de um total estimado em 40. 
Quando resolvi escrever um conto para um concurso, há alguns meses, tinha já percebido a dificuldade de ter ficado tanto tempo sem praticar, além da sensação de fraude na escrita de ficção, ainda uma tentativa de emular outras escritas, principalmente masculinas, as disponíveis à época em que comecei a escrever. Parece que parei no tempo, antes de ter atingido um mínimo de maturidade narrativa - o que pode soar muito pretensioso, já que tantos autores maravilhosos levaram a vida para chegar a uma obra madura, mas é a sensação que tenho, e tenho estado mais atenta a sensações e sentimentos do que ao simples pensamento.
Com relação ao TCC, achava que seria muito mais fácil, porque tenho mais facilidade com essa escrita formal, justamente ao pensamento em si. Ou achava que tivesse. Pode ser culpa da falta de concentração típica da quarentena aliada à minha típica falta de concentração (deveria estar escrevendo o TCC e estou aqui postando no blog, por exemplo). Pode ser o ser interrompida pelo gato ou para fazer almoço e jantar ou para responder onde acredito que esteja algo que não vi. Pode ser só a necessidade de um pouco de silêncio, interno e externo.
Sinto que estou tendo que reaprender a pensar e a escrever, algo que eu já considerava resolvido na vida. Não só num contexto louco de pandemia e incertezas de toda ordem, mas também sem estar sozinha, com tudo acontecendo ao mesmo tempo no meu entorno. Com a fina ironia de estar tentando escrever sobre emancipação feminina e precisando me lembrar e reafirmar a minha própria diariamente. 
O bagulho é mais louco do que eu pensava!

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Em busca da transparência

Nem eu aguento mais dizer como é difícil pintar aquarelas. Como tenho vários amigos artistas, quando vejo o resultado do trabalho deles, essa dificuldade fica cada vez mais evidente. 
Não que eu tenha a pretensão de atingir um nível tão alto (afinal, eles, além de muito talentosos, estudaram anos, produzem bastante e muitos têm inclusive doutorado e pós-doc), ainda mais apenas fazendo alguns cursos pela internet. Mas é inegável que chegar às transparências bem dosadas não é mesmo para principiantes. (Aliás, que árduo é chegar à transparência de todo tipo.)
Eu, pessoalmente, ainda fico muito presa à pintura mais pigmentada, mais próxima do guache, principalmente quando rola alguma cagada ao pintar - manchas enormes, sobretudo. Daí acabo tentando cobrir - até pontilhismo e tratteggio usei hoje! - para minimizar a feiura. Nem sempre funciona, mas não custa tentar. 
Aliás, tudo é tentativa quando a gente resolve aprender algo novo. Ainda mais, no meu caso, algo relacionado à pintura, que nunca estudei. 
De todo modo, o desenho me ajuda a querer continuar aprendendo a pintar, já que agora me vem à cabeça usar o entorno como modelo para as aquarelas, começando pelas folhas da jaqueira. A natureza, sempre parte da aprendizagem. 

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Desenredes sociais

Todo mundo comentando e por fim assistimos a O dilema das redes, documentário da Netflix com entrevistas de ex-diretores e ex-criadores de conteúdo das principais redes sociais no mundo - Google, Facebook, Twitter, YouTube, WhatsApp etc. Na verdade, mais interessante do que eu esperava. Repleto de informações impactantes sobre o poder que essas redes têm de nos manipular o tempo todo, conduzindo o nosso consumo e nossa forma de pensar e agir. 
Tínhamos já assistido há algum tempo Brexit, o filme com Bennedict Cumberbatch no papel de Dominic Cummings, estrategista político responsável pela formação/manipulação de eleitores na Grã-Bretanha quanto ao assunto da permanência ou não do Reino Unido na União Europeia. Assustadoramente esclarecedor. Talvez por isso não me impressionei muito quando li os comentários sobre O dilema das redes - toda a manipulação cibernética já tinha sido escancarada nos algoritmos que levaram não só à aprovação do Brexit como à eleição de personagens nefastas como Trump e Bolsonaro. 
De qualquer modo, o documentário da Netflix traz algumas novidades ao cenário aterrorizante: o fato de a inteligência artificial ter um comportamento próprio que pode levar a resultados imprevisíveis no que tange à manipulação de milhões de pessoas e essa mesma aleatoriedade ser o que dita nosso padrão de comportamento e consumo. Eu concordo com parte disso - realmente, o que vemos na tela do computador, ou do celular, nos leva a consumir mais; desde que começou a pandemia, por exemplo, meu consumo pela internet aumentou muito, e houve muitos momentos em que pensei por que havia mesmo comprado aquelas coisas. Meu freio foi a incerteza quanto ao futuro. Também assistimos diariamente à proliferação das notícias sem autoria que pululam em grupos de WhatsApp e canais do YouTube, levando a desinformação a níveis exponenciais, replicada por pessoas mais ou menos próximas. 
Contudo, entretanto, todavia, acho que esse discurso propalado no documentário também acaba perigosamente isentando da crítica a ação humana que gerou tudo isso. Fica parecendo que ninguém pode controlar as máquinas, que houve uma total perda de controle e nada pode ser feito. Não creio que seja totalmente assim - se houvesse interesse de fato dos que lucram bilhões com essa manipulação algum tipo de freio já teria sido aplicado, e não apenas essas falas insossas sobre controle de fake news. 
Sim, as perspectivas são sombrias, com todo esse ódio crescente no mundo, mas não dá para só lamentarmos o monstro que foi criado e não fazer nada a respeito em nível global, nos limitando a desligar o celular das crianças. Será preciso romper as bolhas e se manifestar na vida real, abertamente, politicamente, para que alguma mudança efetiva aconteça. 

domingo, 11 de outubro de 2020

Pequenos formatos, grandes efeitos

Na última compra de pincéis, comprei também um sketchbook da Hahnemühle, marca alemã de papéis para aquarela. Os papéis são bem mais caros que os da Canson, e eu nem pensava em comprar nada da marca, até topar com o caderninho quadrado, pequeno, de capa de tecido cinza e elástico à la Moleskine no site da Casa da Loise. Já adorei o formato, pequeno e incomum (o tradicional é retangular, seja formato retrato ou paisagem). Era caro, claro, mas ainda possível pro meu bolso. 
Quando chegou, pirei na qualidade do acabamento. E as páginas eram cinza-claro! Uma lindeza só. E deixei guardadinho pra um dia de imensa inspiração ou para quando estivesse dominando a aquarela a ponto de poder levá-lo na bolsa para pintar en plein air, que sonho burguês!
Hoje, quando fui praticar umas pinceladas para meu projeto de mitos femininos, nas folhas A-4 de Canson, nada saiu do jeito que eu queria. De repente, olhei pro caderninho e pensei que talvez desse certo passar o desenho para um formato menor - assim, eu teria pelo menos mais controle das pinceladas. Cara, deu muito certo - provavelmente o papel é muito melhor! 
Eu já era fã dos pequenos formatos, e isso só confirmou para mim que muitas vezes é mais eficiente trabalhar com menos e investir nos detalhes, na qualidade desse menos, para que se torne mais. Por exemplo, além de técnicas aprendidas no curso de aquarela e no sumiê, acabei me lembrando do tratteggio, técnica que usava quando trabalhei no restauro da FAU-Maranhão, como estagiária "informal". As texturas vieram dar volume à pequena pintura. 
Até onde paciência houver, sigo nesse caminho de longa aprendizagem.  

Da impossibilidade de eleger um tipo de comida favorita

Sempre que me perguntam ou quando me pergunto sobre minha comida ou prato favorito, não sei responder. Já devo ter dito que é mais fácil eleger as sobremesas, mas não os pratos. Quanto à culinária, tenho uma propensão à comida do mediterrâneo em direção ao Oriente, seja o médio ou o extremo. Metade do tempo, faço comida simples (frango, salada, legumes), metade, comida de algum lugar. 
Nos últimos dias, para se ter ideia, fiz até brownie, para o aniversário do marido - fiz uma receita nova, mas o brownie ficou muito seco, provavelmente por muito tempo de forno. Então o jeito foi cortar em pedacinhos, regar com Baileys, cobrir com uma bola de sorvete de baunilha e calda de chocolate - virou uma sobremesa de restaurante, perfeita. 
Também fiz pela segunda vez charutinhos de couve com carne e quinoa, preparados no vapor, sucesso absoluto. Por fim, dentre as já tradicionais quiches, foi a vez da quiche lorraine, essa delícia de queijo (usei um holandês) e bacon, acompanhada de agrião, rúcula, tomate, maçã e um molhinho de mostarda em grãos. 
O mundo cabe na minha pequena cozinha.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Lovecraft Country e a individuação

É só a gente pensar em uma busca mais profunda de si que começam a rolar as sincronicidades, entontecedoras sempre. 
Tinha, a propósito, já pensado na história do receber elogios pelo que sou, e não pelo que faço, o que me ajuda a pensar melhor em, afinal de contas, quem sou eu. 
No entorno, além disso, há todas as discussões sobre direitos humanos - de negros, mulheres, população LGBTQ, pessoas mais vulneráveis socioeconomicamente -, que têm sido desmontados no atual governo. Quem sou eu, se não luto contra a iniquidade?
E então, no lugar das borboletas que cruzavam meu caminho o tempo todo há 7 anos, aparece Hyppolita, em um episódio de Lovecraft Country, a série mais louca e mais coerente da TV nos últimos tempos, produzida por Jordan Peele e J. J. Abrams. O nome do episódio? "I am". 
Hyppolita é parte da família negra que protagoniza a série, vivenciando abusos tão absurdos que pareceriam ficção se não os soubéssemos tão reais. No episódio em questão, ela parte em busca de informações sobre um misterioso artefato que aparece em sua livraria, que pode estar associado à morte de seu marido, George. Ela acaba indo para outras dimensões temporais, que mudam cada vez que ela responde à pergunta feita pela alienígena com fabuloso black power (que, aliás, se apresenta como "I am"): "Diga seu nome". Ela grita cada vez mais alto: "Sou Hyppolita!", e acrescenta algo sobre si quando responde onde quer estar, o que quer ser: dançando com Josephine Baker, ser uma guerreira que vinga o Massacre de Tulsa (evento real de extermínio da população negra de Tulsa, Oklahoma, por moradores brancos, em 1921), ser uma astronauta (algo que ela quase foi, não fosse o fato de ser uma mulher negra). E a mulher de George. 
Ela se reencontra com o marido, que sabemos não mais existir, em outra dimensão. E ela lava a roupa suja. Fala de sua imensa raiva, contida por tantos anos, por ter se permitido encolher para caber no projeto alheio de família e casamento. Apesar de haver um apaziguamento após essa conversa com o George de outra dobra de tempo, ela enfim percebe quem ela é. Uma descobridora. Completa seu processo de individuação. 
Descobridores de nós! É isso que o self pede que sejamos!

A arte de receber elogios

Não sou boa em receber elogios. Ou melhor, não sou boa em receber elogios que digam respeito a qualidades pessoais. Aqueles acerca do que fazemos, claro, sempre esperamos e, quando não vêm, achamos uma injustiça, e isso nos afeta em maior ou menor grau em cada situação e humor. 
Pra falar a verdade, só percebi essa diferença entre os elogios dirigidos a nós e os dirigidos ao que fazemos outro dia, quando fui comentar com minha sogra um elogio inesperado que recebi - por conta do meu trabalho, mas dirigido à minha pessoa. 
"Parabéns, você é incrível". Fiquei procurando quem havia mandado, achei que algum aluno tinha comentado a esmo, sem saber quem eu era, na plataforma dos cursos. Mas tinha sido meu chefe mesmo. E não é que meu chefe não reconheça meu trabalho, mas o elogio veio tão inesperadamente, e num momento tão interessante, de profundas indagações e buscas pessoais, que pareceu incrementar a questão: Quem sou eu? E não apenas "o que faço eu?". 
Porque, culturalmente, parece que somos só o que fazemos, em termos profissionais, via de regra. Dificilmente alguém quer saber, quando nos conhece, mesmo na esfera social, se gostamos de caminhar na praia, de ler, bordar - isso fica para um segundo ou terceiro momento. Todo mundo quer saber o que fazemos para viver, para nos sustentar, para pagar as contas - essa é nossa imagem social no mundo capitalista. Lembro-me da viagem ao Reino Unido, quando o pai da pequena Laura, que sentou conosco no trem, achou o máximo que eu fosse historiadora, e logo Laura quis saber qual meu período favorito da história - ela, aos 9 anos, amava os Tudor. Ali tive uma surpresa - nunca pensei que alguém valorizasse essa profissão. Foi preciso estar fora do Brasil para ouvir isso - porque aqui, como me disse o coordenador do cursinho onde depois eu trabalharia por anos, profissões de verdade são apenas "médico, advogado, engenheiro, arquiteto". Ou seja, eu estava fadada a não ter muita importância, até porque historiadores no Brasil tornam-se professores, uma profissão ainda mais achincalhada. Bom, mas isso é outra história, embora também tenha relação com "ser". 
Voltando à questão dos elogios a quem somos: talvez a minha surpresa venha de eu não ter toda a dimensão de quem sou. Lembro-me de mais de uma ocasião ter ouvido de amigos agradecimentos por alguma postura minha - só que foi algo tão natural que nem sabia que tinha tido essa dimensão, como, por exemplo, receber alguém que chegava a um novo lugar. 
Já postei aqui, anos atrás, um vídeo lindo sobre ser validado por elogios que recebemos, até que aprendemos a validar a nós mesmos, a gostar do que vemos em nós mesmos. No fundo, é isso que devemos aprender a fazer, o tempo todo. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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