Esse espanto epifânico também me toma quando vejo alguma exposição de povos antigos, dos nossos ancestrais. Aquela história do pertencimento, de novo e sempre.
E aí me lembro de Guimarães Rosa, de Riobaldo e Diadorim. De Manuelzão e Miguilim. Do sertão que conheço mais de filmes, livros e fotos, mas que mora em mim. Do agreste e dos interiores brasileiros. Do mar e dos rios. Dos mares de morros, tão amados. Das areias e pedras, dos azuis e verdes. Do barro, da madeira, dos fios. Um trem das cores brasileiro.
Dos Geraes a descobrir, do Jequitinhonha sonhado, do Opara São Francisco que me espera. Do encontro entre o Negro e o Solimões. E o meu barco de imagens, histórias e sonhos segue baloiçando pra lá e pra cá... Singrando pelas águas do meu inconsciente tão consciente de si.
E nessa viagem me deparo com o bordado lindo do boi de João Câncio e com o boi vermelho todo natureza de Manuel Eudócio. Com os mamulengos ancestrais. Com as profissões representadas pelos figureiros - a rendeira de todas as culturas e épocas, o fotógrafo, a engenheira. E Lampião up-to-date diante do computador. A fila no supermercado. A senhorinha posando para retrato.
São Francisco do Cangaço, uma boa combinação. O santo teria se arretado contra o que é feito do rio epônimo e da flora e fauna que dele dependem; talvez saísse mesmo no trabuco contra a exploração da natureza e as injustiças sociais. Talvez venham daí os olhos tristes.
E se Lampião fosse uma sereia? Manuel Galdino botou em prática o pensamento atrevido - provavelmente, ele deixaria a brabeza de lado se morasse ao lado do mar. Talvez...
O sinaleiro dos ventos, de 3 metros de altura, de Francisco Rosa dos Santos, do Paraná.
A linda e assustadora carranca do Mestre Guarany, para se precaver de todo mal, para levar a salvo quem navega.
Lampião e sua Maria Bonita, ícones sertanejos (mas até quando? até quando resistirá a memória sertaneja ainda propagada pelos cordelistas em tempos de comunicação virtual?).
As sabenças dos artistas. Dona Isabel, que não teme a vida nem se assusta com o regime de secas e enxurradas do Jequitinhonha porque sabe que as águas "soltas na terra só fazem o que querem". É ela também que diz que "a liberdade é perigosa" - como viver, não é assim, Riobaldo?
O alumbramento dos pequenos diante da Sapucaí animada por 1 minuto que abre as portas da eternidade.
Vitalino e seus vaqueiros, e os filhos de Vitalino perpetuando essa tradição de simplicidade no tudo dizer.
E até o meu selfie involuntário traz Vitalino, junto com o barco que abre as águas do São Francisco. O rio-mar corre invisível e silencioso pela exposição, lavando a alma de todos os presentes, de todos os brasileiros.
Exposição no Sesc Belenzinho, O Brasil na Arte Popular -
Acervo Museu Casa do Pontal
Acervo Museu Casa do Pontal