Por fim, assistimos a Bacurau, de Kleber Mendonça Filho, diretor dos ótimos O som ao redor e Aquarius.
Houve um furor na época do lançamento, e vi muitos amigos divididos entre achá-lo incrível e nada de mais. Eu sabia, de orelhada, que um tal Lunga fazia justiça contra os opressores e lavava a alma dos espectadores.
Bom, pelo jeito, sou da turma do nada de mais. Embora o filme tenha sido lançado em agosto de 2019, quando o horror bolsonarista já estava instalado no país, e a película tenha lá seu quinhão crítico, ninguém estava preparado para a distopia que cresceria cada vez mais, incrementada por uma pandemia que só gera incertezas quanto ao futuro. Talvez isso tenha me dessensibilizado para a violência presente no filme - são tantas mortes, tanta violência, tanto descalabro no cotidiano nacional que a sanguinolência de algumas cenas de Bacurau não me impressionou. Também não há preocupações estéticas, mas isso é do cinema de Mendonça - uma pena, porque a região sertaneja, no Rio Grande do Norte, onde o filme foi feito daria uma fotografia incrível nas mãos, por exemplo, de um Walter Carvalho ou Affonso Henrique Beato. A crítica, no final das contas, me parece limitada ao que os gringos/ricos/brancos fazem contra os brasileiros/pobres/mestiços. E a matança promovida por Lunga, ao melhor estilo "vingança dos cangaceiros", é tão pá-pum que nem prepara a gente para aquela torcida, como acontece por exemplo em blockbusters como John Wick, quando tudo o que a gente quer é que o protagonista vivido por Keanu Reeves detone quem matou seu cachorrinho, só para começar. Marighella, dirigido por Wagner Moura, talvez fosse bem mais importante, mas, embora lançado em 2017, até hoje não foi distribuído por aqui, por puro boicote bolsonarista - também há os liberais incomodados com a figura de Marighella, talvez um pouco real demais, aumentando assim a simpatia de esquerda pelo violento mas fictício Lunga.
Um pouco antes de vermos Bacurau, assistimos à animação stop motion Ilha dos cachorros, de Wes Anderson, já um dos meus diretores favoritos há algum tempo. Além da lindeza da produção, da trilha sonora, do roteiro impecável, a crítica social ali é tão patente e atual, sem que seja preciso perder o estado de encantamento que o cinema proporciona, que fiquei muito grata ao diretor pela experiência. Fiquei muito mais impactada do que com o filme de Mendonça Filho.
Enfim, acontece. Mas sugiro que assistam aos dois. Certamente, Bacurau, mesmo não integrando minha lista de favoritos, entrará para a história do cinema nacional como um dos filmes que incomodaram, o que já é bastante no atual contexto.