Por estes dias, li uma declaração de Viola Davis sobre sua infeliz participação no filme Histórias cruzadas. Já escrevi sobre este filme aqui - eu gostei muito da ideia de solidariedade, da união que faz a força, da compaixão, mas não dá para ignorar o argumento do branco (no caso, branca) salvador. Somente a personagem de Emma Stone para dar voz às pobres e exploradas empregadas negras - e só porque ela é também uma desajustada, que nem esperava fazer "tanto assim" pelas outras mulheres.
Viola tem toda razão de dizer que se arrepende desse papel, apesar do sucesso do filme. Porque é como se participasse de uma farsa, a de dizer que está tudo bem entre brancos e negros, que o racismo não existe, mal existiu algum dia. Hoje, que tenho lido e aprendido muito mais sobre racismo sistêmico, por exemplo, ouvindo o excepcional professor e advogado Sílvio Almeida, só posso apoiar sua postura e até gostar um pouco menos do filme, ainda que as atuações de Viola e de Octavia Spencer sejam magistrais.
Além de estar atenta ao que dizem meus (poucos) amigos negros, sempre procurando rever minhas falas e atitudes para não replicar mais racismo e, pelo contrário, combater as atitudes racistas, tenho lido autoras negras. Quer dizer, vinha lendo mais MULHERES, e agora mulheres NEGRAS. Além dos socos no estômago de Toni Morrison - que já conhecia de Jazz e, recentemente, do terrível The bluest eye -, só tenho a me encantar com a jovem e prolífica Chimamanda Ngozi, de quem já li Hibisco roxo, Sejamos todos feministas e, agora, Americanah.
Se em Hibisco roxo a protagonista fala de uma realidade quase tribal eivada de fé e violência, quase como se contasse uma história oculta atrás de um véu, em Americanah a personagem principal escancara tudo que há no mundo global - subdesenvolvimento, corrupção, racismo, machismo, academicismo, subemprego. A sensação que tenho de passar a conhecer a realidade de racismo frequente por que passam as pessoas negras se mescla com a já conhecida de, como mulher, ter vivido e observado algumas coisas bem semelhantes acerca de relacionamentos, autoestima, conhecimento, trabalho, adequação, estar no mundo. No entanto, a experiência de uma mulher negra sempre pode ser mais complicada em vários aspectos.
Parece estranho que a gente possa aprender tanto com nossas iguais, mulheres, sejam brancas ou negras. Mas é que temos nos dado conta de que o mundo foi todo esse tempo sendo escrito e significado por homens, homens brancos. E o mundo feminino é tão criativo, fértil, profundo e coerente e ecoa tão tremendamente dentro de nós que é impossível não querer conhecer mais de tudo o que está sendo feito para saber mais de nossas irmãs e, portanto, de nós mesmas. Um caminho sem volta, como todo conhecimento de fato precioso.