quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Aller-retour

Já fui e já voltei. Nem consegui mandar notícias e fotos durante a viagem (fiquei na primeira semana num albergue cujos computadores do cyber café não permitiam o envio de anexos). Mas, de volta à muvuca do metrô paulistano, posso dizer que me sinto em Paris!

Sim, as grandes cidades se assemelham. Na indumentária, no transporte, nos diferentes rostos (por mais que os franceses teimem em não se misturar). Claro que a pátina da História reveste a arquitetura parisiense, devidamente preservada, o que não mais acontece nas paragens bandeirantes. Mas quase me sentia em qualquer lugar do Brasil, tantas vezes encontrei os patrícios pelas ruas de Paris, mais de uma vez ao dia! Reflexos do nosso crescimento econômico, bien sûr.

Também senti algumas vezes a tristeza que devem ter sentido Mersault e Gregor Samsa, porque, embora balbucie razoavelmente o idioma francês, parecia que eu estava falando baleês ou um dialeto somente compreensível por entomólogos. Quando desencanei de vez e passei a falar algo próximo do húngaro ou do sânscrito, como que por mágica todos os ouvidos se destamparam, e eu vivi o verdadeiro milagre do Pentecostes - entendia tudo e era plenamente compreendida, dando até informações a outros pobres estrangeiros como eu e recebendo elogios pelo meu "ótimo francês", com um leve "accent du soleil". Uma beleza!

Ainda por cima, depois do mergulho nos arrondissements de Haussmann e no fausto real de jardins e palácios, vivenciei a Paris contemporânea assistindo à "manife" contra a reforma previdenciária. Num breve final de semana, uma ida a Marseille, via TGV, e à linda Aix-en-Provence, terra de lavandas e calissons, doces finos à base de amêndoas e batata!

Afortunada que sou, vivi uma semana como turista e outra como habituée, pois nos últimos dias me juntei a dois amigos queridos que me mostraram a cidade do ponto de vista dos parisienses. Talvez por tudo isso minha sensação de déjà vu tenha sido tão forte...

Ah, sim - não se enganem: Paris é mesmo linda!



O metrô de Paris, tão antiguinho; o cartaz de uma exposição (entre outras coisas, sobre a estrangeiridade) no Shoah, museu do Holocausto; la manife; o Vieux Port de Marseille; eu e os queridos Carlos e Flavio.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Gourmandise VI - feijoada

Nunca tinha me aventurado no preparo de uma feijoada. Mas ouvir o namorado falar de um jeito tão saudoso de um bom feijão me fez pegar em armas, utensílios e "pertences" e ir à luta.
Peguei duas receitas na internet para fazer uma comparação e consultei um especialista em feijoada, meu ex-chefe Fernando. De cada um dos modus operandi tomei o que me parecia mais interessante e coerente, defini um novo tempo de preparo e acrescentei meus próprios ingredientes na finalização (o principal ingrediente, claro, é a paciência, para dessalgar, desengordurar, acrescentar cada tipo de carne no tempo certo etc.).
Os truques básicos utilizados:
- manter uma proporção de mais ou menos 1:2 entre feijão e carnes/embutidos (meio quilo de feijão e um quilo de carnes dá para seis pessoas se lambuzarem);
- deixar o feijão umas 4 horas de molho (não muito mais que isso, ou ele vai desmanchar no cozimento com as carnes);
- dessalgar as carnes por pelo menos 12 horas, trocando a água 3 ou 4 vezes;
- tirar a gordura das carnes: primeiro colocá-las separadamente em uma vasilha com água fria e limão, lavar em água corrente e então mergulhar cada tipo de carne em água quente com um pouco de pinga por 20 minutos - passar então para a retirada mecânica da gordura, na ponta da faca;
- acrescentar as carnes (após uns 40 minutos de cozimento do feijão somente em água que cubra os grãos pelo menos dois dedos) por grau de dificuldade de cozimento - por exemplo, carne-seca, lombo e costelinha, nessa ordem -, com um intervalo de 20 minutos entre uma carne e outra;
- acrescentar os embutidos (paio, toucinho, linguiça, previamente cortados em lâminas);
- depois de mais uns 20 minutos de cozimento, em fogo baixo, com a panela tampada, preparar o refogado, com azeite (ou a gordura de um pouco de bacon), cebola, cebolinha, salsa, uma pimenta-malagueta picada, alho - e nadica de sal;
- retirar então um pouco de caldo e grãos de feijão e esmagar, misturando ao cheirosíssimo refogado - a mistura mágica vai para a panela, onde apura mais um pouco;
- se ainda ficar muito salgado, acrescentar uma batata crua descascada por alguns minutos - um pouco mais de água também faz milagres!
E voilà, o prato, acompanhado pela couve só de leve assustada pelo azeite quente (para não perder a crocância), um arroz branco básico e a farinha copioba branca transformada em farofa de manteiga por Guga, beirou, modéstia às favas, o impecável!
O que pode ser melhor num domingo nublado, após o cumprimento de um dever cívico, na companhia perfeita?

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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