terça-feira, 20 de novembro de 2012

Memento

Sou uma desmemoriada. Creio que assumida, depois de o namorido concluir que minha capacidade de apagar do HD mental aquilo que não interessa é uma qualidade. Isso depois de ele me consultar sobre cervejas porque revisei um livro acerca de, e eu responder que não me lembrava. Isso depois ainda de muitas vezes eu não me lembrar do enredo de um filme, de uma determinada cena ou frase etc. Guga costuma lembrar dessas coisas todas; assim, ambos ficamos frustrados com meu "desmemento". E olhem que um dos meus filmes preferidos é justamente Amnésia (Memento), de Christopher Nolan. Um dos meus contos favoritos de Borges é Funes.
Sei que essa revelação pode ser um tanto chocante para muitas pessoas, porque, afinal de contas, escolhi ser historiadora. Em tese, uma profissional da memória (já adianto que não sou boa com datas ou nomes de generais, que me saio melhor com encadeamento de fatos). Além disso, sou de Câncer, um signo que os astrólogos dizem valorizar o passado e a memória. Os mesmos astrólogos concluiriam então que meu problema é ter Vênus em Gêmeos, signo um tanto distraído e algo "superficial". Sabem como é: interesses múltiplos, gostar de gente, viajar física e mentalmente... O caos. Mas a memória em si sempre me fascinou, principalmente o que nela é "exato" ou não.
De fato, o que me interessa me toma por completo. Do que não interessa, esqueço ou pouco retenho. E não tenho pudores de admitir, de consultar as bases para dar uma resposta precisa (culpa de eu ser educadora - mas como pode uma educadora desmemoriada? xiiiii!). Em compensação, vejo uma constelação de ideias à minha volta quando tenho que falar ou escrever sobre um assunto que me seja caro. Talvez pareça superficial, porque é fácil e prazeroso. Talvez eu consiga reunir os diferentes tipos de memória de que fala Bergson, seja isso bom ou ruim.
Algo que me consola é João Cabral de Melo Neto, com sua poesia tão exata, ter falado em um profissional da memória. Ainda por cima, em Sevilha, que me traz tantas sensações à lembrança.
Alguns trechos:

Assim, foi entretecendo
entre ela, e Sevilha fios
de memória, para tê-las
num só e ambíguo tecido;

foi-se injetando a presença

a seu lado numa casa,
seu íntimo numa viela,
sua face numa fachada
.

[...]

A lembrança foi perdendo
a trama exata tecida
até um sépia diluído
de fotografia antiga.

Mas o que perdeu de exato

de outra forma recupera:
que hoje qualquer coisa de um
traz da outra sua atmosfera.

Encharcando o já molhado, ele sabia das coisas. 

domingo, 18 de novembro de 2012

Sozinha não consigo

Conversa vai, conversa vem, surgiu o assunto "amigos". Como serão os meus?
Difícil definir com poucas palavras. Eles vêm de toda parte, têm credos e gostos diferentes. Para quem gosta de classificar as pessoas, eles são sim de "tribos" diversas, às vezes tribos de um índio só, que eu tive o privilégio de conhecer.
Os que têm credos certamente não são do tipo que procuram empurrar sua crença para ninguém - só  falam dela se indagados. Nenhum deles é perfeito, nem santo, e nem tem essa pretensão. Aliás, são costumeiramente corajosos para assumir imperfeições. Não querem ser politicamente corretos, porque normalmente já são éticos, ou buscam ser. Principalmente, são inteligentes, têm humor e costumam ser mais tolerantes que a maioria das pessoas.
O que mais me encanta neles, que são tão diferentes entre si (alguns mais sensíveis e observadores, outros mais falantes e assertivos), é sua capacidade de acolhimento. Mesmo que não nos vejamos há tempos, mesmo que estejamos geograficamente distantes, deles ouço, quando preciso, as melhores palavras, com respeito e sabedoria, sem julgamentos, sem despeito.
E quando escuto Joe Cocker fazendo a melhor interpretação da canção dos Beatles, imagino que ele deve saber exatamente do que estou falando. 




segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Gourmandise XVIII - Crepe "Zete"



Atendendo a pedidos de Guga, depois que ele assistiu a um programa do Larica Total com participação do Claude Troisgros, fiz o Crepe "Zete" (simplificação de Suzette). Fiz a massa com as dicas do Olivier Anquier e a calda segundo o Troisgros.
Sem querer, economizei na calda de laranja e por isso ele ficou com essa cara de panqueca com um pouco de geleia em cima.
Mas ficou bom, hummm!

domingo, 11 de novembro de 2012

Flamenco e tai chi chuan, tudo a ver

O que podem ter a ver a dança flamenca e a arte marcial interna tai chi chuan? Se uma é quente e vibrante, a outra parece fria e lenta. Uma acelera a pulsação, a outra acalma. Razão e emoção. Oriente e ocidente, yin e yang.
Nem tanto. Para começar, o flamenco nem é tão ocidental assim, ou só o é por uma questão geográfica, já que é filho de ciganos, árabes, judeus errantes. Flamenco e tai chi têm características marciais - uma no ritmo, a outra por sua própria origem em lutas chinesas. Ambas são telúricas, enraizadoras - por isso, os movimentos se dão de forma pouco verticalizada. Não se buscam as alturas, mas a base, o chão. Por isso as duas me atraem, e também por seu caráter democratizante, porque não é preciso ser uma sílfide para praticar nenhuma delas.
O equilíbrio é fundamental em ambas (alguém vai me dizer que é fundamental em qualquer expressão corporal, no que estará coberto de razão), bem como a percepção de si, a capacidade de dizer ao seu corpo, aos seus ombros, aos joelhos, como se comportar.
E o resultado é um corpo luminosamente belo. Não belo na acepção mercadológica da palavra, mas porque iluminado pela descoberta de si, de suas potencialidades, de sua inteireza. Integridade, todo o tempo. Belo, portanto, nesse (e com) sentido.
Claro que podemos criar essa consciência corporal em outras atividades. Quando fiz pilates, por exemplo, descobri uma musculatura desconhecida para mim, e ficava fascinada com movimentos que pareciam imperceptíveis terem tamanho efeito no dia seguinte, quando acordava lembrando que aqueles músculos existiam! Mas acho que o fato de o flamenco e o tai chi serem tão indissociáveis de suas respectivas culturas (ou crenças?), não se limitando ao desenvolvimento de uma atividade física, faz toda diferença.
Afinal, não posso simplesmente "decorar" os passos do flamenco - tenho que me investir da postura flamenca, de um certo empoderamento feminino, meio ancestral. Não posso só aprender as formas do tai chi - preciso entender que relação elas têm com minha força interna e com a natureza de que faço, de que fazemos parte. Volta a origens (além dos limites da cultura), olhar para dentro de si, buscar postura e força dentro de si - são alguns dos efeitos que ambas provocam. Como é difícil fazer movimentos lentos! Como é difícil assumir a força! Isso vai além da técnica; é preciso realizar mudanças internas para que o externo tenha algum efeito.
Mesmo quando nem todos as podem ver, elas, as mudanças estão ali, brilhantes, renovadoras, reveladoras.







Meus sapatitos chilenos de flamenco, já ficando surrados, que delícia!

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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