segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Indignação mais que necessária

Pois é, cansei de ser muito cordata, compreensiva, low profile e até meio blasée com relação à inversão da realidade que algumas pessoas praticam. Cansei de pensar "é mesmo, essa pessoa tem problemas, coitada, precisa de ajuda especializada". Porque cara de pau não é doença, é falha de caráter.
Não estou falando de cara de pau no sentido de ousadia, das pessoas que se arriscam mesmo sabendo que podem levar um não. Estou me referindo a gente que explora os outros e têm a pachorra de se fazer de vítima, de reclamar dos explorados. Ainda mais quando faz isso pelas costas, usando as redes sociais porque sabe que o suposto "vilão" não frequenta o ciberespaço. Porque é uma senhora de 70 anos que não domina a linguagem da internet, que mal sabe se defender do abuso alheio e acaba se retirando de sua própria casa para não ouvir um recorrente "não enche o saco".
Os caras de pau a que me refiro não tinham onde ficar pois perderam a casa por motivos que nem convém mencionar, e recorreram a essa senhora, mãe de um deles, e transformaram a casa num lixão, sem metáforas. Viveram felizes ali, no meio do lixo, até que a dona da casa precisou voltar ao lar.
Diante do inferno onde agora se encontra, ela ainda consegue reclamar e pedir que os dois intrusos limpem a sujeira dos dois cães que ainda mantêm ali, que liberem a passagem, que deem alguma ordem à cozinha. E eles têm a coragem de publicar nas redes sociais que não aguentam mais viver com essa senhora, que é resmungona, amarga e "não quer ser ajudada". Oi? Perdi alguma coisa? Pelo jeito, o filme a que eu vinha assistindo era outro!
Este blog vinha falando mais de coisas legais, esperançosas e tal. Mas não dou conta do tamanho da minha indignação, diante da tremenda cara de pau desses dois. Se um pouco de dignidade houvesse, em vez dessa cara de pau toda, já teriam arrumado as trouxinhas e ido cuidar da vida, em vez de passar o dia no FB ou sonhando com grandeza, ou achando que todo mundo têm obrigação de ajudá-los, ou esperando um milagre, que eles acreditam merecer pois são muito legais e fofos.
De repente, virei fã do FB - mesmo que promova a voracidade, a repetição de informações sem digestão, ele também ajuda a desmascarar os santarrões!



quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Ao que nasce e nascerá

Às vezes acho que sou otimista, ou pelo menos uma pessoa esperançosa. Vejo milagres e sinais no cotidiano. Ainda acredito que existe gente do bem, mesmo que muita coisa me leve a crer no contrário. Boas notícias de todos os tamanhos me alegram. E gosto de planejar, de projetar, de plantar. No hoje, no agora, já iniciando mudanças, sonhos e desejos, na forma de desenhos, das minhas listinhas pinceladas de TOC, de ideias rascunhadas em vários pequenos cadernos (outra mania).
E descobri que o bordado me empurra para a realização de forma implacável. Impossível não querer cobrir o campo de flores, fazer vicejar o flamboyant e provocar os murmúrios do riacho (que eu quereria do tamanho do São Francisco se o tamanho do linho permitisse). Triste demais seria deixar o tecido para sempre desnudo, descolorido. Nesse desejo de transbordar beleza enquanto a linha persegue alegremente a agulha é que reside a mágica da criatividade: parece que, à medida que se cria, um manancial enorme vai ocupando os espaços internos, incontinente. E só resta deixar que ele extravase, fecundando tudo por onde passa.
Como a vida, que não deveria nunca ser contida.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Da série "Milagres cotidianos" II

A enfermeira, meio sem graça, pergunta se está doendo. Tira meu sangue (acho que treme um pouco), com o qual vai enchendo vários tubos. "É que tive que mexer um pouco... Mas não vai ficar hematoma, não" (está mentindo). Respondo que só senti a picada da agulha, um ardor, mas na verdade nem estou olhando. Tão vampirizada me sinto que já havia até tirado o celular da bolsa para ver meus e-mails. Só para ver se rolava algum milagre virtual, uma notícia que mudaria o dia. "Hoje só quero que o dia termine bem", cantarola Luciana Mello na minha mente.
E lá está. Um amigo havia me indicado para um trabalho, e há alguém, que nem sequer conheço, que acredita que posso fazer diferença. Na verdade, eu também acredito. Só havia me esquecido disso.

domingo, 1 de setembro de 2013

arteantídoto

É surpreendente como podemos deixar de fazer algo de que gostamos sem nem perceber. Ainda mais no que se refere à arte, cuja apreciação serve de antídoto a tanta coisa nefasta.
Foi o caso na última semana. Retomar a apreciação da arte para aliviar o peso na alma.
Por isso vi quase de um só gole os Mestres do Renascimento no CCBB e Lucien Freud no Masp.
A bela exposição dos renascentistas tem algumas obras surpreendentes, como a de Carlo Crivelli - a Madona com o Menino tem movimento e graça inovadores para a época -, além das cores esperadas mas sempre espantosas nas cenas pias com fundo mercantil (as costumeiras cidades e os portos ao fim da perspectiva). Vi um Parmegianino ao vivo, o que me tocou muito, mesmo não sendo uma obra claramente maneirista. E o que mais me chamou a atenção foi a perfeita conservação das obras - quase nada craqueladas, com cores vibrantes e brilhantes. O único porém, de novo, é a iluminação do CCBB que nem sempre favorece os quadros de grandes dimensões num espaço tão exíguo.
No caso de Lucien Freud, reafirmei minha admiração pelo artista alemão, neto do pai da psicanálise. Sobretudo pelas gravuras, que não conhecia. Que meticulosidade! De repente entendi o que me parecia uma deformação dos modelos com intenção crítica - na verdade, um olhar tão próximo que distorce ao mesmo tempo que revela, mesmo efeito de uma grande angular usada a grande distância. Um obstinado atento aos mínimos detalhes. Se alguns dos modelos se queixaram de terem envelhecido ou desbotado nas mãos de Lucien Freud, o fato é que outros parecem muito mais belos na sua essência trazida à tona.
Ter visto beleza quando a alma estava tão anestesiada que a mente não conseguia pensar em nada que não fosse DOR foi, decididamente, como voltar a respirar fundo e devagar de novo, depois de quase me afogar.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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