quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Quem tem amigos

Tem tudo, sem dúvida. Sem alguns desses amigos, não teria sobrevivido a algumas intempéries. 
Esta semana foi minha vez de agradecer a Lu, uma dessas pessoas fundamentais. Ela veio para um evento em Salvador, e aproveitou para me visitar. Chegou com a chuva, mas logo pudemos dar um rolezinho na Praia do Forte.
Tomamos um sorvetão duplo na Sorveteria da Ribeira, entramos em mil lojinhas, contemplamos gatos e cachorros preguiçando pela rua principal, tomamos café no Tango, compramos azulejinhos - Lu quis me dar um, escolhi dois pequenitos com a minha cara e trouxe um pra Guga -, comprei colares na Baú Baú e castanha de caju, ganhamos mimos da vendedora de castanhas e cocadas. Ainda encontramos meu marido e meu sogro para uma pizzinha em Açu da Torre. Pronto, passeio completo.
Assim pude dar uma pequena mostra de gratidão a uma velha amiga, e reafirmamos nosso carinho com ouvidos atentos, risadas, antigas e novas histórias.

Toda vez que a adulta balança a menina me dá a mão

Era pra ser uma viagem a dois, nossa última e única semana de férias do ano. Mas acabei indo sozinha a Lençóis para não perder nem o dinheiro já transferido para a pousada nem a oportunidade de descansar alguns dias das tarefas domésticas.
Mesmo gastando mais do que pretendia, foi ótimo para arejar a mente, ver outras paisagens, viver outras experiências. Foi também uma forma de me lembrar das coisas que são essenciais para mim, como viajar. Porque no dia a dia, cedendo aqui e ali o tempo todo, vamos nos esquecendo de quem somos, do que nos constitui. Na solidão, voltamos a nos enxergar, a ouvir a voz interior.
Talvez, se soubesse que iria sozinha, eu não teria ido a Lençóis, lugar de trilhas e mais trilhas. Não tenho muita destreza com a natureza selvagem, sobretudo com tantas pedras, subidas e descidas. Tenho ainda algum temor de escorregar nas pedras molhadas, de entrar em águas escuras como as das cachoeiras locais. Com a idade, e depois de um acidente durante o rafting, assumi que não sei nadar. Mas, ao fim e ao cabo, ter ido a Lençóis acabou sendo bem desafiador, exigiu de mim me manter no presente constantemente, sem tempo para elucubrações mentais.
Nisso resultou a playlist que trouxe "Bola de meia, bola de gude", do Milton, e a lembrança da criança interior que nos traz de volta a quem somos. Também trouxe a visita à Serra das Paridas, sítio arqueológico pouco conhecido que nos dá um gostinho da pintura rupestre brasileira; a descida de 60 m até a Cachoeira do Mosquito com direito a perninhas moles e a almoço com a beterraba mais doce da vida na Fazenda Santo Antonio; a visita, por fim, ao Cozinha Aberta, restaurante slow food no centrinho, onde almocei duas vezes (roupa velha de carne de sol com arroz vermelho, purê de banana com gengibre, saladinha e farofa; nhoque de batata-doce com pesto de manjericão e castanhas); pousada roots com anfitriões adoráveis (Cris, Everaldo e Hortência); solados descolados (literalmente) de papete e bota, remediados pelos guias locais ali na hora; jantar no Sabor da Serra, uma deliciosa e inesperada combinação de grão de bico com shimeji e molho de castanhas, acompanhada de salada e arroz com brócolis e uma kombucha local; pets e não pets adoráveis em toda parte; prova de fogo na Cachoeira do Sossego, uma trilha de 18 km totais com muita, muita, muita pedra e subidas e descidas sem fim, acompanhada de colegas jovens e fofos (que me deram a mão e tiraram fotos lindas por mim) e seguida de um banho maravilhoso, com colete salva-vidas emprestado, no poço de 6 m de profundidade; fisgada no joelho logo no início da trilha; banho no Ribeirão de Cima, uma jacuzzi natural e refrescante; rolezinho básico ao Serrano, com os joelhos e as panturrilhas prejudicados da trilha anterior; ceviche mais para tartar no Tomatito; descoberta da Bavarois, padaria-hamburgueria-sorveteria com dona pouco simpática mas bons pães e sonho com falso creme de confeiteiro (com leite condensado, argh); compras de produtos locais: banana-passa, café, sabonete, argila. 
Nesses poucos dias, enchi os olhos de montanhas e nuvens, evitei os doces e as massas, e me senti muito bem. Fiquei um pouco decepcionada com meu condicionamento físico, que eu julgava melhor. Acho que vou perder pelo menos uma unha do pé, contundida na trilha do Sossego. Mas volto mais viva, de mãos dadas com minha menina interior.
 
 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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