quarta-feira, 23 de maio de 2012

Molho para disfarçar?

No último final de semana, mi madre fez 70 anos. Nem parece, até porque ela foi favorecida pela genética nipônica que cria seres atemporais e espiões insuspeitos.
Para comemorar, resolvi fazer um jantarzinho. Até poucas horas antes do jantar, não sabia qual seria o quórum, pois questiúnculas familiares nublavam o céu. E por conta disso acabei me atrasando nos preparativos - tinha inventado de estrear uma receita de nhoque, o que exigiria, pelo contrário, começar muito antes.
Bom, o nhoque ficou meio pedaçudo - não consegui espremer completamente as batatas, que já tinham esfriado. Fica uma lição fundamental: concentrar-se no que está fazendo enquanto cozinha, nada de colocar ordem na louça quando é preciso espremer as batatas ainda tépidas. No fim, faltou um pouco de sal e as bolinhas de nhoque ficaram meio grandes (por isso não me animei muito a fotografar). O que poderia salvar o prato? O molho vermelho feito por Guga.
E ele conseguiu. Claro que em nenhum momento deixou de ser a vedete da noite, rendendo mil elogios ao seu criador, mas ele ajudou meu pobre nhoque estreante a passar pelo palco sob a mesma chuva de aplausos (endereçados ao molho). Ninguém percebeu a falta de sal, graças ao molho.
Aliás, essa história de o molho ajudar a "encobrir" o gosto dos alimentos é bem antiga. Não só molhos, mas temperos em geral. Quando estive na Inglaterra, vi como tudo era muito temperado, não só por influência indiana, mas, ainda hoje, para disfarçar o gosto do que não é muito fresco. E nem é preciso ir tão longe: para que tanto ketchup num sanduíche ou num prato de fritas?
Da próxima vez, espero que o molho venha realçar o que o prato tem de bom, e não esconder o que ele tem de ruim. Tem que rolar um dueto.
Quanto às diferenças familiares, nada de molhos nem panos quentes - que os azedos não precisem ser disfarçados mas deem lugar um dia aos sabores mais doces.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Gourmandise XVIII - Rota do Acarajé

Até pensamos em voltar ao Sotero - e devemos voltar, pois a comida, apesar da desorganização do atendimento, como já disse, é ótima. Mas passamos em frente, vimos que estava muito vazio, e acabamos dando mão à palmatória e indo ao Rota do Acarajé.
Além de ser bem mais caro, o Rota não é um restaurante, mas um boteco. Só que costuma surpreender bem. O atendimento é razoavelmente rápido, mesmo com a casa cheia (o que não é difícil, pois o espaço não é dos maiores); a comida é gostosa e feita na hora.
Ontem fomos de moqueca de camarão (78 reais meia porção, que dá tranquilamente para duas pessoas). Como a farofa de dendê não está inclusa, pedimos à parte. Mas não mereceu uma boa nota da parte de Guga - segundo ele, a farinha devia ser fininha e ter cor de enxofre, pois, afinal de contas, deve ter bastante dendê, e não só um cheirinho (calma, não tem cheiro de enxofre). Para fechar, o bolo de manteiga de garrafa (sempre saboroso, mas ontem não tão fresco) com café.
De todo jeito, é sempre bom voltar lá, sentar em meio à memorabilia dos donos, sabendo de antemão que o preço é salgado, mas válido de quando em vez para matar a saudade de um acarajezinho (inho, literalmente, mas bem gostoso).

Gourmandise XVII - Eu fui - Festa do Ovos Quebrados

Tenho o maior orgulho de dizer que estive na festa de "formatura" do Ovos Quebrados (agora um site com aconchego de blog). Dri Haddad encerrou com êxito o desafio de fazer um bolo por dia, e organizou uma festa linda cujo convite era um bolo feito pelo convidado (no caso, convidada, pois a maioria eram mulheres).
Além da ideia brilhante, a Dri abriu sua "roça" e sua intimidade para nós - eu, que não a conhecia pessoalmente, fui tratada como uma amiga de longa data. Na casa calorosa, a recepção ficou por conta do Rafael, fofíssimo filho da Dri, que entregava a cada um o cartão de agradecimento pela presença; assim que entrávamos, conhecíamos toda a família da anfitriã - pai, mãe, tia, irmã, marido, cunhada, que também pareciam já nos conhecer. Foi lindo ver como todo mundo se orgulha dela (com razão) e participou ativamente do evento.
Os bolos, um mais bonito que o outro, brotavam nas diversas mesas decoradas com a coleção de batedeiras-devidamente-enfeitadas-com-flores. Os convidados todos tão sintonizados com momentos bons da vida, como esse. Os pimpolhos que acompanhavam as mães quituteiras, premiados com diversão exclusiva para eles. E o espaço para os cursos que logo terão início, uma delícia de ver e estar - e já avisei que I'll be there for sure.
Na volta, ainda a sensação de que tínhamos participado de um filme ou estado numa outra dimensão - passamos pelo espelho? É possível haver uma tarde tão perfeita, com tamanha leveza? Sim, sim: a vida pode ter outros sabores, a gentileza pode ter mais espaço, há mais gente a fim de ser feliz.
Como as boas ideias não param, Dri já deu início a outro projeto: "Grandes mulheres, grandes pratos" (o site tem informações sobre como participar).
E deixo aqui uma amostra muito pequena da grandeza do evento, só para inspirar doçuras de todo tipo.


Mesas postas para deleite dos recém-chegados (ainda "vazias", pois chegamos cedo - depois haveria tantos bolos que seria difícil escolher qual provar); detalhes delicados, plantinhas e flores por toda parte; meu modesto bolo de macaxeira desenformado ao contrário; aula de design na placa com a batedeira-símbolo; crianças felizes viajando de balão; Dri (com chapéu de chef) recebendo a todos com sorrisos e carinho.

Panicus et circenses

Um dia desses eu falei que não costumo entrar em pânico. Acho que devo me explicar melhor: não entro em (ou aparento) pânico por mise-en-scène, para comover ou convencer ninguém. Ainda mais depois do que me aconteceu na última quinta, quando passei por minutos de pânico genuíno, que nada tiveram de pró-forma.
Tinha ido à última aula do Sérgio Rizzo no Espaço Cult, na Vila Madalena. Era um curso breve sobre cinema, e por isso os encontros ultrapassavam um pouco o horário, tantas coisas sempre havia por discutir. No tal último dia, a aula se estendeu até as 22h40. Todo mundo se despediu, entre feliz e frustrado, e eu resolvi dar uma passadinha no banheiro. Comentei com uma colega que desceria em seguida, mas acho que ela não prestou atenção - até porque não entendia muito bem português.
Gente, juro que foram dois ou três minutos! Quando abri a porta do banheiro, porém, parecia, como depois comentei com o Sérgio, que nunca havia estado ninguém ali - o breu e o silêncio eram completos. O mundo tinha acabado. Como não sabia onde estava o interruptor - e o escuro era mesmo total -, desci devagar as escadas. Quando cheguei lá embaixo, estava tudo TRANCADO!
Ainda vi o Sérgio dando ré no carro; bati no vidro, mas ele não me viu, até porque as luzes estavam apagadas. Acho que foram os cinco minutos de maior pânico que vivi. Chamei por Deus, xinguei, tudo ao mesmo tempo. Foi uma dificuldade digitar o telefone de Guga no celular; ele se assustou com minha histeria, meio rindo, meio desesperada.
Aí, fiat lux - achei os interruptores e minha mente clareou junto com a sala. Tinha pedido a Guga que chamasse a polícia, mas lembrei que devia haver uma agenda de telefones na mesinha da recepcionista. Ou post-its com telefones de qualquer pessoa - quem trabalha com livros e revistas costuma amar post-its, não é assim? Por sorte, tinha uma agenda novíssima na gaveta, e justamente o primeiro número que achei era o da idealizadora/dona do espaço - que não ficou nadinha feliz de saber que eu estava presa lá dentro (como se fosse culpa minha querer fazer xixi antes de ir embora - mas já sei que da próxima vez vou segurar a vontade, mesmo com o risco de uma cistite). Eu já estava pensando que talvez fosse dormir lá, e que talvez tivesse que assaltar a geladeira do café ao fundo - fazer o quê?
Por fim, a dona mandou uma funcionária abrir a porta pra mim - a mesma moça que tinha trancado tudo, achando que não havia mais ninguém. Ela veio se desculpando, toda preocupada, mas por sorte (dela e minha) devia morar ali perto. Logo a polícia estacionou na frente do espaço; informei meu nome e RG, assinei um papel e eles foram embora.
Temendo que mais alguma coisa acontecesse no caminho para o ponto de ônibus, peguei um táxi ali na frente. E tão pilhada estava que comentei o episódio com o taxista, que ainda por cima se lembrou de como isso se parecia com O iluminado, de Kubrick - pois "o cara tinha pirado justamente por ficar preso num lugar". Afe!
É isso: há pânicos e pânicos, minha gente. Mas, se puder escolher, melhor viver sem eles.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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