quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Reencontro com amigos depois de quase dois anos

Desde que começou a pandemia, deixamos de ver os amigos mais próximos (os distantes, então, nem se fala). Todo mundo quarentenado, e nós, pelo jeito, mais que todos. 
Com o pilates on-line, pelo menos, consegui ver virtualmente esses queridos a quem chamo de A Diretoria. A maioria, estrangeira como eu, mas todos eles, sem exceção, responsáveis por eu me sentir muito à vontade por aqui. Conversas divertidas, inteligentes, éticas, sérias sempre regadas a comidinhas gostosas em encontros organizados por anfitriãs perfeitas como Suely e Cris (e eu de vez em quando). 
Pois então - foram quase dois anos sem nos encontrarmos pessoalmente (só uma ou outra vez en passant e de longe no supermercado, ou no consultório de Jô, rapidamente, para vacinar Chica ou Kong ou Zen). E resolvemos nos ver, todos já vacinados, a maioria já com a dose de reforço. Só ficamos mais juntinhos pra foto, nessa aglomeração de sete.  
Puxa, que bom que foi! Que amadas são essas pessoas, e como é sempre bom lembrar disso.

Marighella, bordado e a necessidade de mais cor e poesia para a luta

Li há alguns dias um texto ótimo da sempre ótima Ana Paula Xongani sobre o filme Marighella, dirigido por Wagner Moura e por fim disponível nos cinemas brasileiros após dois anos de boicote descarado do genocida governo atual. 
Não bastasse o interesse na figura de Marighella, ainda havia a questão de honra de assistir ao filme boicotado pelo Bozo e de formar parte da resistência ao desgoverno e ao desmonte das políticas sociais no país. Eu gostei muito da atuação de Seu Jorge como o destemido líder revolucionário baiano, que eu conheci dos célebres livros de Jacob Gorender e frei Betto, dos relatos de meu primo Takao e da poesia do próprio Marighella. A visão que eu tinha do líder da ALN era de um cara mais incisivo em tudo, um Ogunzão à frente da batalha (mas daí descobri que ele é de Oxóssi, um orixá caçador, mas mais low profile, estratégico, menos atirado). 
Xongani chama a atenção, contudo, para o fato de não se falar tanto do lado poético de Marighella, de todos os camaradas brancos serem heroificados e de tudo descambar para muita violência no filme - sim, acaba sendo um filme de ação e violento, embora não de uma violência gratuita, mas a que temos em mente quando falamos da ditadura brasileira dos anos 1960-70. Imagino que isso se deva a uma escolha do Wagner Moura, de enfatizar uma história que corre o risco de cair no esquecimento. Mas concordo com ela de como essas escolhas acabam por associar não só à galera de esquerda a violência da guerrilha urbana, mas também reiteram a violência associada às pessoas negras - e não era ele o líder da galera que assalta bancos e aterroriza os cidadãos de bem? As demais personagens negras, mulheres, por sua vez, pouco destaque têm na história. OK, há uma licença poética de transformar os freis Ivo e Fernando, da Livraria Duas Cidades, no pastor Henrique Vieira, que aproveita uma deixa para falar do Jesus histórico, provavelmente de pele escura. 
Depois de ler o texto dela, me ocorreu que uma figura importante como Takao não tenha sido mencionado. Sempre me chamou a atenção um revolucionário oriental no Brasil. E ele, que estava à frente do GTA, não está no filme nem mesmo com outro nome, como acontece com Joaquim Câmara ou com Sérgio Paranhos Fleury. Ainda não terminei de ler a biografia que deu origem ao roteiro para saber se Takao aparece na história, mas fiquei pensando se isso não tinha a ver com questões de pele também. Sei lá, me ocorreu.
Calhou que, em meio ao bordado, estava também montando minha paleta de cores de pele para representar esse Brasil tão pouco branco, tão mais mestiço. Como fazem falta, em todo tempo, a cor e a poesia para fortalecer as lutas diárias por igualdade, respeito e justiça.

Quem tem medo do novo?

Nunca fui de ter medo do novo. Aliás, pelo contrário, o novo sempre foi a base sobre a qual me movi. Talvez porque eu sempre estivesse mesmo em movimento, tudo era novo, todas as paisagens eram novas. Sempre fui mezzo heraclitiana, mezzo aristotélica. Por isso me faz tão mal a estagnação. 
Apesar das mudanças constantes, sempre havia alguma segurança, o mínimo de controle de riscos. O problema hoje é que tudo é tão inseguro, tão imprevisível e instável que, no lugar da esperança, vem a ansiedade. Até o novo é outro, soa mais a má notícia que a novidade. Não sou eu que me movo, é o chão que se move sob meus pés. 
Eu me lembro de uma época de carestia, na minha juventude, em que a cada dia os produtos no supermercado tinham um preço diferente. Isso voltou a acontecer agora, com dimensões agigantadas, lançando muito, mas muito mais pessoas à penúria alimentar. Hoje não consigo só lamentar como está tudo tão caro para nós - sendo repetitiva, não é humano ignorar a fome de milhões. Isso me deprime enormemente. 
As surpresas más de que falo são desse teor de desumanidade - qual a notícia ruim do dia, sempre me pergunto - mas também englobam o crescimento de aproveitadores da miséria. 
No final das contas, não há como evitar o novo, e há quem tente tão somente ignorá-lo, o que não quer dizer que não está ali. E por que o ignoraríamos, em vez de aprender a dançar com ele, às vezes duelar com ele? Tudo muda o tempo todo, no mundo. Já dizia Heráclito, sempre nos lembra Lulu.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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