domingo, 25 de dezembro de 2022

Um balanço

Se eu tiver de escolher a melhor coisa que aconteceu este ano, não há dúvida: foi termos tirado o Bozo do poder, interrompendo por ora o completo desmantelamento das conquistas sociais no país. Por ora, porque os seguidores do Bozo subsistem sem ele, a extrema direita está à solta em toda parte, e a luta, que nunca foi fácil, agora é incessante. Mas mesmo com esse grande porém o alívio foi enorme. 
De resto, só tenho a agradecer não ter tido problemas sérios de saúde, porque foi a vez de o marido ter diversos eventos na área. Nem gosto de lembrar, mas se há alguma vantagem em lembrar é pensar como é importante cuidarmos da saúde, da alimentação, e que faz diferença consumir suco de uva e própolis!
Tive saúde suficiente para sobreviver e seguir num trabalho maluco e incessante, no pior estilo do dia da marmota, para não enfartar com uma possível vitória do Bozo no sanatório geral que virou o país, para cuidar da saúde dos outros. No que diz respeito a mim, perguntei a mim mesma o que me importa nessa vida, e confirmei que não há hipótese de continuar como estou, sem movimento nem criatividade nos meus dias. 

Dezembro em imagens

Dezembro. Teste de covid, graviola gigante, pets, carne de sol delícia, infalível pesto de castanha de caju, pizza de burrata copiada da 7 Pizzas, chocolates Monjolo, cinnamon rolls de Natal.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Cropped

A primeira vez que li essa expressão "bota uma cropped e vai" (podia ser "vai malhar", "vai ser feliz", "vai ganhar o mundo", qualquer coisa positiva), não me identifiquei com a ideia. Até pouco tempo, ainda estava (embora cada vez menos) presa à ideia de uma vestimenta adequada a uma idade, mesmo achando (cada vez mais) que cada um tem direito de usar o que quiser. Ou seja, achava que uma blusa cropped não era para mim - aliás, nunca foi, nunca fui de mostrar a barriga ou mais pele do que braços e pernas, a menos que estivesse de biquíni. 
Porém, graças a tantas e tantas mulheres, influenciadoras ou não, que têm se mostrado do jeito que querem, com o corpo que têm, com a idade que têm, os ares da liberdade de ser estão em toda parte, e quero crer que seja um processo irreversível, mesmo com toda intolerância que grita contra. Ao mesmo tempo, tenho aprendido, aos 50, a vestir-me não para disfarçar "defeitos" mas para realçar aquilo de que mais gosto em mim - e tenho aprendido a gostar de cada vez mais coisas. Entonces, eu, que morro de calor, resolvi comprar blusas para malhar que ficam na cintura, e tops que deixam, sim, parte da barriga de fora. E amei, me senti fresca e linda, envolvida numa felicidade libertadora. 
Daí entendi o que queria dizer esse apelo de botar a cropped e ir por aí. Nada mais do que ser feliz sendo o que se é. Gostar de quem se é. Eu ando gostando, como nunca gostei. Ando me vendo, como nunca me vi, e gostando do que vejo. E uso cropped sem pedir permissão a ninguém. 

Comprar de mulheres

Cada vez mais compro de mulheres, e quase que exclusivamente de mulheres. Isso significa que também tenho comprado cada vez mais dos pequenos negócios. Isso serve para tudo: roupas, produtos de beleza, utilidades, sapatos, agenda, comida, chocolate. Talvez não se aplique somente a medicamentos, ainda dominados pela grande indústria. E pneu de bicicleta, coisas assim.
Comprar de mulheres não é só apoiar quem ainda não encontra o espaço merecido no mercado de trabalho, que não tem como encontrar emprego formal porque precisa cuidar da família, que se vira nos 30 em criatividade para sobreviver. Comprar de mulheres é receber em troca produtos pensados a fundo por quem entende de cuidados, receber, sempre, cartinhas lindas e carinhosas e agradecidas escritas à mão (pena eu não ter guardado as cartinhas, tamanho o volume que se formou), muitas vezes com pequenos mimos, um cheirinho, uma folha de papel de seda envolvendo a peça, um frasquinho de álcool gel, um bombom! Para citar exemplos das duas últimas compras: recebi, junto com meu planner da _cincofolhas, calendário, bloco de post-it, marcador, chaveiro, e presilhas e flores de lã perfumadas, acompanhando shorts da Augusta 75, além das infalíveis cartinhas. Mesmo quando se trata de uma empresa maior, como a Calma São Paulo, a Kelly Kim também tem esse cuidado com embalagens lindas e recados personalizados. 
Já comprei também de homens na condição de pequenos empresários e nunca vi essa atitude - entregam o produto, e pronto. As mulheres, via de regra, trabalham de forma mais atenciosa, enquanto equilibram pratos, ficam de olho nas crias, respondem a mensagens de clientes, da escola das crianças, da família, pensam no que haverá em cada refeição, colocam roupa para lavar, organizam a rotina doméstica, financeira e profissional, muitas vezes enquanto ajudam os parceiros em seu trabalho de forma mais direta. E ainda são cobradas quanto a manter a boa forma, o desejo sexual, a simpatia etc. etc. Isso para não dizer que as mulheres são mais preocupadas com os destinos do planeta, com o que colocam no prato, seu e dos filhos, com testes feitos em animais, com trabalho escravo, com a luta pela democracia e contra a injustiça. 
Compro de mulheres porque isso ajuda a todas nós perceber que temos toda condição de mudar a ordem das coisas, de uma maneira justa (portanto coletiva), afetuosa e perene. 

sábado, 19 de novembro de 2022

Belezuras de design e ilustração


Dois lindos exemplos: envelope de presente de livros da Editora Carochinha e papel de seda para embrulhar as lindas peças da Duas, moda autoral de Recife. De inspirar a gente. 

Semifredo de amendoim, leite de coco e chocolate

Receita da Dani Noce. Não muito doce, bem saboroso. 

domingo, 6 de novembro de 2022

Cinnamon rolls e ambrosia acidental

Esses dias repeti duas receitas: cinnamon rolls e ambrosia. 
Quando fiz o cinnamon rolls, há 4 anos, não ficou tão bom, deu uma queimadinha e tals - marido nem lembrava que eu já tinha feito, pra ver o sucesso que foi. Desta vez, ficou maravilhoso (e a receita é exatamente a mesma, mas executada com mais atenção). 
Já a ambrosia, desta vez foi um acidente. Estava fazendo, com toda paciência, uma crema catalana pro jantar, mexendo no banho-maria, certinho. Mas, como marido se ofereceu para fazer o ragu que cobriria a polenta, e eu não podia perder essa oportunidade de ele cozinhar pra mim, resolvi apressar o processo, mesmo com uma vozinha gritando que ia talhar, e quis terminar o espessamento na panela direto sobre o fogo. Claro que talhou. Óbvio! Tem limão, né? Mas daí, talvez a mesma vozinha ajudando, me lembrei de que os ingredientes são quase os mesmos da ambrosia. Coloquei umas gotas de limão a mais, e deixei no fogo até espessar os gruminhos. E deu super certo.  

sábado, 5 de novembro de 2022

Consciência de classe, consciência de si

Tenho tido muita preguiça de escrever. Preguiça não - uma espécie de paralisia estupefata. Com tudo que temos vivido nos últimos 4 anos, e muito piorado neste ano, quem é contra a injustiça teve que levantar a cabeça muito mais vezes para respirar. 
Mas não hoje. Dia 30 foi dia de eleição, do nosso sagrado direito e dever democrático de votar, de dizer nas urnas que não queríamos um fascista no poder. Que queremos uma vida melhor para todos. Hoje o fôlego tem de ser enorme e coletivo. Porque vencemos. Pudemos, depois de tantos anos, gritar a plenos pulmões o nosso alívio.
Foi por pouco, o que não invalida a vitória, mas acende o alerta. Já devo ter dito isso, mas repito como me espanta que as pessoas não privilegiadas votem no genocida. Desde a moça que vende Hinode e replica fake news sobre o governo de esquerda que certamente a beneficiou de algum modo, ao ex-colega de Federal que é umbandista e publica que agora os brasileiros terão de comer carne de cachorro com o governo do PT reeleito, passando por muitas variações de falas insanas vindas de membros de classes não favorecidas. Muita gente enganada pela falácia do pseudoempreendedorismo, da defesa da religião e do moralismo, querendo igualar-se à verdadeira elite do país, buscando pontos em comum e, na verdade, reproduzindo um discurso preconceituoso em todos os aspectos, contra negros, pobres, mulheres, LGBT, nordestinos, artistas, professores. Mas também muita gente que só esperava que aparecesse alguém que dissesse exatamente o que essa turba pensa, e aí temos mesmo uma falha de caráter. 
Não elenco aqui a elite desejosa de manter seus privilégios coloniais, mas os servis, os enganados e os cruéis de diversas classes, que ajudaram a engrossar esse caldo de vilania que nos acanhou e violentou todos esses anos. Essa turba que, logo após o resultado suado do domingo, mesmo com todas as tentativas de fraude e com o uso desavergonhado da máquina pública, saiu às ruas para protestar contra a democracia e pedir intervenção militar. Esses desfavorecidos iludidos é que me espantam muito mais pois não têm consciência da classe a que pertencem, não têm, portanto, consciência de quem são. Não podemos tirar o mérito do capitalismo e do ultraliberalismo, que ajudaram a cimentar as ilusões de consumo que prendem essas pessoas à caverna obscurantista, anulando a real percepção de si - e, no caso do que temos visto depois de domingo, do ridículo a que se têm sujeitado. 
A luta será contínua, para não permitir que o fascismo se instale novamente. Deveríamos seguir o exemplo da Argentina, que alimenta continuamente sua memória, sua consciência de si, negando-se a esquecer o passado, como no ótimo Argentina, 1985, com o querido Darín, sobre o julgamento dos comandantes da ditadura. E como disse uma pastora querida que conheci na minha época de igreja - uma das pessoas mais lúcidas naquele contexto -, só quem não se esquece de onde veio sabe aonde quer chegar. 
Porque sabemos quem somos, sabemos com quem queremos estar e com quem podemos contar. 

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

O Brasil não conhece o Brasil

Tive uns 3 dias de completa ressaca moral após o primeiro turno das eleições. O que mais me estarreceu no resultado do genocida foi constatar que há muitos brasileiros que preferem ignorar todas as ações contra a vida e os direitos humanos realizadas pelo belzebu em exercício. Ou talvez até as louvem. Ou seja, somos piores do que pensávamos, e não me saía da cabeça a música de Aldir Blanc, "Querelas do Brasil", a obra de um compositor vítima justamente do projeto de morte da atual presidência. Aldir, que morreu com insuficiência cardiorrespiratória provocada pela Covid, por falta de vacina, por abandono, por completa indiferença do genocida, que, claro, nem sequer lamentou a morte do artista genial, como faria qualquer chefe de Estado. 
Continuamos, portanto, até dia 30 de outubro, sem saber o que será da vida neste país. Tudo é tão tênue, tão frágil, tão inseguro, e isso se reflete em todas as instâncias da vida para além da política - no trabalho com parceiros escorregadios, na suspensão de projetos e esperanças, na possibilidade de perder Kong a qualquer momento (a veterinária disse que ele tem uma expectativa de vida de 2 anos). 
Olho para dentro da vida, e vejo a indefinição, a realidade gasosa/líquida de Marx/Berman e Bauman ditando nossos dias. Olho para fora e vejo, com horror, a violência, o ódio ao diferente, a indiferença diante da iniquidade, a normose como regra. Tenho cada vez mais dúvidas se conheci o país que habito, que me parece cada vez menos meu. 

domingo, 25 de setembro de 2022

Um cão e seu coração

Soubemos ontem que Kong é um cãozinho cardiopata. Ele foi diagnosticado com cardiomiopatia dilatada. Só descobrimos porque, na última quinta, dia de faxina, ele avançou sobre um monte de cascas de coco, que não sabemos se ele comeu ou não, e mais tarde tombou no escritório de Guga, que, em princípio, ficou em dúvida se tinha sido um desmaio ou um tropeço. No mesmo dia, no final da tarde, ele começou a tossir forte na minha frente, logo pensei no coco. Em seguida, em mais um acesso de tosse, caiu duro diante de nós, mas levantou rapidamente. 
Fiquei em pânico, querendo levá-lo pra emergência, acionando sua veterinária, fazendo pesquisa na internet. Atualmente, estamos sem carro, e não há pronto-socorro veterinário por aqui; claro que, quando ele caiu duro pela segunda vez, já era noite. Ainda tentei achar um uber pet, taxista, qualquer pessoa que levasse um cachorro no carro para Lauro de Freitas, mas não rolou. 
Consegui falar com Jô, que disse para deixarmos Kong em jejum até a manhã seguinte. Como não ia conseguir dormir, tensa com a tosse meio desesperada, e ele ainda tombou pela terceira vez logo que nos deitamos, fui trabalhar, até 3h, quando Guga me rendeu. Percebemos que ele se acalmava, e parava de tossir, se estávamos perto e falávamos com ele. 
Dia seguinte, fomos logo para a clínica. A veterinária colheu sangue, mediu a pressão, auscultou e fez um eletrocardiograma. Ela indicou logo a arritmia, que poderia ter sido causada pelo corpo estranho dificultando a oxigenação mas também por um problema cardíaco preexistente. Prescreveu o raio-x urgente, e lá fomos nós de novo, atrás de alternativas para pessoas sem carro - quando não deu certo alugar um carro, que não tinha voltado da revisão, e eu já estava conformada com ter de esperar até segunda, se meu cachorro resistisse, já que o laboratório em Vilas não funciona aos sábados e não adiantaria pegar emprestado o carro da sogra, Fernanda, a veterinária, ligou para me falar do eletrocardiograma e passar o contato do raio x móvel - que eu já tinha tentado contatar sem sucesso, mas então soube que eles haviam mudado de nome. Entrei em contato, eles responderam rapidamente e, sim, podiam vir naquele dia até nós. O pessoal da clínica, autorizado por Jô, nos recebeu e à equipe do raio x para fazermos o exame. Lá foi Kong, pela segunda vez no mesmo dia, ser segurado, apalpado, levantado, virado, comportando-se lindamente, mas sempre nos buscando com os olhos. Galera do Imagem Animal, maravilhosa, nos apontou que, em princípio, não estavam localizando o corpo estranho, o famigerado pedaço de coco que levantou nossas suspeitas.
Fernanda, super proativa e preocupada, entrou em contato com uma veterinária cardiologista, que topou vir no sábado nos atender. Nada de medicação, por enquanto, e passamos mais uma noite velando o sono dele - fui dormir no sofá do escritório, e cada vez que ele tossia forte eu o acalentava, e ele se acalmava, bebia água, dormia. Foi um pouco mais tranquilo na segunda noite, provavelmente porque ele também estava exausto e estava poupando energia. 
No sábado, lá fomos nós de novo. Lídia, a veterinária cardiologista, logo chegou. Primeiro, depois de ver o laudo do raio-x, que realmente não acusava corpo estranho nas vias respiratórias superiores, mas um pouco de inflamação no pulmão, ela disse que devíamos fazer uma endoscopia imediatamente, para ver se o corpo estranho tinha descido mais ou se estava ali e não conseguíamos ver por falta de contraste. No entanto, quando começou a fazer o ecocardiograma, viu logo que o ritmo cardíaco de Kong estava devagar quase parando - quase chorei nessa hora, vendo a linha sistólica quase reta. Ela então receitou medicação para tratarmos o coração, além de repouso (e vamos ter que delimitar a área externa em que ele fica, sobretudo à noite, quando fica mais ativo e quer perseguir gatos e sariguês visitantes) e alimentação adequada (biscoitos comuns nunca mais). No final da tarde de sábado, já iniciamos a medicação, e Kong tossiu muito pouco, só nos acordando à 1h30 porque queria fazer xixi (já esperado, porque um dos remédios é diurético). Depois, dormiu até de manhã, e nós também, finalmente. 
Lemos bastante desde então sobre cardiopatia canina. Ele pode viver ainda muitos anos, mas também pode partir a qualquer momento, se tiver um edema pulmonar. O diagnóstico mudou completamente nossa relação com ele. Vamos garantir a maior qualidade possível de vida, dentro dos nossos recursos - porque ser saudável é caro, para humanos e outros animais. 
Resolvi finalmente escrever uma história para ele. Já um agradecimento pelo tempo de vida que ele tem nos concedido, uma memória desse convívio, que esperamos seja ainda muito longo.

Vermelhou

Faltam 7 dias para as eleições, as mais importantes dos últimos 20 anos. A luta de resistência ao fascismo e a defesa da democracia são o que está em jogo. Temos visto muita gente com medo de sofrer violência dos fascistas, já que têm havido aqui e ali assassinatos e atentados contra quem ousa se colocar como alguém de esquerda ou, no mínimo, antifascista. Nas redes, lugar mais protegido, a galera tem se manifestado a favor do voto útil e contra a barbárie, como no vídeo do "Vira voto", encampado por muitos artistas, e no delicioso desafio dos 13 livros vermelhos, oportunidade de reencontrarmos nossas leituras e de conhecermos as alheias. 
O que não podemos é deixar o medo nos impedir de exercermos nosso direito de protestar contra o horror e garantir a volta de um governo que, mesmo imperfeito como todos, não coaduna com a intolerância e a injustiça social. 
Dia 2, vamos de vermelho, dentro e fora, levando o voto no corpo.  

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Bolo, domburi, pão e a eterna arte da transformação

Não deve haver título/definição mais perfeito que o de Michael Pollan para o ato de cozinhar. Por isso, e na falta de outro melhor para juntar bolo, domburi e pão no mesmo post, parafraseei-o aqui. 
Na verdade, queria falar do bolo de cenoura mesclado, receita da Rita Lobo, para tratar do uso dos ingredientes do pacotão de legumes trazido por minha sogra lá da secretaria, vendido por uma colega de trabalho. Estou há mais de duas semanas na luta para preparar de um tudo com o que veio no pacote - depois engrossado por meio pacote doado por minha sogra -, e a receita do bolo de cenoura veio a calhar para dar algum brilho diferente aos legumes refogados de todo dia. A receita leva também cobertura de chocolate, mas resolvi me limitar ao chocolate em pó 70% cacau usado internamente. Ficou delicioso. 
O domburi herdou a berinjela do pacotão hortifruti. Vi uma receita de domburi com berinjela e shitake fresco no perfil gringo thefoodietakesflight, que tem uma proposta asiática vegana. Eu tinha a berinjela, um pacote de funghi secchi e adicionei frango, tudo com um molho feito de sakê mirin, açúcar mascavo e shoyu sobre arroz branco e depois finalizado com uma chuvinha de salsinha fresca e gergelim branco. Muito, muito bom. 
Por fim, testei nova receita de pão de hambúrguer. Ficou lindão, receita do Tastemade. Mas vale fazer umas adaptações para deixar mais leve, menos massudinho, como cortar pedaços de no máximo 80 gramas de massa, achatar e deixar crescer mais tempo, talvez na geladeira. Como tinha pressa, porque queria comer hambúrguer, e não preparar mais frango e legumes pra jantar, apostei no pão, que, mesmo levando mais de uma hora pra ficar pronto, não me exigia atenção todo o tempo, e sim o seu tempo de fermentação e de forno (a única chatice foi que a alça do cesto da airfryer - onde estavam os hambúrgueres - quebrou de novo, e eu queimei os dedos tentando segurá-la). 
Realmente estou cansada de cozinhar todo dia, mas sempre me encanta a capacidade humana de transformar ingredientes diversos em comida.

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Meu rio possível-porque-sonhado

Foi o equivalente a um parto, pelo menos em termos de tempo: nove meses depois, terminei de bordar o vestido com imagens do São Francisco. Na verdade, tive de parar, porque não só não aguentava mais como também, por contraditório que pareça, não parava de ter ideias de coisas pra bordar (como a cauda de jubarte e a água-viva de última hora). Tinha idealizado galinha, carcará, cobra, peixes coloridos, tartaruga, flores, árvores, todo tipo de gente. Misturada à minha memória do rio, a minha vivência nordestina. E o vestido, que era pra ser uma peça de uso cotidiano, mesmo que não constante, virou uma espécie de manto da anunciação (mal comparando com a obra sublime do Bispo), algo mais "solene", para usos especiais. 
Também estava agoniada para lavar o vestido, que ficou pendurado na estante todo esse tempo, esperando pelos momentos em que havia um pouco de inspiração e vontade de bordar - houve períodos de total abandono, até de fato retomar, mesmo uns minutos por dia, a tarefa. Ontem, finalizei o bordado (resolvi simplificar algumas coisas, como os peixes, deixando só o contorno, e as galinhas, que foram trocadas por flores). Hoje lavei a peça, tomando cuidado com deixar já pronto um balde de água com vinagre e sal - e não teve nenhuma manchinha, que bom. 
Minhas mascotes estão presentes, como sempre. Está presente um Brasil mestiço, com esperança de dias melhores na estrela empinada pelas crianças (essa cena já foi parar devidamente no Instagram #desenhosporlula). Tem carranca, tem vaqueiro, tem São João, tem canoa de tolda, tem pescador e lavadeiras. Tem Iemanjá guardando as águas do Rio Mar, Opará dos povos originários e ribeirinhos. Tem casario colonial, igrejas da Barra e da família Lemos em Penedo. Flamboyant, ipê, mandacaru e coqueiro. E como falta tanta coisa! 
Que mundo imenso é o São Francisco, como ele representa um país em que acredito, que gostaria de ajudar a tornar melhor e mais feliz. Vou com o voto e com a arte, singrando nas águas do possível-porque-sonhado. 

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Michuí e mjadra


Amo a cozinha árabe. Pra variar, fiz de novo michuí e aproveitei a mjadra que tinha congelada. Desta vez, com xarope de romã mesmo (da outra vez, usei uma geleia de acerola feita em casa). Maravilhoso!

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Aboca, Portella e Veko e a balbúrdia libertadora

Ainda não tínhamos ido a uma aglomeração de verdade desde que a pandemia começou a arrefecer. Na verdade, nem esperávamos que fosse uma até chegarmos ao local, o centro cultural Aboca, em Santo Antonio Além do Carmo, bairro antigo e boêmio de Salvador, conduzidos pelos queridos Julio e Cris. 
Cris, que é batuqueira de primeira, tinha comentado que amigos do Cortejo Afro se apresentavam ali toda quarta, numa performance musical. Imaginei que fosse algo mais intimista em termos de público, e ela também achou que seria assim porque quando esteve ali havia poucas mesas e tal. Chamei também Liu e Igor, que não víamos há um tempão.
Assim que chegamos àquela casa de fachada estreita numa das estreitas ruas de paralelepípedos do bairro, já encontramos uma galera sentada à porta, inclusive um senhor negro, pequenininho, de cabeça branquíssima. Cris cumprimentou, eu pensei logo que devia ser um músico da Velha Guarda. Entramos num desses lugares que, pequenos por fora, são grandes por dentro, uma atmosfera boemíssima, com direito a ver o céu de estrelas por um pergolado, plantas charmosamente desordenadas, gentes diversas e animadas aqui e ali. 
Logo Cris encontrou os amigos, Portella e Veko, devidamente preparados para a apresentação - depois de provarmos a pizza de massa fina, bem boa, fomos para o local do show, onde já havia muita gente. O senhor de cabeça branquinha era mestre Paulinho, que tocava bongô e um pandeiro retado, uma coisa linda. Testamos, ali, a eficácia da quarta dose da vacina contra Covid, no meio de umas 100 pessoas pulando e cantando a plenos pulmões, inclusive nós. 
Foi apoteótico, dionisíaco, brilhante! Meu tipo de lugar, meu tipo de artistas, de energias, de gentes. Como a balbúrdia faz falta nestes tempos!

terça-feira, 26 de julho de 2022

Uma cena feliz pra esquecer chateações


No dia do meu aniversário, fomos dar um rolezinho na praia. Estávamos ali, tomando nosso sol na areia, quando chegou um guri empurrando sua bike. Para dentro d'água, porque queria brincar com as outras crianças, mas não queria deixar a bike de fora da brincadeira. Ele chegou a subir na bicicleta na água, a pedalar enquanto a bike afundava um pouquinho. Aquela cena deu um frescor ao dia. Como é importante acreditar na nossa ação no mundo, e como vamos nos esquecendo disso à medida que crescemos! E também como é fundamental abandonar uma ideia quando ela não funciona. 
Lembrei do guri hoje, quando respondia a uma pessoa sobre questões de trabalho, eu e essa pessoa discordando diametralmente quanto a um combinado. Marido também trouxe uma luz: disse que eu não podia me responsabilizar por tudo no trabalho, me esfalfar para que tudo desse certo. E é verdade verdadeira - não preciso convencer uma pessoa a trabalhar se ela não quiser, se ela se sentir desconfortável com a proposta de trabalho. Logo eu, que detesto insistir com as pessoas, que acho desrespeitosa com elas e comigo a insistência. 
"Let it go", diria Elza em Frozen e demonstra o guri com sua bike, numa feliz cena praiana. 

Reaproveitamento com molho delicioso de amendoim, shoyu e limão

Outro dia, horrorizada com preços de tudo (que tem sido meu estado de espírito nos últimos anos), guardei os talos de espinafre, lavadinhos, para fazer um molho de macarrão. Mas acabei vendo uma receita no Instagram de uma salada oriental com bifum e molho de amendoim - que eu tentei fazer uma vez meio no olho e não deu muito certo - e mudei de ideia. A tal receita de salada levava alguns legumes, e me lembrei que tinha repolho na geladeira, e cenoura. Imaginei que o sabor do amendoim poderia destacar o sabor dos legumes e o bifum daria aquela equilibrada na adstringência, além de enriquecer a textura. 
A foto não está das melhores, mas o molho feito com 1 colher de sopa de pasta de amendoim, 1 colher de sopa de shoyu e 1 colher de sopa de suco de limão é perfeito. Refoguei bem no alho os talos de espinafre cortadinhos, juntei a cenoura e o repolho. O bifum, cozinhei separadamente e adicionei no final, junto com o molho de amendoim (que forma uma pastinha). Delícia, delícia.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Cinquentenário

Daí que os cinquenta chegaram. 
Nunca fui de ficar me imaginando no futuro - "ah, vou fazer ou terei feito tal coisa quando tiver tantos anos" -, o que talvez tivesse me ajudado a planejar melhor a vida. Talvez. Sempre estabeleci o que gostaria de fazer na vida, das pequenas às grandes coisas, mas poderia ser a qualquer momento, até porque a maioria dessas coisas tem caráter perene: viajar, estudar, criar, movimentar. São mais um projeto de viver que um projeto de vida. Não tenho dinheiro, mas tenho vivência. 
Eu não imaginava que chegaria aos cinquenta num contexto tão ruim, com fascistas no poder. Que o país seria depauperado, ainda mais roubado de suas riquezas e conquistas sociais, que uma parcela desse país se mostraria em pelo, arreganhando os dentes, empunhando armas, violentando e assassinando os diferentes. Esse horror ainda era intestino quando me questionava, há doze anos, registrados na foto  tirada na emblemática Speranza, como seria chegar aos 40. Hoje me espia um medo de fazer planos, uma incerteza quanto àquilo que havia estabelecido em meu projeto de viver - será que ainda conseguirei? Será que vale a pena?
De lá pra cá, também, houve a mudança física, que só parece súbita, mas é herança de tudo o que consumi, com olhos, ouvidos, boca, do sol enlouquecendo o melasma, do açúcar assassinando o colágeno. A vida vai nos secando de todo jeito, e a gente precisa lutar para se manter hidratada e forte, corpo e alma. 
Mas, apesar de medos e securas, a gente ainda comemora. Estar viva, não ser uma criatura empedernida, ter consciência de si e dos outros. Comemoro junto com meus sogros, que também cinquentenaram uma existência juntos. Comemoro com o lançamento, há cinquenta anos, dos álbuns Clube da EsquinaQuando o Carnaval chegar Acabou chorare, dos filmes Cabaret, O poderoso chefão e São Bernardo. Comemoro com os amigos/amados pra não esquecer que não estamos sós, contra a barbárie e pelo afeto. 

Matilha

Hoje é dia da amizade, uma data pra celebrar todo-santo-dia, porque se não fossem os amigos de sempre para nos lembrar quem somos, para nos desafiar, para tirar nossa cabeça de dentro d'água ou do buraco de avestruz, realmente não sei o que seria. 
Sorte de quem tem sua matilha. Eu tenho, e fiz questão de recuperá-la mesmo de longe. A importância dessa matilha para mim ficou mais clara, bem delineada, depois de finalmente eu ter terminado de ler, com muitas idas e vindas, o livro da Clarissa Pinkola Estés, Mulheres que correm com lobos
Quem me falou desse livro pela primeira vez foi Karen, há muitos anos. Confesso que tive o mesmo preconceito que algumas amigas têm ainda hoje, especialmente as mais intelectuais - achava que era mais um livro de auto-ajuda. Fiquei surpresa de Karen ter se interessado por ele, ainda mais com um nome piegas desses, e não entendi bem do que tratava o livro quando ela me explicou, embora lá no fundo, bem no fundinho, tenha ficado uma inquietação. Mas ainda não era a hora.
Em algum momento, esse livro voltou em alguma conversa, aí já necessário, fazendo todo sentido do mundo. Não me lembro se foi junto com a terapia, mas certamente foi quando se agudizou minha percepção de que o meu ser mulher neste mundo se chocava com os estereótipos femininos patriarcais; talvez tenha sido quando também comecei a bordar, porque coincidências não existem, o que existe são sincronicidades. O que importa é que o livro voltou, engrandecido, investido de clara importância como se claramente importante sempre tivesse sido. 
Como tudo que é importante, esse livro que trata da importância da mulher selvagem, da matilha formada por outras mulheres, da necessidade de romper os ciclos de opressão exige tempo para ser digerido. Não sei quanto tempo levei entre começar, recomeçar algumas vezes e, por fim, terminar a leitura. Ao fim, ainda descobri, por intermédio da postagem de uma amiga, que havia um podcast, iniciado em 2017, "Talvez seja isso", que destrincha o livro em uma leitura comentada por duas jovens gaúchas. Ouço o programa, agora já paramentada do conteúdo, enquanto bordo - não por acaso.
Para além da necessidade de renascer sempre a partir do que parecia morto, me salta aos olhos no livro e no podcast a necessidade de fazer parte da matilha, como já disse. Nunca me esqueço (e isso me aquece cotidianamente o coração) da importância das amigas em momentos bem difíceis da vida, mergulhada em dor, desamparo e dúvida quanto ao futuro. Sempre havia uma amiga - e eu incluo aqui irmãs, mãe, sogra - para iluminar o caminho, estender a mão, trazer um conselho sábio. Até trazer fogão, botijão, panelas e pratos para a amiga recém-mudada que não tinha quase nada. Ou ajudar em outra mudança, carregando computador, televisão e sabe Deus o que mais no carro. Ou chamar para um café no meio da tarde angustiada e oferecer os ouvidos mais que atentos. Ou, ainda, oferecer um Gatorade e bolachas para alguém febril e moribunda após uma infecção intestinal. Ou rir ou chorar junto, ou tudo ao mesmo tempo.  
A minha sensação é de estar sempre em débito. Minha matilha me dá muito mais do que eu ofereço em troca. Mas o que dou talvez seja o meu melhor, ao menos até aqui: meu amor e minha gratidão. Essa certeza eu acredito que elas têm. 

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Simplicidade, a maior das evoluções

Do mesmo modo que me interessa saber como se davam os antigos processos culinários, quando não havia tecnologia nenhuma, e como são feitos alguns pratos mais complicados, eu sempre busco as soluções mais simples para essas mesmas receitas. Como aconteceu com o boeuf bourguignon, por exemplo: procurei aprender a receita "raiz" para depois simplificar o prato, preparando-o inclusive na panela de pressão, autorizada pelo Troisgros. O mesmo com a sopa de maní, cuja receita já achei simplificada e simplifiquei mais um pouquinho. Aprendi a fazer sorvete sem sorveteira, entendendo a lógica de seus ingredientes, antes de comprar uma sorveteira. Ou seja, se faltar energia, mas não ingredientes, ainda dá pra eu me virar. 
Mas a simplicidade de que mais gosto é poder fazer combinações com o que já está pronto na geladeira. Antes de saber cozinhar, eu já tinha encantamento por marmitas - e hoje elas estão tão na moda! 
Por isso, gosto tanto dos programas da Rita Lobo, que aborda não só a comida de verdade, mas também a simplificação do ato de cozinhar cotidianamente. Pra mim, é a verdadeira evolução culinária, a simplicidade. 
Dia desses, sem arroz na despensa, preparei uma quinoa que estava ali perdida, para acompanhar lentilha cozida. Ambas sobraram, já mais sequinhas. E achei duas receitas do Panelinha, que ainda me fizeram aproveitar uma beterraba do fundo da gaveta e amêndoas que já estavam meio murchinhas. Logo tínhamos, para o jantar, um cuscuz marroquino feito com quinoa, amêndoas, alcaparras e raspas de limão e lentilhas com molho de balsâmico e fatias de beterraba, ambos muito gostosos. 
Aproveitando que tinha feito coalhada caseira, preparei uns nuggets simplificados, marinando o frango já temperado no iogurte e passando numa farinha de rosca feita com um pão francês integral que havia sobrado. Ainda preparei um molho tártaro com maionese pronta, alcaparras e picles de pepino, delícia. 

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Quero mais saúde

Trago obviedades quando digo que a pandemia nos fez dar mais valor à saúde. Isso é ainda mais verdade com o avanço da idade de quem não tem, como nós, plano de saúde (embora hoje os clientes de planos sofram só um pouco menos do que quem conta só com o SUS). Temos que manter a saúde não só para ter uma vida melhor como também para evitar perrengues e gastos mais altos com remédios, exames e hospital. 
Mesmo buscando nos alimentarmos bem e fazer exercícios, volta e meia um problema de saúde bate à porta. Marido teve Covid no final do ano, entrou 2022 com dor terrível no dente seguida de extração, emendou com inflamação no antebraço e finalizou com infecção urinária de febrão de quatro dias até que descobríssemos, no PA local, o que era, o que rendeu noites sem dormir e o pavor de vê-lo tendo uma convulsão. 
Eu já vinha tendo algum desconforto gástrico desde final de abril, provavelmente de fundo emocional, que piorou com chutada no balde na alimentação e mais ainda com os problemas de saúde do marido. Assim como o marido, fui parar no posto de saúde, para receber omeprazol, buscopan e dipirona na veia. O que seria de nós sem o SUS? Não gosto nem de pensar. Isso porque ainda tenho condições de reservar algum dinheiro anualmente para fazer meus exames de saúde de rotina e pagar a consulta da ginecologista. De quando em quando, algum gasto com dentista e, eventualmente, medicamentos básicos. Mas como seria com pouca saúde, com uma doença crônica?
Mesmo assim, nessa visita ao PA, a enfermeira comentou como meu sangue estava bem viscoso e perguntou como andava meu colesterol. Pensei logo nos exames anuais, ajuntei com o desconforto gástrico e decidi colocar tudo nos trilhos de novo, voltando a me exercitar e cortando os excessos alimentares (sucos, doces, massas). Reduzi o café para uma xícara por dia e adentro o terceiro dia com dor de cabeça à tarde. Mas resisto, porque o café tem realmente caído mal. Também o chocolate, comidas mais gordurosas. Vou ter de voltar a organizar umas marmitas semanais, porque realmente não dou mais conta de cozinhar todo dia. Voltei a tomar coalhada caseira para equilibrar as floras. 
Nessa toada por mais saúde, ainda assisti ao evento on-line organizado pela Silvia Ruiz, o Ageless Talks, ótimo, que fala tanto da saúde em todos os campos das pessoas com mais de 40 anos, especialmente as mulheres. Sempre ajuda perceber que não estamos sós em tantas mudanças na vida e na saúde. 

terça-feira, 21 de junho de 2022

Tempo de olhar o que se tem

A gente tem que parar sempre por uns momentos no dia a dia para perceber que tipo de vida tem levado. Embora eu ainda não tenha conseguido retomar a prática da horta, ainda esperando um contato técnico para saber onde e o que plantar, sigo procurando não desperdiçar comida e doando roupas e sapatos que não uso mais (até porque meu tendão de aquiles é gostar de uma roupinha diferente). Em se tratando de comida, claro, nosso consumo é 90% de comida de verdade, inclusive com preparo de alimentos como creme de avelã e, recentemente, requeijão caseiro, que leva apenas leite, limão, manteiga e sal. 
Isso de processar alimentos para transformar em comida me fascina sempre. Gosto de saber como as coisas eram feitas antes de haver tanta tecnologia; aprendo a fazer "como antigamente" para depois partir para algo mais prático. Assim foi com sorvete, creme de avelã, geleias de frutas, mascarpone caseiro, biscoito champagne, leite condensado, doce de leite, caramelo, leite de coco, pesto, tomate confitado - alimentos que muitas vezes são base para outras receitas -, mas também com comidas mais elaboradas, como boeuf bourguignon e o prato etrusco que fiz há alguns anos. Pão, então, nem se fala, é pura magia da transformação - e consegui, enfim, fazer um bom pão de milho, receita do site Meu Pão Caseiro, de uma antiga aluna da Levain. 
Além dos alimentos, tem a questão do descarte, de plástico sobretudo. Tem a questão das roupas e sapatos que ficam - como mantê-los para não precisar descartar. Para o primeiro caso, encontrei uma opção para o plástico filme que embalava alimentos: paninhos impermeabilizados com cera de abelha, da Ophelia Eco, lá da ECDE, claro. Não são baratos, mas a promessa é de que durem cerca de um ano. No caso das roupas e sapatos, faço manutenções regulares, levando a costureira, costurando eu mesma, limpando sapatos, hidratando couro. E agora descobri um remendo mágico para couro, uma espécie de adesivo vinílico, que usei para cobrir rasgos feitos por Zen na minha jaqueta de couro - ficou quase invisível, muito melhor que fazer um remendo de couro por cima. 
Quando olho pra essas soluções cotidianas, me dou conta de que persiste a coerência nas escolhas para a vida. Ter mais dinheiro para não ter de me preocupar seria bom, mas não faria diferença se eu não soubesse o que de fato importa. 

A felicidade das pequenas coisas, uma paráfrase real

Domingo, saí pra pedalar depois de quase dois anos e meio. Eu até tenho usado a bicicleta para ir ao pilates, mas é muito perto para dizer que tenho "pedalado". Daí que eu saí na linha "vamos ver até onde consigo ir, se precisar, empurro na subida". Também pensei que preferia ir na direção da Praia do Forte, um caminho de que gosto mais, cheio de verde, com cheiro bom de verde, menos carros etc. Imaginei que conseguiria ir até Barra do Pojuca. 
Mas então fui indo, indo, concentrada no movimento, com pensamentos passando aqui e ali. Fui chegando perto de Barra do Pojuca, e vi que dava pra ir mais um pouquinho. Até o próximo retorno, pensei. Cheguei à primeira subida mais íngreme, quase no final desci da bike, pela primeira vez ali. Montei, passei pelo retorno, segui, enquanto uma dupla de ciclistas do outro lado gritava pra mim "bora, garota!". Sorri, animada. Segui. 
Quando dei por mim, estava na entrada da Praia do Forte. Pensei logo em tomar um cafezinho, mas imaginando que, na volta, o ladeirão ia ser feito todo a pé. Mas qual! Coloquei na penúltima marcha mais leve e fui subindo, subindo. Só fui de fato sentir cansaço quase perto de casa, nos músculos da coxa e um pouco nas costas. 
Algo parecido aconteceu com o bordado do São Francisco no vestido, que comecei no final de outubro do ano passado. Fui inventando coisas pra bordar, e uma hora cansei. As casinhas de Penedo me pareciam especialmente trabalhosas de bordar. Outro dia, pensei em prosseguir o bordado, mas sem muita cobrança quanto ao tempo. De repente, tinha terminado de bordar as casinhas. Agora parece faltar muito pouco. Me deu uma alegriazinha constatar isso. 
Também tive um encontro com um doguinho num dia em que saí para caminhar. Ele foi seguindo ao meu lado o tempo todo, me deu umas voadoras para brincar, latiu para um boi, encontrou outros doguinhos mas atravessou a passarela comigo. Quando chegamos à lagoa, ele deitou um pouco debaixo de uma árvore e depois seguiu na direção da praia. Ainda esperei para ver se ele voltava atrás, ao me ver parada, mas ele olhou pra mim e se foi. Quase me senti culpada quando marido disse que talvez ele não soubesse voltar, mas não. Ele estava tão feliz seguindo seu caminho que foi mesmo um privilégio sua pequena presença, que me afastou os pensamentos cinzentos por alguns instantes. 
Precisamos, como o doguinho, estar atentos ao caminho, curtir o que for bom, arrumar companhias, deixar ir e vir com alegria. 

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Mesmo com o nada feito, com a sala escura, com um nó no peito

A gente vai levando. Assim é desde há muito, mas muito piorado com a ascensão do facínora, que teve como pano de fundo perfeito de seu governo uma pandemia como nunca antes vista. Trinta e três milhões de pessoas passam fome no Brasil de hoje, nossos biomas têm sido devastados numa velocidade pandêmica, a violência contra crianças, mulheres, negros e LGBTs não cessa e tem se tornado mais banal que nunca. Nosso país cheira a morte, por toda parte - e o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips vem coroar essa trilha de horror que se tornou o Brasil. Podemos dizer que a última eleição trouxe num só mandante/mandato os quatro cavaleiros do apocalipse. 
A tristeza é profunda e diária. E, no entanto, seguimos tendo de acordar diariamente, tendo de trabalhar. Às vezes, parece algo tão sem sentido, criar algo neste país cujo futuro foi roubado desde a origem. Gerar riqueza para quem? Enquanto 33 milhões passam fome, os povos originários e seus defensores são dizimados, multidões passam a morar nas ruas das grandes cidades e os velhos representantes da política colonial e patriarcal riem na nossa cara?
Ainda por cima, tem o texto pungente de Eliane Brum não só sobre o assassinato de Bruno e Dom e o extermínio dos indígenas, ambientalistas e dos biomas brasileiros mas principalmente sobre as guerras em que o Brasil está mergulhado hoje, sobre a urgência de assumir um lugar na guerra que é de todos. E vimos outro dia, por fim, o tocante Sertão velho cerrado, filme de André d'Elia, que lança luzes sobre nossa ignorância cotidiana acerca do Brasil ao redor, para além da nossa bolha. Só fazemos confirmar os mandatários de sempre e como é urgente e imprescindível organizar uma resistência efetiva contra o sistema vigente. 
A gente vai levando, e para desfazer o nó no peito a rotina não basta. O que salva é a arte, do tamanho que for, do jeito que for. Às vezes, é a literatura, às vezes, o bordado deixado na sala escura é que vem iluminar a casa toda, essa casa que é a alma. Não à toa, como quereria Jung, bordo casas. 

terça-feira, 14 de junho de 2022

Chipá ou chipa paraguaia


A primeira vez que provei chipas foi no ônibus que levava de Foz do Iguaçu para Ciudad del Este, no Paraguai. Tinha ido visitar meu amigo Bebê em Toledo, PR, e aproveitei para conhecer as Cataratas do Iguaçu e antes dar um rolezinho no país vizinho. Acabei me limitando à fronteira mesmo, indo a um ou outro shopping de muamba, então nem posso dizer que conheço Ciudad del Este. 
Mas a imagem das crianças correndo ao lado do ônibus e oferecendo chipas aos passageiros me marcou. Lembro de ter achado muito boa essa versão de pão de queijo, mais leve e com um toque de milho no sabor. Fui, inclusive, assaltada pelos guaxinins do Parque Nacional, que carregaram minhas chipas num piscar de olhos. 
Encontrei, anos depois, chipas congeladas em supermercados - Guga gostava de comprar vez ou outra. Mas foi uma postagem de minha amiga Luciana, mestra dos quitutes, que me levou a experimentar uma receita caseira. Na verdade, ela me enviou uma foto de recorte de embalagem de margarina, em espanhol, com a receita. Mais caseira, impossível.
Adaptei a receita, que pede "queso Paraguay" para queijo minas padrão e não usei anis. Na segunda vez, acertando o sal, ficou uma perfeição. Fiz um montão, congelei e comi como lanchinho da tarde por vários dias, preparadas na airfryer. Aprovadíssimas, por mim e pelo marido.

domingo, 22 de maio de 2022

Do doce ao amargo numa passada - rolê em SP

Rolê por São Paulo é sempre um bagulho loko. Mesmo que desta vez eu não tenha feito meu itinerário de pequenas compras de temperos e insumos - compras um pouco maiores eu já tinha abandonado faz tempo com o despacho de bagagem cobrado à parte -, deixando este último rolê para reencontrar minhas pessoas, muitas delas não vistas desde sete anos atrás, a coisa foi corrida como sói acontecer em Sampa. 
Dei muita sorte de não pegar a friaca que tomou a cidade na semana seguinte à minha viagem. Andei num clima ameno, sob céu azul, com solzinho (e voltei a usar chapéu). A maioria das pessoas, de máscara pela rua, no metrô, no ônibus (quem não usava, levava logo uma chamada de motorista ou funcionário do metrô). 
Muitos moradores de rua vagando pelo centro. Famílias inteiras, mães com carrinhos de bebê em barracas. Todas as vezes em que parei pra respirar, pra checar uma placa, pra comprar um QR code para tomar metrô (sim, meu bilhete único de décadas não vale mais), no aeroporto, dentro de restaurantes, fui abordada por alguém querendo um prato de comida ou uma passagem - todas as vezes, sem exagero. 
A gentrificação desabalada do centro só torna ainda mais horrorosa a face da desigualdade. O Copan virou uma espécie de Vila Madalena; ruas como Major Sertório, Rego Freitas e General Jardim viraram endereços hype, com bares, restaurantes e baladas descolados, enquanto espectros circulam ao redor dos hipsters. Eu mesma andei por alguns desses endereços de hipster: Temumami, La Guapa, Bia Hoi, Amélia (neste, teve barman correndo com faca na mão porque alguém tentou levar uma cadeira da calçada, surreal). Fui à Liberdade, onde constatei o fechamento de um dos meus restaurantes favoritos. Numa doceria portuguesa ao lado do CCBB, percebi que não era tão tranquilo tomar café na mesa externa - um homem passou lentamente, me encarando o tempo todo, enquanto eu falava ao telefone com Guga. Passei sob o Minhocão pra buscar uma blusa da Mieko e percebi a deterioração do entorno, com muito lixo espalhado, e também o espalhamento da população mais vulnerável. Não me senti insegura de andar pelo centro - até fiquei no basfond da Vieira de Carvalho -, mas foi impossível ignorar como tudo está mais urbana e humanamente decadente.     
Daí, quando se vai visitar a exposição Amazônia, do Sebastião Salgado (e o Sesc Sompeia foi o único lugar onde se exigiu cartão de vacinação e máscara para entrar), só nos resta chorar. A beleza da floresta e dos povos originários em oposição a todo o horror que temos visto nos últimos anos, especialmente com o desgoverno atual, na destruição de tudo - natureza, direitos, pessoas, democracia. Afora a saudade que dá de um lugar como o Sesc, que representa tanta coisa em que acredito e que ainda sobrevive. Bom até o pão de queijo massudinho da cafeteria, tão característico de SP e que acaba impregnando também o ar nas estações de metrô e terminais de ônibus.
Falando em comidinhas, comi mais doces do que planejava. São Paulo, ainda mais no outono-inverno, pede café. Encontrar amigos pede café. E café pede doce. Tabletón da Paola Carosella (bem bom, bem caro), torta de chocolate com caramelo salgado do empório Amélia (bom), guardanapo de malveira da Maria Cristina Doces Portugueses (razoável, com leve gosto de margarina), panetone com massa de cacau, gotas de chocolate e creme de cupuaçu da Temumami (muito, muito bom, caro), pastiera di grano (OK) e tiramisù (bem bom) da Speranza e o indefectível pudim de leite com fava de baunilha do Senhor Pudim, trazido pelo Rafa. Ainda bem que andei muito, embora não o suficiente para queimar tanto açúcar.
Vi minhas pessoas de sempre, dei abraços apertados e atrasados, cantei a plenos pulmões, fui ao interior para segurar as mãos de um amigo imobilizado mas de olhar sempre vivo e cheio de amor, fiz reunião familiar com quem topa conversas difíceis mas também risadas e emoções, interagi com pets dos amigos e nas ruas, me emocionei com o sabor da marguerita, ponguei nos vinhos bons das adegas amigas (inclusive um Erika Goulart, de que ouvi falar em Mendoza), levei marmita de finger food da Ná pro hotel, como o perfeito cuscuz paulista, tomei conhecimento de mais histórias doidas e preocupantes vividas pela minha mãe. 
Poucos dias, mas muito mais intensos do que qualquer rolê que eu tenha feito desde que saí de lá. Doce e amargo numa só visita. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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