Mostrando postagens com marcador família. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador família. Mostrar todas as postagens

domingo, 6 de abril de 2025

Coisa de mãe?

Quando fui morar sozinha, minha mãe começou a cultivar um hábito que só se interrompeu quando mudei de estado - me presentear com panos de prato e linhas de costura. Não sei exatamente por que, mas imagino. As canetas, inclusive com meu nome gravado, tinham sido um hábito da época do colégio, mas ela me deu uma caneta chique quando me formei. 
Ela encontrou, este ano, um jeito de me presentear de novo, não com panos de prato, que talvez não valessem o custo dos correios, mas com jogos americanos, crochetados por sua talentosa irmã caçula. Enviou as seis peças de um lindo azul com duas canetas, para não perder o hábito, e numa caixa bonita de presente, com cores combinando. Já estou usando, claro. 
Eu já devo ter dito que sempre me senti mais mãe da minha mãe do que filha. Testemunhei a dificuldade dos meus irmãos na relação com ela, um ressentimento mais ligado à imagem cristalizada de maternidade vendida até hoje. Apesar da dificuldade que minha mãe tem em expressar afeto, que eu atribuo a uma questão cultural mas também familiar, sempre pensei em todo o esforço que ela fez por nós, sobretudo materialmente, não vendo limites, até se prejudicando, para nos manter vestidos, alimentados, equipados para os estudos. 
Quando ela ficou comigo por quase um mês tive acesso a outras camadas da sua personalidade, dos seus silêncios, da sua forma de reagir a violências na vida. Agora há ainda o envelhecimento, que a torna mais frágil, mas não menos teimosa em alguns aspectos. Mais e mais eu vejo em mim parecenças com ela, que, como as herdadas de meu pai, tenho que administrar. É interessante como me vejo mais herdeira de meus avós, muito mais por ter aprendido e apreendido coisas com seus exemplos, mas de meus pais vêm outras coisas, a que, mesmo não desejadas, é preciso dar um destino. 
A única coisa de que tenho certeza nesta vida é que temos que aprender a enxergar o que as relações nos trazem, de que forma se tecem os afetos e, mais importante, o que fazemos com eles. O jogo americano já está sobre a mesa, já me acompanha nas refeições e sempre me faz lembrar tudo o que minha mãe fez por nós, que, mesmo não sendo o que se esperava dela, era o melhor que ela podia fazer - o que, levando em conta o quanto as pessoas estão dispostas a dar de si, é muitíssima coisa, é maravilhoso.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Peripatética em Sampa

Fui a SP para tratar de questões familiares e acabei encontrando amores que eu não via há muito tempo, como Carlos (desde 2011) e Karen (desde 2018). Com a amplitude térmica ainda maior, vivenciei a alternância de onda de calor (32 graus) e friaca (9 graus), algo mais comum nestes tempos de emergência climática (uma das amigas que queria ver, Lu Salgado, não pôde me encontrar porque a cidade de onde vinha estava tomada por incêndios, um risco imenso nas estradas). Passei frio, mesmo tendo me preparado para as baixas temperaturas de metade da semana.
De todo modo, consegui ver minhas pessoas, resolver imbróglios para mamis, cantar, dançar, rir, ouvir, comemorar conquistas (como de Marisa, com quem depois fui andando até o Ceuma, para ver Wisnik falar de Bosi), compartilhar heranças e alergias (com irmãos, é claro). Andei muito, da zona leste à sul, recordando caminhos de cujas grandes distâncias não me lembrava (como as avenidas que ligam Itaquera a Penha). Experimentei docinhos mil (Speranza, Itigo Itiê, Mori Chazeria, Biscoitê, Aizomê), tentei evitar o café em excesso, mas em Sampa é impossível, tudo e todos pedem café, e ainda ganhei uma degustação surpresa e exclusiva no Starbucks, com direito a dois baristas presentes, que elogiaram meu "palavreado". Aproveitei para revisar minha câmera e presenciei a GCM expulsando os moradores de rua com jatos d'água na Sete de Abril. Renovei cabeleira, comi bastante sushi (todo mundo anda na vibe de comida oriental, segundo Emersom, uma nova onda de cultura japonesa tomou a cidade e conheci um novo restaurante, Shigueo), mas mantive a tradição de ir à Speranza com as thelmas. Comprei coisas de que não precisava na Liberdade, de artigos de papelaria da Haikai a chás da Casa Bueno e do Azuki. Provei croissant com creme de amêndoas na Beth Bakery, trouxe um sourdough pra casa, além do pão davvero italiano que Eli me deu, sequíssimo, que deve ser umedecido por 10 segundos. Revi filhotes das amigas, como os altíssimos filhos de Marise e as três graças de Eliane, que carreguei no colo, me inteirei dos projetos de Rafaela, conheci a mamislinda de Marise. Enfim, fui à Japan House, onde, além de exposição sobre moda japonesa, conheci a linda embora pequena biblioteca e o banheiro à la Perfect Days; dali, voltei ao antigo espaço de trabalho do IC, onde estava rolando a Ocupação Naná Vasconcelos e uma exposição de Guto Lacaz. Até ao teatro fui, ver Kiko Mascarenhas em Todas as coisas maravilhosas, dica de Valéria, minha amiga de faculdade, mas isso vale outro post. 
Foi uma viagem divertida e produtiva, mas concluí que não caibo mais nessa loucura por vencer o tempo e as distâncias, esse "batidão" alucinado. Eu segui no fluxo alucinado, como todos, ligando minha tecla SAP, mas cheguei exausta em casa. Vi como não foi fácil para os amigos me encontrarem, por mil razões, mas especialmente pela corrida diária própria da megalópole, da qual já fiz parte, correndo muito. No momento, não me vejo voltando, mas só seguindo em frente, num passo mais tranquilo, seja para onde for.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou

Ganhei o primeiro presente para usar na nova casa - uns panos de prato lindos, de minha sogra, que ficou tristíssima com a separação. Afinal, foram muitos anos de convívio, e, mais do que sogra, ela foi minha maior amiga por aqui. Por isso mesmo, inexiste a possibilidade de distanciamento. Aliás, embora minha rede de apoio na Bahia seja pequena, ela é muito preciosa. 
Hoje assinei o contrato de aluguel do apartamento novo. As coisas têm vindo como um rio tranquilo mas de velocidade constante. Tive de visitar só quatro apartamentos para achar o que estava buscando (na última mudança, meio no desespero, mas com muita ajuda inesperada, visitei 12). O novo apê vai me deixar perto de alguns amigos, num bairro bacana, com facilidades para pedestres como eu (e já vi bikes no estacionamento). Com uma planta das antigas, muito bem conservado, num preço que hoje posso pagar. O locatário me fez lembrar muito do dono do meu apê na São João, dessas pessoas que valorizam a palavra empenhada. O corretor também é ótimo. 
Hoje até fez sol, um dia lindo, depois de muita chuva. Recebo com alegria essa luz no meu caminho. 

domingo, 22 de maio de 2022

Do doce ao amargo numa passada - rolê em SP

Rolê por São Paulo é sempre um bagulho loko. Mesmo que desta vez eu não tenha feito meu itinerário de pequenas compras de temperos e insumos - compras um pouco maiores eu já tinha abandonado faz tempo com o despacho de bagagem cobrado à parte -, deixando este último rolê para reencontrar minhas pessoas, muitas delas não vistas desde sete anos atrás, a coisa foi corrida como sói acontecer em Sampa. 
Dei muita sorte de não pegar a friaca que tomou a cidade na semana seguinte à minha viagem. Andei num clima ameno, sob céu azul, com solzinho (e voltei a usar chapéu). A maioria das pessoas, de máscara pela rua, no metrô, no ônibus (quem não usava, levava logo uma chamada de motorista ou funcionário do metrô). 
Muitos moradores de rua vagando pelo centro. Famílias inteiras, mães com carrinhos de bebê em barracas. Todas as vezes em que parei pra respirar, pra checar uma placa, pra comprar um QR code para tomar metrô (sim, meu bilhete único de décadas não vale mais), no aeroporto, dentro de restaurantes, fui abordada por alguém querendo um prato de comida ou uma passagem - todas as vezes, sem exagero. 
A gentrificação desabalada do centro só torna ainda mais horrorosa a face da desigualdade. O Copan virou uma espécie de Vila Madalena; ruas como Major Sertório, Rego Freitas e General Jardim viraram endereços hype, com bares, restaurantes e baladas descolados, enquanto espectros circulam ao redor dos hipsters. Eu mesma andei por alguns desses endereços de hipster: Temumami, La Guapa, Bia Hoi, Amélia (neste, teve barman correndo com faca na mão porque alguém tentou levar uma cadeira da calçada, surreal). Fui à Liberdade, onde constatei o fechamento de um dos meus restaurantes favoritos. Numa doceria portuguesa ao lado do CCBB, percebi que não era tão tranquilo tomar café na mesa externa - um homem passou lentamente, me encarando o tempo todo, enquanto eu falava ao telefone com Guga. Passei sob o Minhocão pra buscar uma blusa da Mieko e percebi a deterioração do entorno, com muito lixo espalhado, e também o espalhamento da população mais vulnerável. Não me senti insegura de andar pelo centro - até fiquei no basfond da Vieira de Carvalho -, mas foi impossível ignorar como tudo está mais urbana e humanamente decadente.     
Daí, quando se vai visitar a exposição Amazônia, do Sebastião Salgado (e o Sesc Sompeia foi o único lugar onde se exigiu cartão de vacinação e máscara para entrar), só nos resta chorar. A beleza da floresta e dos povos originários em oposição a todo o horror que temos visto nos últimos anos, especialmente com o desgoverno atual, na destruição de tudo - natureza, direitos, pessoas, democracia. Afora a saudade que dá de um lugar como o Sesc, que representa tanta coisa em que acredito e que ainda sobrevive. Bom até o pão de queijo massudinho da cafeteria, tão característico de SP e que acaba impregnando também o ar nas estações de metrô e terminais de ônibus.
Falando em comidinhas, comi mais doces do que planejava. São Paulo, ainda mais no outono-inverno, pede café. Encontrar amigos pede café. E café pede doce. Tabletón da Paola Carosella (bem bom, bem caro), torta de chocolate com caramelo salgado do empório Amélia (bom), guardanapo de malveira da Maria Cristina Doces Portugueses (razoável, com leve gosto de margarina), panetone com massa de cacau, gotas de chocolate e creme de cupuaçu da Temumami (muito, muito bom, caro), pastiera di grano (OK) e tiramisù (bem bom) da Speranza e o indefectível pudim de leite com fava de baunilha do Senhor Pudim, trazido pelo Rafa. Ainda bem que andei muito, embora não o suficiente para queimar tanto açúcar.
Vi minhas pessoas de sempre, dei abraços apertados e atrasados, cantei a plenos pulmões, fui ao interior para segurar as mãos de um amigo imobilizado mas de olhar sempre vivo e cheio de amor, fiz reunião familiar com quem topa conversas difíceis mas também risadas e emoções, interagi com pets dos amigos e nas ruas, me emocionei com o sabor da marguerita, ponguei nos vinhos bons das adegas amigas (inclusive um Erika Goulart, de que ouvi falar em Mendoza), levei marmita de finger food da Ná pro hotel, como o perfeito cuscuz paulista, tomei conhecimento de mais histórias doidas e preocupantes vividas pela minha mãe. 
Poucos dias, mas muito mais intensos do que qualquer rolê que eu tenha feito desde que saí de lá. Doce e amargo numa só visita. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

Arquivo do blog