segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Emancipação

Eu tomei hormônios por 30 anos. Trinta anos! Mais da metade da minha vida. Foi o tratamento indicado por ginecologistas - curiosamente, homens - para amenizar os sintomas da SOP (Síndrome do Ovário Policístico). Somente agora, com UMA ginecologista, foi aventada a hipótese de eu interromper esse tratamento e procurar amenizar os sintomas investindo na qualidade de vida. Ainda estou um pouco longe da menopausa, então seria necessário pensar em algum outro método contraceptivo.
Fiquei pensando em qual a razão para pouco se falar no DIU de cobre, se ele é um dos métodos mais próximos do natural que existem. Claro que podemos pensar na influência esmagadora da indústria farmacêutica, que trata um problema, cria vários outros e então oferece mais medicamentos para tratar os novos problemas de saúde. Mas não deixa de ser chocante que os próprios médicos não considerem esses fatores no atendimento às mulheres.
Verdade seja dita, enquanto tomei o Diane 35 (e foram mais de vinte anos), não sentia desânimo, nem cólicas. Comecei a engordar mais perto dos 40 anos, então não posso reputar toda culpa a ele. Quando, porém, pelo risco de trombose, substituí o medicamento por outro, o Cerazette, engordei, desanimei, tive cólicas homéricas, de me dobrar ao meio, o ciclo menstrual ficou totalmente desregulado. Como um medicamento assim poderia ser benéfico? Só então comecei a pensar em alternativas para o tratamento da SOP e também para a contracepção.
Eu mesma só tenho conhecimento de UMA amiga que utiliza o DIU. Foi ela quem mais me animou a fazer uso do dispositivo. Entre o de cobre e o chamado Mirena, obviamente escolhi o primeiro, sobretudo porque tudo o que menos queria era continuar usando hormônio, mas também porque o segundo é muito mais caro (com o custo da aplicação, o valor seria três vezes maior que o de cobre).
Fui, fiz. Quase morri de cólica no momento da aplicação e nas horas seguintes. Mas depois fui tomada por uma sensação de liberdade tão grande - por ter tomado essa decisão, por estar há alguns meses sem usar medicamentos hormonais, por me sentir voltando a ser eu mesma! Apesar de outros problemas de saúde recentes - cisto na mama, nódulo na tireoide, microcisto ovariano, esteatose hepática -, me sinto mais disposta, comecei a emagrecer (claro que também por conta das mudanças na alimentação e na atividade física, mas o maior ânimo é que possibilita essas mudanças), sinto vontade de escrever, estudar (e o Universo vem com ajudinha extra de colocar pessoas interessantes no caminho).
O que é um pouco assustador nesse processo é como não nos damos conta de que os problemas de saúde, quando são crônicos mas não têm consequências tão graves, interferem enormemente em todos os setores da vida. De repente, sem hormônios sintéticos, me sinto emancipada. Como se eu tivesse dormido em uma cápsula por anos, e de repente acordasse. Liberta, emancipada.

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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