A pilha de empréstimos às vezes cresce, e o namorido fica meio chateado por achar que não partilho do seu encantamento literário. Mas não é de propósito: é que preciso estar no espírito para ler determinado livro. E foi o que aconteceu com o volume de 422 páginas devorado em 3 dias.
É, sim, uma história sobre solidão. E porque trata de solidão me parece verdadeira e absorvente, como as melhores histórias. Na minha opinião, todas falam de solidão e busca. Afinal, não é assim toda vida humana? Lo creo.
E aqui há uma sacada do autor, algo que me pegou pelo estômago, mais que o foco narrativo em mudança constante, diálogos e personagens bem construídos: a dificuldade do narrador de fixar rostos e ter de usar truques para se lembrar de alguém, e o olhar no espelho e não se reconhecer. Tem algo de pessoano nisso, embora eu não tenha a menor ideia de "quem" sejam as referências de Galera. Aliás, as associações que normalmente fazemos com autores, artistas, filmes acabam sendo um desses truques de reconhecimento - não dos artistas, autores, filmes, mas de nós mesmos. Na minha cabeça iam pululando Marçal Aquino, Pessoa, Hatoum, Camus, o Rosa de A terceira margem do rio. Tudo inútil, porque não cabia mais ninguém na trama além de um protagonista sem nome.
Isso para não falar do suicídio. Tem gente que simplesmente não pode mais com a vida, e resolve dar cabo dela - eu não concordo, mas até entendo. Ou da necessidade de perdoar, importante sim, mas que muita gente confunde com "vamos fingir que não aconteceu", como quem finge ignorar as cicatrizes que cobrem um rosto. Enfim.
Se Daniel Galera não escrevesse tão bem, tudo isso já seria motivo para lê-lo.