quarta-feira, 2 de março de 2016

Rearranjando as memórias






Gosto de trazer souvenirs de viagens. Gosto de ganhar souvenirs, um sinal de que alguém se lembrou de mim em outro lugar. Cada vez mais, escolho souvenirs que tenham a ver com meus espaços - não compro mais "qualquer coisa" só para dizer que estive em tal lugar. Prefiro até objetos que tenham outra utilidade além da de lembrar algo - assim, a memória de coisas queridas se integra ao cotidiano.
Quando fui organizar minhas miudezas-souvenirs, notei que se dividiam em subgrupos principais: proteção, recipientes e bichos. Eram pequenas coleções, e assim as distribuí entre os livros.
*
Enquanto reorganizava visualmente as memórias, lembrei de situações em que dividi experiências com alguém que tinha uma lembrança completamente diferente do que ocorreu - aquela coisa de uma única versão puxando a sardinha para o seu lado, que tem muito de memória seletiva. Eu também faço isso, confesso, ainda que sem querer. Edito, às vezes; olho como quem fotografa, deixando parte da imagem de fora.
Depois me ocorreu que, como eu edito e fotografo, muita gente prefere reinventar suas lembranças. Recria-as mesmo, depois de algum tempo sugere uma nova versão para o que hoje é memória. Também é uma espécie de seleção, mas com descarte total, sem direito a "reserva técnica".
Porque lembrar não é algo automático. Lembrar exige coragem, principalmente quando as memórias não são das mais agradáveis. Podemos reorganizar, editar e até descartar, mas evitar o lembrar faz de nós seres incompletos. Quem somos, senão o que vivemos? O que vivemos, senão o que lembramos?

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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